Internacional

Busca-se uma secretária-geral da ONU

Mulheres de Gujarat, na Índia. Foto: Krishnakant/IPS
Mulheres de Gujarat, na Índia. Foto: Krishnakant/IPS

Por Thalif Deen, da IPS – 

Nações Unidas, 22/3/2016 – Quando fracassou a tentativa da única mulher que se propôs a encabeçar a Organização das Nações Unidas (ONU), em 2006, um diplomata asiático explicou a situação com uma citação bíblica: “É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que uma mulher ser secretária-geral da ONU”. Mas, como brincou uma caricatura do jornal New Yorker não relacionada com este fato, “talvez precisemos agulhas maiores ou camelos menores”.

A candidata em questão, Vaira Vike-Freiberga, presidente da Letônia entre 1999 e 2007, nunca chegou ao 38º andar da secretaria-geral da ONU, onde fica o escritório do chefe do fórum mundial.Seus competidores na época eram todos homens, o secretário-geral adjunto ShashiTharoor, da Índia, o ex-chanceler do Afeganistão, AshrafGhani, o embaixador da Jordânia, príncipe ZeidRaad al-Hussein, o vice primeiro-ministro da Tailândia, SurakiartSathirathai, e o secretário-geral adjunto JayanthaDhanapala, do Sri Lanka.

O sexto candidato, o então chanceler da Coreia do Sul, Ban Ki-moon, acabou sendo eleito para o cargo, que assumiu em janeiro de 2007.Durante a maior parte de seus 70 anos de existência a ONU se caracterizou pelo predomínio masculino, característico da cultura política. O ambiente parece mudar, embora as aparências costumem ser enganosas nas questões políticas das Nações Unidas.

Se a atual campanha para que uma mulher encabece a secretaria-geral ganhar força, talvez ainda seja possível que, no final deste ano, a ONU faça história em um mundo em que a população feminina representa quase metade de seus sete bilhões de habitantes.Pela primeira vez na história das Nações Unidas, o presidente da Assembleia Geral, de 193 membros, o dinamarquês MogensLykketoft, disse que está comprometido com um “processo aberto e transparente” na eleição e designação do próximo secretário geral.

Todos os países membros receberam um convite para enviarem suas candidaturas ao presidente da Assembleia Geral, bem como ao do Conselho de Segurança. Até a terceira semana de março, sete candidatosse apresentaram, quatro homens e três mulheres: SrgianKerim, da Macedônia,VesnaPusić, da Croácia, Igor Lukšic, de Montenegro, Danilo Türk, da Eslovênia, Irina Bokova, da Bulgária, Natalia Gherman, da Moldávia, e Antonio Guterres, de Portugal.

“Creio que finalmente chegou o momento de se ter uma secretária-geral”, afirmou à IPS Jessica Neuwirth, uma das fundadoras e presidente honorária da Igualdade Já. “Ban Ki-moon declarou que gostaria de ser sucedido por uma mulher, e alguns países membros apoiam formalmente a ideia de que é hora de isso acontecer. Embora sempre tenha existido mulheres qualificadas para a tarefa, agora há algumas que, de fato, estão fazendo campanha”, apontou.

“No tocante à rotação regional, mais do que qualquer região, creio que é a vez das mulheres estarem representadas e poderia haver certa flexibilização para garantir que uma mulher possa ocupar o cargo”, opinouNeuwirth. Ela também é fundadora e diretora da DonorDirectAction, derivada da Igualdade Já, criada para reunir fundos para as organizações que defendem os direitos das mulheres.

A ativista também esclareceu que sua organização lançou sua primeira campanha para que uma mulher esteja à frente da secretaria-geral após a adoção da Plataforma de Ação de Pequim, em 1995, no contexto da Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher.

A Plataforma de Pequim cobrou o desenvolvimento de “mecanismos para designar candidatas a ocupar cargos altos na ONU” e foi proposta a meta de conseguir “a igualdade de gênero, em especial no campo profissional e em cargos superiores, até 2000”, recordou Neuwirth. “Ainda esperamos que esse compromisso seja implantado, 16 anos depois da data-limite prevista para o ano 2000. Talvez, se começarmos por cima, o consigamos”, acrescentou.

Por sua vez, Charlotte Bunch, diretora fundadora do Centro para a Liderança Mundial das Mulheres, além de professora da Universidade Rutgers, dos Estados Unidos e uma das principais figuras da campanha para criar a ONU Mulheres, afirmou à IPS que “mais do que nunca estamos perto de ter uma mulher à frente da secretaria-geral. Há numerosas mulheres muito qualificadas e de várias regiões cujos nomes foram apresentados formalmente ou foram discutidos publicamente e esperamos que todas recebam uma séria consideração”.

Mas, ressaltou Bunch, é de fundamental importância quem será a mulher que se eleger, pois uma má escolha poderá predispô-la ao fracasso. “Seu gênero deve ser um elemento forte, mas não sua principal qualificação”, afirmou.A visão da candidata sobre o futuro da ONU nestes tempos atribulados, e sua capacidade de comunicação e de levar adiante a parte organizacional, bem como seu compromisso provado com os princípios históricos do fórum mundial em matéria de direitos humanos, desenvolvimento e igualdade de gênero, são fundamentais, pontuou.

No contexto do processo de transparência, o presidente da Assembleia Geral começará uma série de diálogos informais com as e os candidatos entre os dias 12 e 14 de abril. As entrevistas darão aos candidatos uma plataforma para apresentarem sua candidatura e será uma oportunidade para que os 193 Estados membros lhes façam as perguntas que julgarem convenientes. Cada um disporá de duas horas para sua apresentação.

No âmbito da sociedade civil, há uma campanha mundial encabeçada por várias organizações não governamentais chamada “1 for 7 billion”(1 para 7 bilhões) que pede um processo aberto de seleção, o “que até agora esteve envolvido em um manto de segredo”.As organizações questionam a “forma deplorável em que um punhado de países poderosos (a saber: China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia, as cinco potências com veto no Conselho de Segurança) escolhem o secretário-geral a portas fechadas”.

No ano passado, a embaixadora da Colômbia, Maria Emma Mejía, fez circular uma carta de apoio para que uma mulher ocupe o cargo de secretária-geral, que reuniu em seu início a assinatura de 44 representações. Mas entre elas não havia nenhuma das potências com poder de veto no Conselho de Segurança, que sempre tem a última palavra no tocante à designação do secretário-geral. De fato, a Rússia já declarou que o cargo será ocupado pela pessoa mais competente, independente de gênero.

Entretanto, Moscou defende que a pessoa seja originária da Europa oriental, com o argumento de respeitar a rotação geográfica, porque os anteriores oito secretários-gerais procederam da Europa ocidental (3), Ásia (2), África (2) e América Latina (1).Uma jornalista norte-americana que trabalhou na sede da ONU, mas pediu para não ter o nome divulgado, declarou à IPS:“Meu instinto me diz que a opção de uma mulher pode ser muito delimitada, pois não há candidatas óbvias, e vejo que ultimamente os Estados Unidos criticaram muito a gestão do Pnud(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento)”.

“Não creio que Washington esteja muito concentrado nisto com o pandemônio que são as eleições primárias nos Estados Unidos. E a designação por parte da Rússia de uma mulher da Moldávia parece mais uma marotice do que outra coisa”, afirmou a jornalista, acrescentando que Angela Kane, ex-secretária-geral adjunta, gostaria de integrar a lista de candidatas, mas não conseguiu nenhum apoio de seu país, a Alemanha.

Os antecessores do atual secretário-geral foram: Kofi Annan (Gana), Boutros Boutros-Ghali (Egito), Javier Pérez de Cuellar (Peru), Kurt Waldheim (Áustria), U.Thant (Birmânia, agora Myanmar), Dag Hammarskjöld (Suécia), e Trygve Lie (Noruega). Envolverde/IPS