Rio de Janeiro, Brasil, 16/6/2016 – Governos considerados de esquerda estão caindo na América Latina, desgastados por desastres econômicos. Por que os esquerdistas tropeçam na gestão econômica? Esta foi a pergunta que a IPS fez para economistas de diferentes correntes ideológicas.
Por Mario Osava, da IPS –
Trata-se de líderes ou partidos que, por seus êxitos, sobretudo sociais, conquistaram uma popularidade eleitoralmente imbatível por mais de uma década, mas não conseguiram evitar, ou lidar, com crises econômicas que em pouco tempo destruíram sua força política.
“É pela visão populista de que se pode gastar como bem entender e, pior, praticar preços no setor estatal abaixo do custo, com subsídios do Tesouro. Tudo converge para o desastre nas contas públicas”, explicou Raul Velloso, especialista em finanças públicas que exerceu importantes funções nos governos brasileiros nas décadas de 1980 e 1990.
Hildete Pereira de Melo, professora da Universidade Federal Fluminense, rechaça a avaliação que atribui a derrocada a erros da esquerda, pelo menos no Brasil. “A atual recessão econômica é o corolário da crise política provocada por forças conservadoras que não aceitaram a derrota eleitoral de 2014”, afirmou, compartilhando a versão do Partido dos Trabalhadores (PT), que esteve no poder entre 2003 e 12 de maio deste ano, com Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
Entre essas opiniões opostas, outras análises apontam características da gestão econômica dos governos considerados de esquerda que contribuíram para uma volta à direita dos dois maiores países da América do Sul.
Ao contrário do Brasil – onde o parlamento suspendeu a presidente Dilma, ao abrir seu julgamento de impeachment, e a substituiu interinamente pelo vice-presidente, Michel Temer –, na Argentina, a mudança se deu pelas eleições de novembro de 2015, com a vitória de Mauricio Macri, de centro-direita.
“A esquerda, de fato, conduz mal a política econômica na América Latina, mas a direita tampouco o faz bem. As razões são diferentes, mas o resultado é sempre a medíocre situação regional”, afirmou Fernando Cardim de Carvalho, professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Os julgamentos contrastam porque “da direita pouco se espera e a esquerda chega ao poder prometendo muito e se complica por seu voluntarismo”, acrescentou Carvalho. “O desconhecimento de como funciona uma economia capitalista, baseada no mercado”, é uma das duas insuficiências destacadas por Carvalho na visão da esquerda latino-americana.
A consequência é acreditar que “tudo é questão de poder”, sem considerar os limites impostos pelos interesses e pelas decisões voluntárias do mercado e pelo fato de o governo depender de coalizões políticas sólidas. A segunda limitação dos governos ditos de esquerda é “não transformar estruturas, não criar instituições e outros instrumentos para perenizar as mudanças”.
O Bolsa Família, que oferece pequenas somas a 14 milhões de famílias pobres no Brasil, reduz a pobreza “mas não muda nada estruturalmente, pode desaparecer com um corte no orçamento”, apontou Carvalho.
Segundo o professor, o que o PT fez no Brasil, com o Bolsa Família e outros programas sociais, “não é nem mesmo de esquerda”, é similar, por exemplo, ao realizado pelos democratas-cristãos da Alemanha com “ajuda aos menos favorecidos, sem mudanças estruturais”. E acrescentou que “política de esquerda seria criar mecanismos institucionais de redistribuição da renda e da riqueza, como impostos progressivos sobre a renda”, adotados pelos social-democratas na Europa.
Desequilíbrios fiscais são problemas comuns nos governos que estão deixando a cena sul-americana. No Brasil, é uma dimensão importante da crise e da saída, no momento interina, mas provavelmente definitiva, da presidente Dilma, acusada de fraudes fiscais que justificariam ser retirada do poder.
Particularmente no Brasil, o risco de desbaratar as contas públicas é grave devido à carga tributária no limite tolerável pela sociedade, juros elevados sobre a dívida pública, um sistema de previdência excessivamente deficitário e uma tributação injusta e complexa. Medidas mal avaliadas podem ser fatais. O “coração do desastre” de Dilma Rousseff foi isentar ou reduzir impostos para alguns setores empresariais, afirmou Carvalho.
“A esquerda em geral tem enorme desconfiança sobre a eficácia do sistema de preços, isto é, o mercado, como distribuidor de recursos escassos, por isso acredita que o Estado deve intervir nesse sistema para evitar distorções injustas em termos de igualdade social”, afirmou Luis Eduardo Assis, ex-diretor do Banco Central brasileiro.
Em consequência, para essa esquerda, “o Estado tem de ser grande e, por fim, consome recursos elevados e exige, ao assumir funções que seriam exercidas pelo mercado, uma gestão incrivelmente complexa e passível de erros graves de avaliação, como o congelamento de preços”, destacou Assis.
Para o especialista, dessa visão resulta a crença de que os gastos públicos são sempre virtuosos, ao estimular a economia, de maneira “que haverá mais adiante uma geração de impostos suficiente para financiar o déficit originalmente provocado pelos gastos governamentais, uma visão equivocada do que disse Keynes”.
É possível que muitos erros cometidos pela esquerda latino-americana se devam a um “keynesianismo mal assimilado”, de considerar que “qualquer intervenção do Estado na economia é keynesiana e progressista, uma bobagem”, afirmou Carvalho, especialista nas ideias do economista britânico John Maynard Keynes, morto em 1946.
Foi puro “populismo”, a tentação de ganhar eleições com base na expansão do gasto público e dos subsídios, segundo Velloso, defensor do equilíbrio fiscal. Masengloba contradições porque acaba por arruinar o Estado e congelar os preços públicos para conter a inflação, e produz uma explosão inflacionária no futuro, quando a correção se impõe, como ocorreu neste século na Argentina e no Brasil.
Os dois países adotaram políticas econômicas similares, no “modelo populista pró-consumo”, afirmou Velloso na publicação escrita juntamente com dois economistas argentinos e outro brasileiro, em 2014,Intervenção Estatal e Populismo, a Argentina no Início do Século 21, na qual se aponta a decadência do ciclo argentino.
A crise brasileira é de democracia, “o caso mais emblemático do impacto da crise política na economia”, discorda Melo, identificando um “círculo vicioso” entre esse processo interno, “a mudança dos ventos internacionais” com a crise financeira de 2008 e a retração dos investimentos privados.
No entanto, reconhece que a presidente Dilma cometeu um erro ao reduzir os impostos de alguns setores, porque o grande problema fiscal no Brasil é a injustiça tributária. “A carga é muito elevada para todos, mas não para o capital, os bancos e os ricos”, ressaltou a professora. Envolverde/IPS