Por Thalif Deen, da IPS –
Nações Unidas 14/7/2016 – Uma agrupação de mais de 25 organizações não governamentais lançou uma campanha mundial para erradicar o uso do mercúrio na odontologia, uma prática bastante difundida que coloca em risco a saúde e o ambiente.A campanha é liderada pela Aliança Mundial por uma Odontologia sem Mercúrio, com sede em Washington, que pretende erradicar até 2020 a amálgama dental, uma combinação de mercúrio e outros metais utilizada como material de obturação, considerada um elemento “contaminante primitivo”.
Os benefícios para a saúde ambiental seriam “enormes para o planeta”, segundo a Aliança Mundial. “O Comitê Científico da União Europeia (UE) qualifica a amálgama de envenenamento secundário, porque o mercúrio que contém vai para o pescado e as verduras que as crianças comem”, afirmou.
Uma proposta junto à Comissão Europeia defende o uso da amálgama dental de forma encapsulada junto com a aplicação de separadores, o que deveria ser obrigatório para proteger os dentistas e pacientes da exposição ao mercúrio e para garantir que seus restos não sejam liberados no ambiente.
A amálgama dental é “muito inferior aos materiais disponíveis atualmente”, afirmou o presidente da Aliança Mundial, o norte-americano Charles Brown. “Interesses empresariais ocidentais financiam a campanha contrária, para proteger as vendas de amálgamas, especialmente nos países em desenvolvimento”, acrescentou.
“Ao nosso favor está o Convênio de Minamata sobre o Mercúrio”, que tem a assinatura de 128 países, mas apenas 28 das 50 ratificações necessárias para ser juridicamente vinculante, explicou Brown. Esse convênio – que leva o nome da cidade japonesa onde, na década de 1950, centenas de moradores foram intoxicados com mercúrio, tem por objetivo reduzir ou erradicar o uso do metal. “Precisamos de um empurrão para superar a linha de meta”, indicou.
Além da Aliança Mundial, a campanha é apoiada pelo Escritório Europeu do Ambiente, Aliança para a Saúde e o Ambiente, Mulheres na Europa por um Futuro Comum, Academia Internacional de Medicina Oral e Toxicologia, Centro Asiático para a Saúde Ambiental, Associação Dinamarquesa para a Odontologia Não Tóxica, e Resíduos Zero Europa.
Em uma carta ao Parlamento Europeu, a campanha diz que, depois de longos atrasos, a Comissão Europeia realizou em fevereiro uma nova proposta referente ao mercúrio, que atualiza a legislação vigente da UE para se ajustar ao Convênio de Minamata, mas inclui uma proposta que perpetuaria o uso do metal na odontologia europeia.“Essa proposta está claramente fora de sintonia com o espírito e a intenção do tratado”, alerta a carta. A Convenção de Minamata exige que cada Estado parte “reduza gradualmente o uso da amálgama dental”, acrescenta.
O Comitê Ambiental da União Europeia pretende a eliminação gradual da amálgama na Europa até 2021.Mas a proposta da Comissão Europeia só inclui a exigência de separadores e amálgamas encapsuladas, duas medidas que não reduzem o uso do mercúrio. O problema do mercúrio dental “não se limita à Europa, embora a UE seja o maior usuário, em parte porque o cuidado dental, em geral, está mais disponível” no bloco, observou Brown.
Um informe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e do Programa de Vigilância e Avaliação do Ártico, afirma que a América do Norte também contribui para o problema.O documento aponta que, “embora o uso seja muito menor nos países em desenvolvimento nesse momento, espera-se que aumente na medida em que a atenção dental se generalizar, a não ser que impeçamos, ao garantir o uso de alternativas sem mercúrio”.
O Pnuma e a Aliança Mundial organizaram duas conferências internacionais a favor da odontologia sem mercúrio, uma para a África de fala francesa, realizada em abril de 2014 em Abdjã, e outra para a Ásia, realizada em março deste ano em Bangcoc.Segundo o Pnuma, o objetivo geral é proteger a saúde humana e o ambiente das emissões de mercúrio e seus compostos, para reduzir ao mínimo, ou quando for viável, erradicar a emissão do metal na atmosfera, na água e na terra.
O Pnuma redigiu um folheto para ajudar os países a reduzirem progressivamente o uso das amálgamas. A publicação recomenda sensibilizar a população sobre o conteúdo de mercúrio na amálgama dental e atualizar os planos de estudos para promover uma odontologia sem o metal. Também sugere modificar os planos públicos e de saúde para favorecer a obturação sem mercúrio e restringir o uso das amálgamas em crianças e grávidas.
Em suas tentativas de proteger a saúde humana e o ambiente do mercúrio, e em seu apoio à Convenção de Minamata, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) diz que uma gestão racional dos produtos químicos e seus dejetos é uma questão sustentável, inclusiva e resistente.O Pnud defende a integração das prioridades de gestão dos produtos químicos nos contextos nacionais de planejamento ambiental e redução da pobreza, enquanto ajuda os países a terem acesso a recursos financeiros e técnicos para melhorar essa gestão em nível nacional, regional e global.
Atualmente, o Pnud apoia 42 países, com uma carteira do Fundo para o Meio Ambiente Mundial destinada ao mercúrio, no valor de US$ 22 milhões em doações e 32 milhões em cofinanciamento. “Especificamente é o lobby odontológico que se opõe à proibição do mercúrio, muitos dentistas tendem a não tomar uma posição ou concordam conosco”, pontuou Brown.
Apesar de crescer a porcentagem dos que são a favor de erradicar o mercúrio de sua profissão, o setor favorável ao uso do mercúrio está representado pela Federação Dental Internacional e pelas associações de dentistas dos Estados Unidos, Canadá e Grã-Bretanha.Nos Estados Unidos, a quantidade de dentistas que não usa mercúrio nas obturações cresceu de 31,6%, em 2005, para 36,6%, em 2007, segundo pesquisa da associação de odontologistas do país. Envolverde/IPS