Internacional

Câncer dos desaparecidos impacta o México

No restaurante da Paróquia de San Gerardo, na cidade de Iguala, estão penduradas as fotos dos desaparecidos no Estado de Guerrero, no sudoeste do México. Foto: Daniela Pastrana/IPS
No restaurante da Paróquia de San Gerardo, na cidade de Iguala, estão penduradas as fotos dos desaparecidos no Estado de Guerrero, no sudoeste do México. Foto: Daniela Pastrana/IPS

Por Daniela Pastrana, da IPS – 

Iguala, México, 24/9/2015 – O restaurante da Paróquia de San Gerardo, no Estado mexicano de Guerrero, se converteu em um memorial do espanto. Longas filas de fotografias cobrem as paredes da galeria. São dezenas de rostos de pessoas ausentes, desaparecidas, raptadas e extraídas de suas vidas sem deixar rastro. Na maioria são pessoas do norte do Estado, o mais pobre do país e um dos mais assolados pela violência. A base de dados do comitê de busca soma 350 pessoas desaparecidas e a cada semana aumenta mais.

No último ano, esta paróquia de Iguala recebeu, toda terça-feira, famílias que perderam o medo de denunciar e buscar seus desaparecidos no cemitério clandestino descoberto nos montes que rodeiam esta cidade, depois do desaparecimento de 43 estudantes da escola de magistério rural de Ayotzinapa, no dia 26 de setembro de 2014.

Naquela noite, os estudantes foram atacados pela polícia municipal de Iguala – o que agora se sabe depois de uma árdua investigação de um grupo de especialistas designados pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos –, houve uma ação concertada entre diferentes forças do Estado, incluídos militares e federais, que durou várias horas e teve pelo menos nove cenários.

Os agentes municipais executaram cinco civis, entre eles dois estudantes; um terceiro foi torturado e seu corpo encontrado horas depois junto de um lixão. Foram levados presos outros 43 normalistas, que em sua maioria cursavam o primeiro ano do magistério.

Ao completar o primeiro aniversário desse ataque, no dia 26, só foram localizados um punhado de cinzas e dentro de um saco plástico, enquanto se investiga a provável descoberta de um segundo. Dos demais não há rastro.

O ataque aos estudantes destapou o esgoto da aliança entre políticos locais e grupos criminosos, e reviveu a dor dos 30 mil desaparecidos, segundo organizações de direitos humanos, deixados pela estratégia militar de segurança instaurada pelo presidente Felipe Calderón em janeiro de 2007, e deu visibilidade ao Movimento pela Paz, encabeçado pelo poeta Javier Sicilia.

Enrique Peña Nieto, na Presidência desde dezembro de 2012, manteve a política de segurança militar, mas seus efeitos ficaram visíveis por uma estratégia midiática que concentrou seus esforços em promover reformas constitucionais para abrir os setores de energia e telecomunicações à indústria privada. Só no primeiro ano do seu governo, investiu cerca de US$ 500 milhões em publicidade oficial, segundo um estudo conjunto do Centro de Análise e Pesquisa Fundar e da Artículo 19.

Mas a violência se manteve e, segundo uma investigação do jornal El Universal, publicada esta semana, as procuradorias registraram em 2014 mais de cinco mil desaparecidos. Ou seja, 14 por dia. Também destacam casos como o do Estado de Nuevo León, no norte, onde foram localizados 31 mil restos humanos entre 2011 e 2015, que levaram à identificação de 30 pessoas.

“A diferença é que agora as violações dos direitos humanos estão se voltando também contra defensores desses direitos e o movimento social organizado”, pontuou à IPS o ativista Héctor Cerezo, que documentou os desaparecimentos forçados de defensores e líderes sociais nos últimos quatro anos.

Durante o mandato de Nieto, “documentamos 81 defensores vítimas de desaparecimento forçado; no de Calderón foram 55. No total, são 136 defensores, de 2006 até hoje, que comprovadamente foram levados pelo Estado”, ressaltou Cerezo. “Pode parecer pouco em um universo de milhares de desaparecidos, mas indica um aumento nas estratégias de controle social por parte do Estado mexicano”, apontou o ativista.

O informe Defender os Direitos Humanos no México: A Repressão Política, Uma Prática Generalizada, apresentado no dia 27 de agosto pelo Comitê Cerezo México e pela Campanha Nacional Contra o Desaparecimento Forçado, documenta 860 violações de direitos humanos contra ativistas e lutadores sociais, entre junho de 2014 e maio deste ano.

O registro de violações inclui coletivos (47 organizações da sociedade civil e 35 comunidades) e um aumento de detenções arbitrárias, que quase duplicou. Entre elas estão as derivadas de um protesto de diaristas agrícolas no Estado da Baixa Califórnia, que trabalham em condições de escravidão, e as mobilizações de professores durante o processo eleitoral de junho nos Estados de Oaxaca e Guerrero, nas quais dois manifestantes foram assassinados.

Para Cerezo, o desaparecimento dos estudantes de Ayotzinapa se insere nessa estratégia de controle social. “Não se explicaria a brutalidade, a dimensão da agressão e que o governo tenha assumido tanto custo político somente por uma questão de drogas. É um desaparecimento ‘exemplar’ para o movimento dos direitos humanos e o movimento social”, enfatizou.

Em todo caso, o brutal ataque aos estudantes deixou evidente a gravidade da crise de direitos humanos no México. Investigações jornalísticas documentaram este ano pelo menos 80 execuções extrajudiciais cometidas pelo exército e pela Polícia Federal em três supostos combates com grupos do crime organizado, nos Estados de México e Michoacán. Em Iguala, as brigadas civis, que saíram em busca de seus familiares nos montes, localizaram 104 corpos em fossas clandestinas, embora apenas nove tenham sido identificados.

“Não é só em Ayotzinapa. Está assim em todo o país”, disse à IPS uma das brigadistas, Graciela Pérez, que busca sua filha desaparecida há três anos na zona sul de Tamaulipas (750 quilômetros ao norte de Iguala), onde ela sozinha documentou a localização de 50 fossas clandestinas entre janeiro e fevereiro deste ano.

A crise forçou uma visita ao local da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), solicitada por organizações de direitos humanos, que acontecerá entre os dias 28 deste mês e 2 de outubro. Além disso, no Congresso aguardam discussão quatro iniciativas para uma Lei Geral de Desaparecimento Forçado que permita tipificar o crime.

“O desaparecimento forçado de um grande grupo de pessoas, integrantes de um movimento social, é o primeiro de seu tipo no México contemporâneo”, diz o informe do Comitê Cerezo, se referindo ao desaparecimento dos estudantes. Os pais dos normalistas desaparecidos em Iguala iniciaram, no dia 23, jejum de 43 horas, um dia antes de serem recebidos pelo Presidente, enquanto para o dia 26 está convocada uma grande marcha na capital mexicana, pedindo o esclarecimento do caso. Envolverde/IPS