Internacional

Caravana pela paz de Honduras a Nova York

As paredes nas ruas de Tegucigalpa estampam cartazes exigindo justiça para a defensora ambientalista Berta Cáceres, assassinada no dia 3 deste mês em Honduras. Foto: Ximena Natera/Pie de Página
As paredes nas ruas de Tegucigalpa estampam cartazes exigindo justiça para a defensora ambientalista Berta Cáceres, assassinada no dia 3 deste mês em Honduras. Foto: Ximena Natera/Pie de Página

Por Ximena Naterae Daniela Pastrana, da IPS – 

Tegucigalpa, Honduras, 31/3/2016 – É domingo, dia 27. Dezenas de pessoas e defensores dos direitos humanos se dirigem à capital de Honduras para o início da Caravana pela Paz, a Vida e a Justiça, um longo percurso pela América, que buscará debater a política da guerra antidrogas impulsionada pelos Estados Unidos.O início da Caravana, que vai percorrer mais de cinco mil quilômetros até Nova York, coincidiu com o aniversário do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (Copinh), um dos grupos mais fortes de luta e resistência desse golpeado país.

O caminho até o local de início da marcha, em Honduras, estava repleto da reprodução do rosto de Berta Cáceres, uma líder indígena e ambientalista, defensora dos direitos humanos e fundadora do Copinh, que por seu trabalho foi assassinada em sua casa, no dia 3 deste mês. Por isso,o dia 27 foi tão especial. Porque no rosto de Berta, no aniversário do Copinh e no andar da Caravana está simbolizada a indignação dos cidadãos pela violência, e também a resistência de um povo que busca viver em paz.

Esse longo caminhar pela América, que pretende chegar a Nova York no dia 18 de abril, na véspera do início da Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas (Ungass) que, depois de 18 anos, voltará a discutir sobre a política de drogas. A Caravana busca abrir um diálogo entre a sociedade civil de Honduras, El Salvador, Guatemala, México e Estados Unidos, sobre a política de guerra contra as drogas, que deixou na região centenas de milhares de mortos, deslocados, detidos e desaparecidos.

Ted Lewis, da organização Global Exchange, que organizou essa caravana, espera que o movimento seja uma oportunidade sem precedentes para revisar e reorientar as políticas de drogas nacionais e o futuro do contexto internacional para o controle de drogas, em um momento em que nos Estados Unidos há um debate forte a respeito da justiça criminal e um reconhecimento da tese de Michelle Alexander sobre o New Jim Crow (legalizar a discriminação).

“É um momento muito importante e de fato estamos em contato com as duas campanhas (presidenciais) para convidar seus candidatos ao ato final”, ressaltou Lewis, que destacou que a Caravana também coincide com o início das primárias democratas.Também participam cerca de 30 ativistas de Honduras, El Salvador, Guatemala e México, o deputado SebastiánSabini, da Frente Ampla do Uruguai, que veio explicar as razões que levaram a legalizar o uso da maconha nesse país, como uma medida alternativa para enfrentar o narcotráfico e o consumo de drogas ilegal.

“A militarização e os aparelhos repressivos não nos levam a um lugar melhor. Há países que estão se dando conta de que não funciona”, pontuouSabini, alertando que o maior risco de que essa política se estenda na região é a narcopolítica.Honduras, país de oito milhões de habitantes e um dos mais pobres da América Latina, é a principal fonte de emigrantes da América Central para os Estados Unidos, porque o país não consegue se repor do desastre econômico deixado pelo furacão Mitch em 1998, nem dos efeitos políticos do golpe de Estado de junho de 2009, quando foi deposto Manuel Zelaya.

“Aqui estamos começando a ver coisas que já aconteceram no México”, apontou Thelma Mejía, experiente jornalista, se referindo à infiltração de narcotraficantes e grupos de poder e políticos. Mejía se referia ao caso dos Rosenthal. Em outubro de 2015, o Departamento do Tesouro norte-americano determinou Jaime Rosenthal (fundador e ex-vice-presidente do banco Continental e membro de uma das famílias mais poderosas de Honduras), seu filho Yani e seu sobrinho Yankeleram“traficantes de narcóticos especialmente designados”, segundo a Lei Kingpin, sendo a primeira vez que se coloca um banco fora dos Estados Unidos nesta categoria.

O problema em Honduras é uma mescla de poder criminoso, transtornos, gangues como as maras e de institucionalidade. Mas as pessoas em Honduras estão fartas e, acompanhando o exemplo de luta de Berta e outros líderes defensores dos direitos humanos, fazem com que a terra se mova.Em 2016, entrará em funcionamento a Missão de Apoio Contra a Corrupção e a Impunidade (MACIH) e será instalado o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas.

Além disso, funcionará a comissão para vigiar os fundos da Aliança para a Prosperidade, um acordo assinado entre Estados Unidos, Honduras, El Salvador e Guatemala, para impulsionar o desenvolvimento e frear a emigração.Talvez por todo esse movimento – de resistênciae violência –, a Caravana tenha começado em Honduras. Em sua passagem pelo país percorrerá La Ceiba, Progreso, San Pedro Sula – cidade mais violenta do continente –e Esperanza, reduto da resistência do povo lenca.

Carlos Sierra, hondurenho, integrante do Centro de Pesquisa e Promoção dos Direitos Humanos (Ciprodeh) e da Fundação Friedrich Ebert, enfatizou que o governo hondurenho está obrigado a dialogar com os grupos que não quer ouvir: os líderes ambientalistas, como Berta, indígenas e migrantes. “O fato de a Caravana começar aqui, além de dar visibilidade a todos os problemas, pode permitir que seja incluído o tema de que o que se fez na luta contra as drogas não foi bem feito”, afirmou.

Como parte do início da Caravana, foi realizado em Tegucigalpa um fórum de variadas organizações, onde falaram Sandra Maribel Sánchez, da Rádio Progreso, um espaço de apoio a migrantes. “Se não nos matam a tiros, nos matam de fome”, destacou. Como os demais participantes, Maribelconsidera que a guerra contra as drogas é uma política de Estado, uma guerra que por meio do terror e da militarização busca o controle territorial para ficar com os bens comuns.

Nesse fórum, ressoou a ideia de que a política antidrogas tem em suas entrelinhas a legalização do despojo do território.“Somos nós, os países do sul (dos Estados Unidos) que enterramos os mortos. Se não iniciarmos uma discussão sobre novas políticas antidrogas, ninguém o fará”, destacou o deputado uruguaio Sabini.Em algo estão de acordo os participantes dos países que formam a Caravana: a guerra contra as drogas se converteu em algum momento em uma guerra contra as pessoas. E aqui, em Honduras, as pessoas estão perdendo. Envolverde/IPS

*Este artigo foi publicado originalmente em Pie de Página (Pé de Página), um projeto da organização Periodistas de a Pie (Jornalistas a Pé), financiado pela Open SocietyFundations. A IPS – Inter Press Service tem um acordo especial com o projeto para a difusão de seu material.