Por Joaquín Roy*
Miami, Estados Unidos, setembro/2015 – A Declaração Unilateral de Independência (DUI), ameaça da aliança do venerável partido de Convergència (já despojado da democrata-cristã Unió Democràtica), soa linguisticamente conhecida em anglo-americano: Driving Under the Influence (DUI). Sendo detido conduzindo sob os efeitos (a “influência) de excessiva bebida ou substâncias entorpecentes, o culpado é castigado com um leque proporcional ao grau do delito: multa, apreensão da carteira de habilitação, pontos, detenção, prisão, etc. O DUI não é piada.
O processo desenvolvido até as eleições catalãs, no dia 27, era antevisto como uma espécie curiosa de DUI. Esteve impelido por uma paixão sem limites, executado com audácia e encarando alto risco.
Por um lado, o resultado é evidentemente positivo para a coalizão ganhadora, formada entre Convergència e Esquerra Republicana. Mas, por outro lado, cada um em separado recebeu menos votos do que nas eleições anteriores. A oposição contrária à independência reclama que o líder separatista Artur Mas e sua coalizão receberam aparentemente o mesmo número de votos que o “referendo” especial realizado no dia 9 de novembro de 2013: 1.800.000 votos.
Daí os analistas críticos se perguntarem sobre a justificativa de uma operação de tal calado, que causou tanto alarme, inclusive de repercussões internacionais.
A continuada queda de votos efetivos da Convergència foi mascarada desta vez pela aliança com a Esquerra Republicana. Assim escondeu muito eficazmente os escândalos de corrupção que afetaram o partido de Mas, entre eles a queda de seu ex-líder Jordi Pujol. Mas a deriva independentista pagou um alto preço com a destruição da Unió Democrática, cujos dejetos ficaram insolitamente sem uma só cadeira no novo Parlamento catalão.
O grande ganhador das eleições foi o Ciutadans. Desde há um punhado de anos, apenas um grupelho no contexto catalão, que se concentrava na reivindicação do castelhano como língua própria dos catalães, passou por um impressionante exercício de modernidade, juventude e atração de sua liderança, se convertendo na segunda força do Parlamento.
Inés Arrimadas, a jovem sem experiência colocada nessa posição por Albert Rivera, poderia se converter em chefe da oposição parlamentar, um espaço tradicionalmente reservado aos socialistas ou ao Partido Popular (PP).
O nítido perdedor deste especial exercício democrático foi o PP. O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, líder desse partido, deverá aprender a lição com vistas às eleições gerais de dezembro.
O PP respondeu à DUI com outra DUI (DrivingUnterInertia – condução por inércia). Diante das arriscadas manobras de Mas, Rajoy não soube mais contestar com artigos de leis. Não ofereceu uma única solução política.
Na Catalunha, o PP respondeu ao desafio da nova eleição com a defenestração de sua presidente, Alicia Sánchez Camacho, queimada no caos do partido e na queda em parafuso dos favores do eleitorado. A alternativa foi a nomeação do ex-prefeito de Badalona, Xavier García Albiol, com um currículo bem ganho de atitude anti-imigração e intolerância.
Por sua vez, o PartitdelsSocialistesCatalans (PSC) mal sobreviveu à sua autodestruição interna com a esfumação da antes muito eficaz coalizão de “espanholistas” e “catalanistas”, de intelectuais e trabalhadores.
Não foram melhor os restos dos então comunistas reciclados de Iniciativa-Verts, agora em coalizão com os similares do Podemos (cujo futuro está em dúvida) na Catalunha.
Uma série de incógnitas revoaram sobre o cenário pós-eleitoral. O que acontecerá com a coalizão para formar o governo, pois o “Juntspel si” não tem a necessária maioria absoluta de cadeiras? Qual será a fatia que a Esquerra vai querer para continuar colaborando com Mas?
Igual enigma desperta o papel do eleitoralmente número um das listas do “Juntspel si”, Raül Romeva, ex-membro do Parlamento Europeu, ex-militante da variante catalã do que na Europa agora se chama United Left, que engloba os comunistas reformados.
Qual será o preço da Candidatura de Unidade Popular (CUP) para dar os votos necessários à investidura de Mas, ou qualquer dos líderes colocados nos lugares mais altos da lista coletiva de “Juntspel si”?
Haverá tentações de acreditar que, depois de algumas negociações no final, nada acontecerá de substancial. O certo é que nada será o mesmo depois dessa escapada sob a influência do entusiasmo independentista. Mais ou menos metade do eleitorado efetivo não deixará se ser afetada.
Depende, então, de que o governo espanhol, liderado ou não pelo PP, ou uma coalizão, deixe a alternativa de seu especial DUI (inércia) e opte por uma estratégia inovadora de grande profundidade de reforma das instituições e de uma oferta à Catalunha que nenhum de seus líderes possa rechaçar. Não será fácil. Envolverde/IPS
* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami. [email protected]