Por Katherine Mackenzie, da IPS –
Roma, Itália, 4/2/2016 – Pelo menos 18.800 pessoas foram assassinadas no Iraque nos últimos dois anos e outras 36.345 ficaram feridas em episódios de violência explícita. Mas os dados esquecem dos que não sobreviveram à falta de alimentos básicos, água e cuidados médicos. Aproximadamente metade dessas mortes aconteceu em Bagdá. Os números, provavelmente subestimados, correspondem ao período entre 1º de janeiro de 2014 e 31 de outubro de 2015, segundo um informe da Missão de Assistência das Nações Unidas ao Iraque (Unami), e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnudh).
A Agência de Notícias dos Emirados Árabes Unidos (WAM) divulgou o editorial do jornal local The Gulf Today, que analisouo informe da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o Iraque e a instabilidade que sacode a região.“Os dados refletem o número de pessoas mortas e feridas pela violência explícita, mas ignora o fato de que muitas outras morrem por falta de acesso a alimentos básicos, água ou cuidados médicos”, afirmou o jornal emiratense no mês de janeiro.
“Cerca de 3,2 milhões de pessoas são refugiadas dentro de seu país desde o começo de 2014, quando o temido Estado Islâmico (EI) assumiu o controle de vastas áreas do país”, acrescentou oThe Gulf Today.“Como se sabe, terroristas do Estado Islâmico cometeram numerosos atos desumanos, como assassinatos, decapitações, destruição, além de queimar pessoas vivas e jogar outras do alto dos edifícios”, ressaltou o editorial.
“Crianças-soldado que tentaram fugir foram assassinadas sem piedade, enquanto era praticada violência sexual contra mulheres e menores, especialmente como escravas”, prosseguiu o The Gulf Today, acrescentando que,“segundo o informe da ONU, mais de 3.500 pessoas, principalmente mulheres e crianças, são escravas de combatentes do EI, que impõem sobre elas uma mão dura caracterizada por macabras execuções públicas”.
“Foram esses horrores que levaram numerosos iraquianos a fugirem para a Europa e outras regiões. A cidade de Ramadi foi considerada o primeiro grande êxito do exército iraquiano, apoiado pelos Estados Unidos, desde que caiu nas mãos do EI em seu avanço pelo norte e oeste do país, em meados de 2014”, lembrou oThe Gulf Today.
O editorial destacou que “erradicar os combatentes rebeldes e eliminar os explosivos da cidade poderia demorar semanas. A descoberta de mais civis do que o previsto entre os escombros, após os sobreviventes falarem sobre o esforço deliberado dos combatentes para empregá-los como escudos humanos, faz pensar que as batalhas que restam serão mais complicadas”.
“Ramadi, onde vivia quase meio milhão de pessoas, infelizmente sofreu uma destruição generalizada. Os desapiedados terroristas continuam matando, ferindo e forçando o deslocamento de milhares de civis iraquianos e criando um sofrimento interminável”, apontou o jornal, e enfatizou, em consonância com o informe da ONU, que “muitas das ações de combatentes do EI constituem crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio”. “Os responsáveis por esses atos devem ser processados e pagar por sua crueldade extrema”, argumentou.
Por sua vez, o documento das Nações Unidas afirma que “a violência suportada pela população civil no Iraque é incrível. O EI continua exercendo uma violência sistemática e generalizada e cometendo abusos contra o direito humanitário e humano internacional. Esses atos, em alguns casos, são crimes de guerra, contra a humanidade e possivelmente genocídio”.
O documento, preparado pela Unami e pelo Acnudh, foi realizado principalmente com base em testemunhos das vítimas. Algumas das pessoas eram sobreviventes e testemunhas de violações de direitos humanos. Entre elas havia muitos deslocados, vivendo fora de suas casas. “Enquanto o informe era preparado, o EI matou e sequestrou dezenas de civis, frequentemente de maneira dirigida”, aponta o documento.
“As vítimas são as pessoas consideradas opositoras à ideologia do EI, associadas ao governo, como as pertencentes às antigas forças de segurança iraquianas, policiais, funcionários públicos e da comissão eleitoral, profissionais como médicos e advogados, jornalistas e líderes tribais e religiosos”, detalha o documento.
O informe denuncia que “outras pessoas foram sequestradas ou assassinadas supostamente por ajudar ou fornecer informação às forças de segurança do governo. Muitas foram condenadas por tribunais criados pelo EI que, além de ordenar o assassinato de um incalculável número de pessoas, impuseram horríveis castigos como apedrejamento e amputações”.
A ONU também indicou que recebeu denúncias preocupantes sobre assassinatos extrajudiciais e sequestros cometidos por elementos vinculados às forças favoráveis ao governo.O alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, afirmou que o número de mortos provavelmente seja muito maior e pediu aos responsáveis medidas urgentes para deter esses atos.
“Mesmo os números obscenos são incapazes de refletir o terrível sofrimento que a população civil iraquianasuporta. Os números refletem as pessoas assassinadas ou feridas em episódios de violência direta, mas muitas outras morreram por falta de alimentos básicos, água e cuidados médicos”, destacou Al Hussein.
Segundo o alto comissário, “o informe deixa descoberto o prolongado sofrimento da população civil no Iraque e é um claro reflexo do que tentam deixar para trás os refugiados iraquianos que fogem para a Europa ou outras regiões. Esse é o horror do qual fogem em sua terra”.Por fim, Zeid apelou ao governo do Iraque para que realize reformas legislativas que concedam aos tribunais locais poderes para processar crimes internacionais e para aderir ao Estatuto de Roma, o instrumento que criou o Tribunal Penal Internacional. Envolverde/IPS