Por Diego Arguedas Ortiz, da IPS –
Enquanto a América Latina segue cortando suas florestas para expandir sua fronteira agrícola, um de seus países, a Costa Rica, há décadas rema em sentido contrário, e agora representa um modelo de convivência entre produção de alimentos e conservação de sua massa florestal.
São José, Costa Rica, 26/7/2016 – Enquanto a América Latina segue cortando suas florestas para expandir sua fronteira agrícola, um de seus países, a Costa Rica, há décadas rema em sentido contrário, e agora representa um modelo de convivência entre produção de alimentos e conservação de sua massa florestal. O informe sobre O Estado das Florestas do Mundo, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), revela que, entre 2000 e 2010, 70% do desmatamento da região aconteceu para dar lugar à agricultura comercial.
“Isso que a FAO menciona que ocorre em países latino-americanos, que desmatam para criar espaços destinados a cultivos agrícolas e à pecuária, a Costa Rica viveu nas décadas de 1970 e 1980”, explicou à IPS o diretor do Fundo Nacional de Financiamento Florestal (Fonafifo), Jorge Mario Rodríguez. Em seu ponto máximo de desmatamento, nos anos 1980, a cobertura florestal desse país centro-americano se limitou a apenas entre 21% e 25% de sua superfície. Agora, as florestas cobrem 53% dos 51.100 quilômetros quadrados da superfície.
E mais, o país,onde vivem cinco milhões de habitantes,conseguiu conter a fronteira agrícola enquanto elevava os níveis de segurança alimentar, segundo a FAO, que assinala que a Costa Rica mantém um nível de subalimentação menor que 5%, considerado “zero fome” por essa organização. “Aqui falamos que há uma lição aprendida: não é necessário desmatar para produzir mais alimentos”, explicou à IPS o diretor da FAO na Costa Rica, Octavio Ramírez.
Apesar do aumento na cobertura florestal, a FAO assinala que o valor médio da produção de alimentos por pessoa aumentou 26%, entre os períodos 1990-1992 e 2011-2013. E atribui a melhoria na cobertura vegetal “às mudanças estruturais realizadas na economia e à prioridade dada à conservação e gestão sustentável das florestas”, que se traduzem em uma conjuntura socioeconômica específica que as autoridades costa-riquenhas souberam aproveitar.
“Tem a ver um pouco com a crise da pecuária desses anos, mas também ao fato de o Estado dar prioridade ao manejo das florestas”, disse Ramírez, nascido na Nicarágua e com nacionalidade costa-riquenha. No informe, lançado no dia 18, a FAO explica que, durante grande parte do século 20, as florestas da Costa Rica eram consideradas “bancos de terra”, que podiam ser usados conforme a necessidade para atender as demandas agrícolas. “Era uma ação ruim não cortar a floresta. Era sinônimo de preguiça ou de não trabalhar a terra”, contou.
Mas, na década de 1980, dois fatores se aliaram a favor da proteção florestal, disse à IPS o economista ambiental Juan Robalino. Os preços da carne caíram e o turismo ecológico começou a encontrar espaço como uma atividade de peso no país, pontuou o especialista da Universidade da Costa Rica e do Centro Agronômico Tropical de Pesquisa e Ensino (Catie).
“Isso abriu possibilidades para gerar políticas interessantes, como o programa de Pagamento por Serviços Ambientais” (PSA), apontou Robalino, um dos acadêmicos que mais estudou a cobertura florestal costa-riquenha. O estudo da FAO atribui grande parte do êxito precisamente ao PSA, um reconhecimento financeiro pelos serviços ambientais gerados nas atividades de conservação e manejo de florestas, reflorestamento, regeneração natural e sistemas agroflorestais.
A essência desse programa e sob administração do Fanafifo, é simples: se um proprietário conserva a cobertura florestal em sua propriedade, o Estado lhe paga, sob o principio de reconhecer os serviços ecossistêmicos que as florestas proporcionam. Desde sua criação, em 1997, até 2015, os investimentos em projetos PSA chegaram a US$ 318 milhões. Seus fundos procedem em 64% dos impostos sobre os combustíveis fósseis e 22% de créditos do Banco Mundial.
Após estudar por anos o impacto do PSA, Robalino afirmou que, em 2016, o desafio é buscar proprietários com menores incentivos para proteger suas florestas e convencê-los com o reconhecimento financeiro. “A ideia sempre é ver quem vai mudar seu comportamento com o programa”, disse Robalino.
Pelas próprias limitações orçamentárias, o programa deve priorizar quais propriedades atende, pois os pedidos de inclusão são cinco vezes superiores à sua capacidade, segundo Rodríguez. Assim, foca-se nos serviços ecossistêmicos: captura de carbono, proteção da água, beleza natural e proteção da biodiversidade.
“Na Costa Rica aprendemos que a floresta vale mais, não pela madeira, mas pelos serviços ambientais que geram”, destacou Rodríguez. Agora, o Fonafifo busca aliar-se com o Ministério de Agricultura e Pecuária para começar um novo programa dirigido a pequenos proprietários que necessitarem de mais apoio técnico, um caminho que também é apontado pela FAO.
“O desenvolvimento agrícola para o mercado interno não requer necessariamente a expansão de áreas de cultivo, mas sim acoexistência com a floresta e a intensificaçãoda produção, melhorando a produtividade e a competitividade dos produtores nacionais”, ressaltou Ramírez.
Tanto a FAO como os especialistas locais ouvidos pela IPS concordam que o PSA aproveitou uma conjuntura nacional e internacional para lançar um projeto de sucesso, mas está longe de ser o único motivo. “O êxito da Costa Rica não se deve exclusivamente ao PSA, mas também a outras políticas, como o fortalecimento do Sistema Nacional de Áreas de Conservação, e também à educação”, segundo Rodríguez.
Além desse programa, o país conta com uma ampla tradição ambientalista: cerca de um quarto do território está protegido, a lei florestal proíbe a mudança do uso da terra com cobertura florestal e são ilegais a caça esportiva, a mineração de metais a céu aberto e a exploração de petróleo.No artigo 50 da Constituição da Costa Rica está plasmado o direito a um ambiente sadio. “Me lembro da professora do primário dizendo na aula que era preciso proteger as florestas”, recordou Robalino.
Entretanto, a recuperação da cobertura florestal não atingiu todos os ecossistemas do país, e deixou esquecidos particularmente os mangues, que viram diminuir sua extensão nas últimas décadas. Segundo o informe que o país enviou em 2014 ao Convênio sobre Diversidade Biológica, a cobertura de mangue passou de 64.452 hectares, em 1979, para 37.420, em 2013, redução de 42%.
Esse ecossistema é particularmente vulnerável às grandes plantações de monoculturas da costa do Pacífico, onde o Tribunal Ambiental Administrativo do país denunciou que,entre 2010 e 2014, desapareceram 400 hectares por queimadas, desmatamento e invasões. Envolverde/IPS