Internacional

Como Wall Street receberá papa Francisco?

Hazel Henderson. Foto: Cortesia da autora
Hazel Henderson. Foto: Cortesia da autora

Por Hazel Henderson*

St. Agustine, Estados Unidos, 21/9/2015 – Milhões de pessoas em Nova York esperam ansiosas a visita do papa Francisco, que no dia 25 falará na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). A visita papal acontece enquanto aumenta o consenso mundial sobre a necessidade de os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – que substituirão os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que vencem este ano – incluam a necessidade de realizar um desinvestimento em combustíveis fósseis para investir em energia limpa, eficiente e renovável.

Os investimentos privados na energia renovável chegam a US$ 6,22 trilhões em todo o mundo. Associações estudantis dos Estados Unidos conseguiram que mais de 30 fundos de investimento universitário deixassem de investir em empresas de combustíveis fósseis. Mais de 200 instituições fizeram o mesmo em todo o mundo, como nas cidades norte-americanas de Minneapolis e Seattle, a britânica Oxford e a neozelandesa Dunedin.

A Igreja Episcopal e a Igreja da Inglaterra pediram ao papa que indique esse desinvestimento a todos os grupos religiosos e cívicos. Líderes do Simpósio Islâmico sobre a Mudança Climática recomendaram este mês a 1,6 bilhão de muçulmanos que eliminem gradualmente o consumo de combustíveis fósseis até 2050.

A reação contrária de Wall Street, o centro financeiro dos Estados Unidos, foi acompanhada por algumas organizações católicas do país com investimentos milionários em energia fóssil, fracking e areias petrolíferas. A Conferência Episcopal dos Estados Unidos tem normas contra o investimento em aborto, anticoncepção, pornografia, tabaco e guerra, mas nada diz sobre as ações de energia.

Segundo a agência de notícias Reuters, as dioceses católicas de Boston, Baltimore, Toledo e grande parte do Estado de Minnesota têm milhões de dólares investidos em ações de empresas de petróleo e gás, entre 5% e 10% de suas posses totais. O arcebispo de Chicago, Blasé Cupich, nomeado pelo papa, vai considerar o investimento de US$ 100 milhões em combustíveis fósseis.

Uma pesquisa de gestores de ativos de Wall Street, realizada pelo Institucional Investor em julho, mostra que 77% preveem que continuará crescendo o movimento de desinvestimento em combustíveis fósseis. Entretanto, o presidente da companhia petroleira Exxon Mobil, Rex Tillerson, afirma que os modelos existentes sobre mudança climática “não são tão bons”, e que a empresa não tem planos de investir em energias renováveis. As petroleiras BG Group, BP, ENI, Shell, Statoil e Total enviaram, em junho, uma carta aberta à ONU para pedir aos governos do mundo que acelerem os planos de fixação de preços do carbono, uma medida que tem a seu favor a maioria dos economistas.

O movimento de investimento ético compreende um sexto de todas as ações de Wall Street, enquanto instituições signatárias dos Princípios de Investimento Responsável da ONU administram US$ 59 bilhões. Uma pesquisa recente do CFA Institute revela que quase 75% dos profissionais investidores utilizam informação ambiental, social e de governança em suas decisões de investimento.

Nesse contexto, Timothy Smith, fundador do Conselho Inter-Religioso de Responsabilidade Corporativa (ICCR) e vice-presidente da administradora de investimentos Walden Asset Management, afirmou que a “visita do papa, na esteira de sua encíclica profética sobre o clima, é um chamado a reforçar os esforços para combater a mudança climática com ações concretas. Não é tarefa do papa apresentar um plano específico para os norte-americanos. Esse é o nosso trabalho”.

Por intermédio do ICCR, os investidores religiosos trabalham nesses temas há 20 anos. Empresas como a Walden, Ceres e outras se somaram à luta contra a mudança climática, pela promoção da eficiência e dos recursos renováveis. Muitos financistas ainda se consideram os “donos do universo”, já que controlam movimentos de capital, a maioria dos investimentos, fundos de pensões, influenciam nas políticas monetárias e financiam acadêmicos e centros de pesquisa.

A recente flutuação dos mercados de valores mostrou, novamente, sua fragilidade e a crescente turbulência e volatilidade que provocam os algoritmos informáticos que regem mais da metade da atividade financeira. As fundações suportam essa situação, enquanto os pequenos investidores fogem. A arrecadação de fundos crowdfunding, os empréstimos entre pares, as criptomoedas, as cooperativas de crédito e as cooperativas estão crescendo, junto com empresas híbridas como Airbnb, Uber, Lyft, Task Rabbit e os mercados de agricultura, os sites de troca de ferramentas, roupas e acessórios de segunda mão.

Muitos tentam reformar o capitalismo com mudanças em sua cultura de ganho no curto prazo e com operações especulativas. A investigação da ONU sobre o desenho de um sistema financeiro sustentável apresentará seu informe à Assembleia Geral no dia 25, com dados sobre práticas atuais em todo o mundo e possíveis reformas. A maior ameaça é a fragilidade das estruturas de automação, os algoritmos e a inteligência artificial do mercado mundial, que financistas ainda acreditam que podem controlar.

Porém, os computadores podem administrar os mercados financeiros de modo mais eficiente do que os humanos, fazendo com que os corretores das bolsas sejam redundantes, já que reduzem o abuso da informação privilegiada, a especulação, a fixação de taxas de juros, e a cobiça e a corrupção que hoje estão generalizadas. O maior desafio do capitalismo é sua dependência do vai e vem dos sistemas monetários e das moedas nacionais. Envolverde/IPS

* Hazel Henderson é autora de Mapping the Global Transition to the Solar Age e outros livros, e presidente da Ethical Markets Media (Estados Unidos e Brasil). As opiniões expressadas neste artigo são de responsabilidade da autora e não representam necessariamente as da IPS – Inter Press Service, nem podem ser atribuídas a ela.