Internacional

Conferência de paz é esperança na Síria

Uma mãe e seu filho perto de Ma'arat Al-Numan, uma área rebelde da Síria. Foto: Shelly Kittleson/IPS
Uma mãe e seu filho perto de Ma’arat Al-Numan, uma área rebelde da Síria. Foto: Shelly Kittleson/IPS

Por Joris Leverink*

Istambul, Turquia, 18/12/2015 – As gestões para encontrar uma solução política para a guerra civil na Síria, que começou em março de 2011, continuam. Na última semana, diferentes grupos opositores ao governo de Bashar al Assad organizaram três conferências com esse objetivo. Elas aconteceram em Damasco, capital síria, Derik (cidade do norte controlada pelos curdos da Síria) e Riad, capital da Arábia Saudita.

A reunião de Damasco foi considerada, em geral, uma farsa, pois foi organizada com autorização e sob firme controle do governo de Assad, enquanto a imprensa internacional praticamente ignorou a conferência de Derik, já que os olhos do mundo estavam fixo no encontro de Riad.

A conferência na capital saudita foi patrocinada por vários aliados internacionais das diversas facções que se enfrentam na Síria. O resultado que buscavam era unir a oposição síria para que sejapossível apresentar uma frente comum nas próximas negociações com o governo, segundo o determinado pelas conversações de Viena, realizadas em novembro.

A reunião de Derik – denominada Congresso por uma Síria democrática – foi organizada por grupos curdos sírios e seus aliados e teve mais de uma centena de delegados representando grupos religiosos e étnicos de todo o país, com um importante papel reservado às mulheres e às organizações juvenis.Esta foi a primeira conferência de paz de seu tipo realizada em território controlado pela oposição dentro da Síria, o destaca sua importância. Em contraste com a reunião de Riad, foi um encontro organizado por sírios e para sírios, não controlado pelos interesses de poderosos aliados internacionais, nem obstruído pelas opiniões dogmáticas de alguns de seus participantes.

Em Riad estiveram presentes órgãos políticos, como a Coalizão Nacional pelas Forças Sírias Revolucionárias e da Oposição e o Comitê Nacional de Coordenação para a Mudança Democrática, bem como por facções rebeldes como Jaysh al Islam, Frente Sul e Ahrar al Sham um grupo salafista que combate em aliança com a Frente Al Nusra, vinculada à rede extremista Al Qaeda.

De maneira reveladora, o jornal norte-americano The New York Times informou que, na declaração final da conferência de Riad, a palavra “democracia” foi excluída devido às objeções dos delegados islâmicos, sendo substituída por “mecanismo democrático”. Por outro lado, a resolução apresentada pela reunião de Derik destaca o compromisso dos delegados com a democracia, o pluralismo social e a unidade nacional.

Essa conferência confirmou a vontade dos participantes de “formar uma constituição democrática, que permita soluções para a crise síria por meio da discussão democrática e pacífica, do diálogo e das conversações, de celebrar eleições livres e democráticas como requer o processo atual na Síria, e de assegurar a fé, a cultura, e as identidades de todo o povo sírio”.

Em Derik também foi criada a Assembleia Democrática Síria, que será a representação política das recentemente formadas Forças Democráticas Sírias (SDF). Estas, por sua vez, formam uma coalizão de facções rebeldes dominada pelos curdos, que inclui forças árabes, siríacas, turcomanas e jezidies. Nos últimos meses, as SDF foram o maior inimigo do extremista Estado Islâmico (EI), e também o aliado mais confiável da coalizão internacional que luta contra essa organização.

Por esse motivo, surpreende que nem as SDF nem nenhuma outra organização curda fosse convidada para a conferência de Riad. Como se trata de uma facção que controla uma área muito maior do que a dominada pela Coalizão Nacional (ou a de qualquer outro grupo rebelde) e que teve uma série de vitórias contra o EI, é natural que tenha um lugar em qualquer plano futuro da Síria posterior a Assad e ao Estado Islâmico.

A ausência dos curdos em Riad tem muito a ver com a posição da Turquia no conflito sírio. Da perspectiva de Ancara, os curdos na Síria representam maior ameaça para sua segurança nacional do que o radical EI. A Turquia teme que o estabelecimento de comunidades autônomas, ou “cantões”, nas partes curdas do norte da Síria inspirem sua própria população curda a buscar um objetivo semelhante.

O fato de o Partido da União Democrática (PYD), que é o órgão político mais poderoso da região, ser uma organização irmã do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que há 35 anos enfrenta o Estado turco, só faz jogar sal na ferida.Ao comentar sobre a conferência de Riad, o copresidente do PYD, Saleh Moslem, afirmou que “não leva em conta a realidade política e militar atual na Síria e região, já que os atores e representantes mais ativos e dinâmicos da oposição síria real não foram convidados. Nessas circunstâncias, essas reuniões não teriam seriedade alguma”.

Antes mesmo de começar, a aliança precária formada em Riad já estava à beira do colapso. Ahrar al Sham ameaçou se retirar das conversações, condenou a presença de “forças de Assad” e considerou que a declaração final “não foi suficientemente islâmica”.A meta de reunir as diferentes facções da oposição em volta de uma mesa para explorar o terreno comum e formar uma frente unida contra Assad é nobre. Infelizmente, está condenada ao fracasso se a aliança se negar a refletir a realidade, bem como a vontade do povo sírio.

Toda aliança que for mero resultado de elementos externos que defendem seus interesses com fins pessoais – seja para fortalecer a posição dos aliados locais, obstruir os esforços da administração autônoma curda ou explorar as opções de negociações com Assad para dedicar toda a energia à destruição do EI – será muito fraca para resistir à prova do tempo, sem se falar da prova da guerra.

Nesse sentido, apesar da indiferença internacional, a conferência de Derik poderia superar a de Riad em termos de importância. Apesar da crescente participação de forças externas no âmbito diplomático, político e militar, toda solução real para a crise na Síria deve começar pelo povo sírio, e não por um poder externo.

O Congresso por uma Síria Democrática demonstrou em Derik que não existe só a vontade de trabalhar pela paz, mas que também existe uma infraestrutura, uma plataforma, na qual foram dados os primeiros passos cautelosos para um futuro em paz e um “sistema democrático alternativo com o objetivo da mudança”. Envolverde/IPS

*Joris Leverink é escritor e analista político radicado em Istambul e também editor da revista ROAR e colunista da TeleSUR English.