Internacional

Controvérsias sobre mega-hidrelétricas

O lago de Gires na Passagem de Nufenen, na Suíça. Foto: Ray Smith/IPS
O lago de Gires na Passagem de Nufenen, na Suíça. Foto: Ray Smith/IPS

por Lyndal Rowlands, da IPS –

Nações Unidas, 7 /6/2016 – As megarrepresas podem ter impacto devastador sobre os ecossistemas e as comunidades indígenas, mas continuam sendo a alternativa escolhida por alguns países pobres para cobrir suas necessidades energéticas. Um desses casos é a represa de Inga III, na República Democrática do Congo (RDC), parte do projeto Inga, que será o maior do mundo, quase o dobro das chinesas Três Gargantas.

Em março de 2014, o Banco Mundial concedeu ao projeto US$ 73 milhões para realizar a avaliação de impacto ambiental e social, mas dois anos depois ainda não começou. A organização International Rivers agora teme que se apresse a construção do projeto. Segundo essa entidade, o diretor do Projeto Grande Inga anunciou que o início das obras está marcado para começo de 2017, tenham, ou não, sido feitos os estudos de avaliação de impacto.

O Banco Mundial informou à IPS que “continua o diálogo com o governo da RDC sobre os acordos para a implantação do projeto Inga III, a fim de garantir que a iniciativa siga as boas práticas internacionais nessa área”. O diretor executivo interino da International Rivers, Peter Bosshard, considera que os antecedentes desse país em matéria de implantação de megaprojetos, incluindo Inga I e Inga II – que, segundo ele, são as causas principais de uma crise de dívida na RDC – são um fracasso.

Esse país da África Ocidental se considera afetado pela chamada maldição dos recursos, por seu elevado grau de pobreza e de conflitos, apesar de sua abundância de recursos naturais. A International Rivers também acredita que o projeto Inga III não necessariamente beneficiará a população da RDC, da qual 90% não tem acesso a eletricidade, mas vai gerar energia para os mercados de exportação e a mineração.

Ingá III não é a única megarrepresa polêmica. Esses projetos podem oferecer uma quantidade significativa de energia, mas também encontram uma grande resistência nos países em desenvolvimento, especialmente das comunidades indígenas, cujas terras costumam sofrer um impacto desproporcional em relação aos seus benefícios. Além disso, as pessoas contrárias a esses projetos costumam pagar com suas vidas seu ativismo, como ocorreu com a indígena hondurenha Berta Cáceres, cujos protestos contra o projeto hidrelétrico Água Zarca custaram sua vida no começo deste ano.

As represas não tiveram apenas impactos ambientais negativos sobre rios e florestas, mas também colocaram em risco vários grupos indígenas. Manu Ampim, diretor do projeto Salvem a Nubia (região situada no vale do rio Nilo, partilhada por Egito e Sudão), apontou à IPS que “uma série de projetos hidrelétricos no Sudão devastou, e continua devastando, numerosos grupos”, como as comunidades amri, manasir e nubia.

As consequências da represa para os núbios são particularmente preocupantes, porque pertencem a “uma das civilizações mais significativas do vale do rio Nilo, por ser uma cultura milenar”, destacou Ampim. É necessária uma pressão internacional sobre o governo sudanês para “mudar os planos e usar fontes de energia mais eficientes, limpas e menos destrutivas, como solar, eólica e microrrepresas”, acrescentou.

Os projetos eólicos e solares são cada vez mais significativos quanto à sua capacidade, mas Angus McCrone, editor responsável do Bloomberg New Energy Finance, pontuou à IPS que os atuais e futuros projetos hidrelétricos ainda têm um papel a desempenhar para cobrir a demanda energética. “Muitos países em desenvolvimento querem as duas alternativas, as grandes hidrelétricas, se têm recursos para isso, e também a eólica e a solar.

Porém, a sustentabilidade das hidrelétricas é variável, disse McCrone. “Olhando do ponto de vista da sustentabilidade, alguns projetos hidrelétricos têm bons registros e outros não, e há alguns grandes projetos fortemente criticados porque liberam metano, porque prejudicam a biodiversidade, ou porque são motivo de tensão internacional entre os países, por represarem rios na parte superior de seu curso”, explicou.

O editor também disse que as alternativas eólica e solar têm “vantagens de rapidez”, o que as torna “muito atraentes para os  países em desenvolvimento com necessidades energéticas em rápido crescimento. A sustentabilidade é uma variável dos megaprojetos hidrelétricos pelas quais o Bloomberg New Energy Finance não as inclui em seus informes anuais sobre tendências em energias renováveis, mas McCrone afirmou que há monitoramentos que garantem que são iniciativas sustentáveis.

“Quando os bancos de desenvolvimento emprestam dinheiro para projetos de energia renovável passam por um processo de decisão sobre grandes hidrelétricas e na prática apoiam alguns projetos e outros não”, explicou o editor. Por sua vez, Bosshard, embora não se oponha a todos os projetos hidrelétricos, observou que se costuma subestimar suas graves consequências.

“Se é possível construir um projeto de 4.800 megawatts deslocando poucas pessoas e possivelmente com impactos ambientais limitados, em princípio não nos opomos”, afirmou. Entretanto, acrescentou, “obviamente Inga III acontece em um país com vasta experiência em construir megaprojetos que fracassaram”. Bosshard assinalou que as últimas inovações em tecnologia eólica e solar as tornaram alternativas muito mais viáveis do que os grandes projetos hidrelétricos.

“Em um momento em que as fontes solar e eólica crescem em termos econômicos e podem sem construídas em um ou dois anos, por que esperar dez para uma nova hidrelétrica?”, questionou Bosshard. “As alternativas eólica e solar já não são as irmãs mais novas da hidrelétrica e se tornaram realmente importantes, e é uma lástima que o Banco Mundial não tenha se dado conta de que já passou a época dos grandes megaprojetos”, enfatizou. Envolverde/IPS