Internacional

Costa Rica volta a permitir fecundação in vitro

Audiência do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos para dar seguimento ao cumprimento de sua sentença condenatória contra a Costa Rica por proibir a técnica de fertilização in vitro. Foto: CorteIDH
Audiência do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos para dar seguimento ao cumprimento de sua sentença condenatória contra a Costa Rica por proibir a técnica de fertilização in vitro. Foto: CorteIDH

Por Diego Arguedas Ortiz, da IPS – 

São José, Costa Rica, 15/9/2015 – Após 15 anos de proibição e mais de dois de desacato a uma sentença do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos (CorteIDH), finalmente a Costa Rica volta a permitir a técnica de fecundação in vidro para casais e mulheres sozinhas que a solicitarem. Os setores conservadores forçaram essa restrição única no mundo aos direitos reprodutivos, que no dia 10 foi interrompida por um decreto do centro-esquerdista presidente Luis Guillermo Solís, destinado a cumprir a decisão do Tribunal e superar obstáculos para executá-la, que foram impulsionados pelos poderes judicial e legislativo.

“Isso era uma discriminação. A proibição era o fim para quem não tinha recursos para fazer o procedimento fora do país, ou para os que não estavam dispostos a hipotecar sua casa ou pedir empréstimos para poder concretizar esse desejo”, explicou à IPS o advogado Hubert May, que assistiu alguns dos 12 casais que entraram com o processo contra o país no Tribunal.

Em novembro de 2102, a CorteIDH condenou a Costa Rica pela proibição do uso da técnica de fecundação in vitro (FIV) e ordenou o governo a habilitá-la no prazo de seis meses, mas a oposição de setores conservadores atrasou o cumprimento da sentença e empanou a imagem do país em matéria de direito internacional.

O decreto assinado por Solís regulamenta a técnica e encomenda sua execução ao sistema de saúde pública, garantindo, assim, o acesso a ela pelos que têm menos recursos. May considera que o decreto “vem resolver a discriminação”, pois abre caminho para que a estatal Caixa Costarriquenha do Seguro Social (CCSS) ofereça esse método reprodutivo em seus serviços regulares.

A FIV é uma técnica de reprodução assistida em que os óvulos de uma mulher são removidos de seus ovários e fertilizados com esperma em um procedimento de laboratório. Depois, o óvulo fecundado é devolvido ao útero da mulher. Em sua sentença de 2012, a CorteIDH afirma que “a Costa Rica é o único país no mundo que proíbe de maneira expressa a FIV”, o que prejudica diretamente as mulheres e os casais locais. Na América Latina, esse procedimento foi realizado pela primeira vez em 1984, na Argentina.

Uma das afetadas é Grettel Artavia Murillo, que, junto com seu esposo na época, contraiu várias dívidas para tratar sua infertilidade, no final da década de 1990. Na CorteIDH seu ex-marido, Miguel Mejías, afirmou que ele “já havia hipotecado sua casa, gasto todas as economias que tinha para poderem realizar a fertilização in vitro na Costa Rica”, mas, antes de poder realizá-la, a técnica foi declarada ilegal no país.

A FIV foi regulamentada na Costa Rica em 1995 e funcionou durante cinco anos, sendo proibida em março de 2000, quando a Sala Constitucional invalidou a lei que a regulava. Cinco dos sete magistrados deste órgão do Supremo Tribunal de Justiça argumentaram que essa lei violava a vida porque, “quando concebida, uma pessoa é uma pessoa e estamos diante de um ser vivo, com direito a ser protegido pelo ordenamento jurídico”.

Diante dessa proibição, Artavia e Mejía, junto com outros 11 casais, apresentaram em 2001 o caso na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que depois de uma década chegou à CoprteIDH. Os dois órgãos compõem o sistema autônomo de direitos humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Um ano depois, o Tribunal, cuja sede fica em São José e cujas sentenças são inapeláveis e teoricamente de cumprimento obrigatório, deu razão aos demandantes.

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“Essa visão (da Sala Constitucional) não foi compartilhada pela CorteIDH, que considerou que a proteção à vida começa com a implantação do óvulo fecundado no útero”, pontuou May. Além disso, culpou o Estado por vulnerar direitos como os da vida privada e familiar, a integridade pessoal, a saúde sexual, a não discriminação e o acesso ao progresso tecnológico.

Para esse advogado e outros especialistas, a posição do máximo tribunal costa-riquenho responde à visão extremamente conservadora da hierarquia da Igreja Católica e de outras religiões cristãs de crescente peso no país. Essa nação centro-americana de 4,7 milhões de habitantes gosta de se definir como defensora dos direitos humanos em fóruns internacionais, mas o tema da fecundação in vitro ofuscou essa imagem, ao ser tomado como bandeira por esses setores conservadores.

A discussão na Assembleia Legislativa para regular a FIV mediante uma lei ficou travada por mais de dois anos, diante da oposição de deputados evangélicos e conservadores. No dia 3 deste mês, a CorteIDH realizou uma audiência pública sobre o cumprimento de sua sentença, na qual o Executivo falou de sua vontade de normalizar a situação por meio de decreto, o que as organizações da sociedade civil veem como uma saída razoável diante da inviabilidade de resolver a questão por meio de uma lei.

“Sabemos que na Assembleia Legislativa não há como avançar em temas cruciais, praticamente tudo o que é direito sexual e reprodutivo”, ressaltou à IPS a advogada Larissa Arroyo, especializada nesses direitos. Ela recordou que, em um tema como a FIV, o tempo é vital, já que os anos férteis das mulheres acabam cedo, e acrescentou que “praticamente todas as vítimas perderam a chance” de terem filhos por meio dessa técnica.

Durante a semana que transcorreu entre a audiência de cumprimento e a assinatura do decreto, o governo consultou o Colégio de Médicos da Costa Rica e a CCSS. Ambos avaliaram a fundo o decreto, mas a segunda afirmou que preferiria uma lei e alertou que serão necessários recursos adicionais, porque cada tratamento custa cerca de US$ 40 mil. O decreto limita a um máximo de dois óvulos fecundados que podem ser implantados na mulher.

Nesse mesmo período, a discussão legislativa se complicou ainda mais. Enquanto um grupo de legisladores tentava agilizar a aprovação da lei reguladora da FIV, outro insistia em condenar essa técnica, por “atentar contra a vida” dos não nascidos, com considerações que comparavam o método com o holocausto de judeus pelo nazismo. “Os grandes campos de extermínio passaram da Alemanha nazista para a Costa Rica na qual vivemos hoje, sob a administração Solís”, chegou a afirmar o deputado evangélico Gonzalo Ramírez, do conservador Partido Renovação Costa-Riquenha.

Diante desse cenário e da impossibilidade de avanço no legislativo, organizações, como o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), celebraram o fato de o decreto permitir um “acesso universal” no país e um “respeito pelo princípio de igualdade”. Mas sua diretora para América Central e México, Marcia Aguiluz, recomendou esperar até ver o cumprimento do decreto. “O decreto cumpre o padrão, mas é apenas um primeiro passo. Até que a prática comece a ser desenvolvida, não podemos dizer que há cumprimento”, acrescentou.

Advogados da Presidência asseguraram que o texto está garantido juridicamente contra eventuais impugnações. A sentença da CorteIDH representa a segunda decisão contra a Costa Rica na história deste Tribunal. A outra é de 2004, por castigar penalmente o jornalista Mauricio Herrera, e o país teve que promulgar nova legislação em matéria de liberdade de expressão após a sentença. Envolverde/IPS