Internacional

Crianças se tornam despojo de guerra

Crianças-soldados recrutadas pela Al Shabaab agora sob cuidados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) após serem capturados pelas forças da Missão da União Africana na Somália (Amisom). Foto: Tobin Jones/ONU
Crianças-soldados recrutadas pela Al Shabaab agora sob cuidados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) após serem capturados pelas forças da Missão da União Africana na Somália (Amisom). Foto: Tobin Jones/ONU

Por Beatriz Ciordia, IPS – 

Nações Unidas e Adis Abeba, Somália, 20/7/2015 – Desde a Somália, passando pela Palestina, até a Ucrânia, as guerras submetem milhões de meninas e meninos ao risco de abusos. Os números falam por si só: mais de 300 mil crianças são exploradas como soldados em conflitos armados e seis milhões sofreram ferimentos graves ou ficaram incapacitadas de forma permanente, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Também se estima que 20 milhões de crianças estão refugiados em países vizinhos ou foram deslocados em seus próprios países devido a conflitos e violações de direitos humanos. Além disso, o último informe do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, divulgado no dia 5 de junho, mostra que em muitos países a situação da infância piora, em lugar de melhorar.

“Ainda há espaço na luta individual para fortalecer as salvaguardas de prevenção da violação dos direitos da infância”, disse à IPS Dragica Mikavida, da rede Watchlist, que reúne organizações não governamentais. “Por exemplo, a Watchlist pressiona o Departamento de Operações de Manutenção da Paz da ONU para que crie uma política que impeça os países que integram uma ‘lista da vergonha’ do secretário-geral forneçam soldados para as forças de paz em terceiros países”, acrescentou.

Jo Becker, diretora de direitos da infância da organização Human Rights Watch, concorda que a ONU pode ajudar de muitas formas a melhorar a proteção de menores em conflitos armados. “Quando os governos ou os grupos armados se negam a aceitar essas medidas e continuam cometendo abusos, o Conselho de Segurança pode ser muito mais agressivo na hora de impor sanções como embargos de armas ou proibições de viagens e congelamento de ativos contra os líderes desses grupos”, ponderou à IPS. “O Conselho de Segurança também deve enviar o caso ao Tribunal Penal Internacional para investigação e possível processo”, acrescentou.

O ano passado foi um dos piores para os menores afetados pelos conflitos armados, devido ao alarmante aumento de sequestros, especialmente em massa, de meninas, meninos e adultos na Nigéria, Síria, Iraque e Sudão do Sul. Além dos sequestros, milhares de crianças foram assassinadas em 2014 em diferentes partes do mundo.

No Iraque, 2014 foi o ano que deixou mais crianças mortas desde que a ONU começou a documentar de forma sistemática as violações contra menores, em 2008, com quase 700 crianças assassinadas e cerca de 1.300 sequestradas, e esses são apenas os casos registrados. Além disso, na Palestina, o número de menores assassinados pelas forças israelenses disparou para 557, mais do que os que morreram durante as duas operações anteriores somadas.

Para redobrar a luta contra a violência, o Conselho de Segurança adotou por unanimidade, no dia 18 de junho, a resolução 2225, que fortalece a mobilização da comunidade internacional em apoio aos menores em conflitos armados e condena seu sequestro. A resolução, apresentada pela Malásia e patrocinada por 56 Estados membros da ONU, acrescenta o sequestro como a quinta violação que pode colocar uma parte em conflito na “lista da vergonha” do secretário-geral.

Esta lista ajuda em um maior monitoramento dos sequestros e garante que as partes responsáveis fiquem incluídas. Uma vez na lista, a ONU pode envolver os listados em negociações sobre planos de ação para impedir essa e outras violações. A grande maioria dos sequestros é cometida por grupos não estatais, como as organizações insurgentes Boko Haram e Estado Islâmico (EI), que consideram o sequestro em massa de menores um símbolo de êxito.

Elevar o perfil do sequestro de crianças ao mais alto nível, como em uma resolução do Conselho de Segurança, também confere aos que trabalham na proteção da infância uma capacidade maior para cobrar respostas em torno dessa violação atroz. Mas, como disse a diretora-executiva adjunta do Unicef, Yoka Brandt, o sequestro costuma ser a primeira de uma série de graves violações, seguido de violência e violação sexual, doutrinamento, recrutamento de crianças-soldado e assassinatos.

“Cada atentado deteriora a criança, rouba sua infância e ameaça sua capacidade de levar uma vida plena e produtiva”, ressaltou Brandt em um debate sobre Infância e Conflitos Armados, realizado no Conselho de Segurança, no dia 18 de junho. Também destacou a importância de oferecer apoio aos menores após serem libertados do cativeiro, fundamental para que possam desenvolver uma “vida normal”. “Esses meninos e meninas são vítimas e devem ser tratados como tal. Suportam inevitavelmente ferimentos físicos e carregam cicatrizes psicológicas”, enfatizou.

A criação de consciência continua sendo um ponto fundamental na luta contra a brutalidade sofrida pelos menores em situações de conflito armado. As redes sociais são uma ferramenta valiosa para aumentar o perfil público das atrocidades cometidas contra crianças, especialmente sequestro em massa em contextos como os de Nigéria, Síria e Iraque.

Para Mikavica, “essas redes sociais contribuíram com os debates internos da ONU sobre sequestros de menores, pois o mundo não pode fechar os olhos ao que aconteceu no passado. Tudo isso derivou em medidas concretas do Conselho de Segurança no último debate aberto”. Becker recordou que as redes sociais foram excepcionalmente feitas para conscientizar sobre os sequestros em massa de crianças cometidos pelo Boko Haram. Mas insistiu que elas são apenas uma ferramenta, não substitutas da ação, que continua sendo o verdadeiro desafio para a ONU e outras organizações internacionais. Envolverde/IPS