por Baher Kamal, da IPS –
Roma, Itália, 10/6/2016 – Para as organizações civis e defensoras dos direitos humanos, as grandes corporações costumam ser sinônimos de “más notícias” por seu objetivo de conseguir o máximo de lucro. Mas, em um contexto de grave crise humanitária e de carência de fundos, surgem alianças impensáveis em outros tempos. Neste momento em que o mundo registra uma das maiores crises humanitárias desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o setor privado aparece como um ator fundamental com possibilidades de se converter em um importante doador.
A Organização das Nações Unidas (ONU) não está conseguindo suprir sua missão devido à falta de fundos procedentes dos grandes doadores tradicionais. Quando a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) se vê desesperada para conseguir dinheiro a fim de ajudar 60 milhões de refugiados em diferentes partes do mundo e em número que só cresce, a grande corporação de móveis pré-fabricados Ikea se tornou sua maior doadora privada, por intermédio de sua fundação, com 150 milhões de euros (US$ 170 milhões) entregues nos últimos cinco anos.
A fundação também passou a ser a maior doadora privada do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). No dia 22 de março, por ocasião do Dia Mundial da Água, a Fundação Ikea anunciou uma nova doação de mais de US$ 14 milhões para a water.org poder ampliar seus projetos destinados a fornecer água e saneamento a um milhão de pessoas na Índia e na Indonésia.
Ao explicar o trabalho da Fundação, seu diretor executivo, Per Heggenes disse que, “antes de tudo, não há nenhum conflito entre fazer dinheiro e fazer o bem”. “Se olhar o Grupo Ikea, verá que nos preocupa muito a responsabilidade social e ambiental, assim fazemos negócios, assim funciona o negócio”, afirmou à IPS por ocasião da Cúpula Humanitária Mundial, realizada nos dias 23 e 24 de maio, na cidade turca de Istambul.
“E também é bom para os negócios; se você faz as coisas bem, de forma sustentável e responsável, as transforma em um bom negócio”, apontou o representante da Ikea. “Concentramos nossos investimentos em meninos, meninas e jovens das comunidades mais pobres do mundo, simplesmente porque é onde podemos conseguir maior impacto. As crianças são as pessoas mais importantes do mundo e, naturalmente, são o futuro”, ressaltou.
A Fundação está presente em 50 países, com iniciativas que contribuem para tirar da pobreza crianças e suas famílias. A forma de conseguir isso é buscar “não governamentais sócios que procurem desenvolver novos modelos e novas formas de pensar e de colaborar com serviços para as pessoas que tentamos ajudar. Criamos estruturas e sistemas de desenvolvimento que, de outra forma, não estariam ali”, explicou Heggenes.
A Fundação trabalha com todos, tanto com o setor privado, governos, organizações não governamentais e a ONU. Desde a chegada de Heggenes, em 2009, a Fundação “aumenta seus fundos ano a ano de forma constante. Em especial, em 2016 doaremos US$ 181 milhões, orçamento que chegará a US$ 226 milhões em 2020”, afirmou.
No tocante ao Acnur, o trabalho consiste em considerar os “refugiados como valor e não apenas como beneficiários, em como envolvê-los para que possam escolher seu futuro, possam ter oportunidades de trabalho, de usar suas capacidades para algo produtivo, em lugar de frustrações”, pontuou Heggenes. “E sabemos que os refugiados permanecem atualmente, em média, 17 anos nos acampamentos”, acrescentou.
De acordo com Heggenes, o interesse principal da Fundação é a educação das crianças, que é “crucial quando se pensa que passam toda sua infância em um acampamento, onde não contam com educação por falta de fundos”. A segunda coisa é oferecer oportunidades para que os adultos trabalhem, ganhem a vida e possam cuidar de suas famílias. E o terceiro é a energia renovável.
“Temos o grande compromisso de fazer todo o possível para reduzir a mudança climática e usar energia renovável em lugares onde há refugiados”, explicou Heggenes. Um exemplo é a unidade de energia que está por finalizar na Jordânia, e que atenderá as necessidades de todo o acampamento de Asraq, acrescentou. Embora se mostre cético em relação às grandes cúpulas, o diretor afirmou que elas “reúnem diferentes atores para que o setor privado possa se envolver com a ONU e com ONGs para conseguir maior eficiência e inovação em seu papel humanitário. Creio que podemos conseguir algo que não se conseguiria concretizar de outra forma”.
“No ano passado, nos comprometemos na cúpula de Paris a envolver a Ikea nos investimentos relacionados com a mudança climática. Além dos US$ 679 milhões que investirá no setor privado, a Fundação destinará US$ 453 milhões” até 2020, afirmou Heggenes. Os investimentos se voltarão às energias renováveis.
“A agricultura climaticamente inteligente, frequentemente combinada com a irrigação, pode ajudar os pequenos agricultores a terem três safras por ano. Também buscamos diferentes formas de ajudar as pessoas a encontrarem formas inteligentes de enfrentar os impactos da mudança climática e, o que é mais importante, ajudá-las a preveni-los e se tornarem mais resilientes”, acrescentou o presidente da Fundação Ikea.
Heggenes mencionou várias vezes a palavra inovação e explicou como a relacionam com os refugiados. “Há cinco anos começamos a desenvolver um abrigo para substituir, ou ser alternativa, as barracas de campanha, expostas aos desastres naturais”, pontuou, acrescentando que esta não é uma forma de viver durante vários anos. Além disso, é muito caro para quem paga o aluguel das barracas, pois costumam durar seis meses, talvez 12, prosseguiu.
Heggenes explicou que agora estão na fase de “teste do protótipo. Criamos uma empresa social para fabricar o novo tipo de abrigo”, que sirva como substituto das barracas “pelo menos em certas circunstâncias”.
Três dias antes da cúpula humanitária de Istambul, a Fundação Ikea e a Oxfam anunciaram um acordo de US$ 8,26 milhões para melhorar a resposta a desastres. Assim, lançaram um programa inovador de três anos, para garantir que instituições locais em Bangladesh e Uganda sejam mais efetivas na hora de enfrentar diferentes crises, desde inundações severas até ajudar um grande número de pessoas que fogem de conflitos. Envolverde/IPS