Por Patricia Grogg, da IPS –
Havana, Cuba, 17/9/2015 – A diplomacia de Cuba se multiplicou na semana passada para avançar em seus diálogos com a União Europeia (UE) e os Estados Unidos, duas frentes estratégicas de sua política externa, enquanto anunciava o indulto para 3.522 presos, como um gesto pela visita que o papa Francisco fará à ilha este mês. No dia 11, o governo de Raúl Castro anunciou o indulto mais abrangente desde o início da Revolução, em 1959, às vésperas da chegada do pontífice, no dia 19, para uma visita de quatro dias, na terceira viagem de um chefe da Igreja Católica a Cuba em 17 anos.
A libertação de presos começou no dia 12 e constitui uma medida semelhante à adotada por ocasião das visitas de João Paulo II, em janeiro de 1998, quando foram libertados cerca de 300 presos, e de Bento XVI, em março de 2012, quando o indulto favoreceu 2.991 detentos. A seleção dos beneficiados levou em conta “a natureza dos crimes pelos quais foram acusados, seu comportamento na prisão, o tempo de cumprimento da pena e razões de saúde”, segundo uma nota oficial divulgada pela imprensa estatal cubana.
“Salvo contadas exceções por razões humanitárias, não foram incluídos condenados por crimes de assassinato, homicídio, violação, pederastia com violência, corrupção de menores, furto e sacrifício ilegal de gado mais velho, tráfico de drogas, roubo com violência e intimidação de pessoas em suas modalidades agravadas, nem aqueles condenados por crimes contra a segurança do Estado”, afirmava a nota.
Entre os libertados se destacam pessoas com mais de 60 anos, jovens menores de 20 sem antecedentes penais, doentes crônicos, mulheres, vários que chegavam ao término estabelecido para a liberdade condicional em 2016, e uma parte dos que cumprem pena e trabalham em regime aberto, bem como estrangeiros, desde que o país de origem garanta sua repatriação.
O anúncio do indulto coincidiu com a quinta rodada de negociações com a União Europeia para um Acordo de Diálogo Político e Cooperação, concluída no dia 10, e a primeira reunião, no dia seguinte, da Comissão Bilateral Cuba-Estados Unidos, encarregada de discutir as questões pendentes de solução entre os dois países, após o restabelecimento de suas relações diplomáticas em julho.
Essa comissão foi anunciada nesta capital em 14 de agosto, pelo chanceler cubano, Bruno Rodríguez, e pelo secretário de Estado norte-americano, John Kerry, e inclui temas como segurança marítima, migrações, tráfico de drogas, saúde, aviação civil, reclamação de compensação por ambas as partes, direitos humanos e tráfico de pessoas.
Mas a maior reivindicação de Havana junto a Washington continua sendo o fim do bloqueio (chamado pelos Estados Unidos de embargo) e a devolução do território onde fica a base naval de Guantânamo, no leste cubano. Entre outros assuntos “sensíveis” com os Estados Unidos, também se inclui o dos direitos humanos, que além disso faz parte das negociações com a UE.
Tanto em suas discussões com Bruxelas quanto com Washington, as autoridades cubanas pedem sobre este último tema um tratamento igualitário, sem condicionamento nem discriminação. Após o anúncio do restabelecimento de relações diplomáticas com os Estados Unidos, em dezembro, Cuba libertou mais de meia centena de presos incluídos em uma lista apresentada por Washington.
Naquele momento, a Comissão Cubana de Direitos Humanos e de Reconciliação Nacional, que atua sem reconhecimento legal, estimava que no país havia 114 presos por motivos políticos. Esse número não pode ser confrontado com dados oficiais, pois o governo cubano não costuma divulgar estatísticas sobre sua população penal.
A agenda das conversações de dois dias com a UE foi sobre comércio, cooperação e diálogo político, incluído o tratamento transversal dos direitos humanos, o tema mais complexo por enquanto. Havana rechaça questionamentos unilaterais a respeito. Apesar disso, o governo local aceitou iniciar negociações para um Acordo de Diálogo Político e Cooperação sem exigir antes a eliminação da chamada “posição comum”, imposta por Bruxelas em 1996, para pressionar avanços de Cuba em matéria de democracia e direitos humanos.
“A posição comum europeia é para nós um ponto de referência”, afirmou, no dia 10, em entrevista coletiva, Christian Leffler, diretor para as Américas do Serviço Europeu de Ação Exterior, que encabeça a delegação da União Europeia nas conversações. O diplomata recordou que a realidade mudou desde que foi adotada.
Leffler insistiu em que a ideia da UE de negociar um acordo marco é avançar e aprofundar as relações com Cuba nos campos da cooperação, do comércio e do diálogo político, a fim de conseguir um convênio sólido de longo prazo que aborde todos esses temas. “A base da negociação é uma visão de acompanhamento europeu das mudanças que ocorrem e ocorrerão em Cuba”, destacou.
Nessa quinta rodada, as delegações da UE e de Cuba, encabeçada pelo chanceler Abelardo Moreno, chegaram a um acordo praticamente sobre todos os pontos e houve um progresso substancial quanto à cooperação e inclusive nas áreas de direitos humanos, democracia e governança. Nesses pontos, “diminuíram ainda mais as brechas restantes”, segundo um resumo apresentado pela delegação europeia.
De acordo com o texto, os direitos humanos se manterão no núcleo das relações da UE com Cuba e o futuro Acordo Mútuo incluirá disposições para estabelecer um mecanismo regular formal de diálogo sobre direitos humanos, sob o qual já foi realizada uma primeira sessão em Bruxelas, no mês de junho.
Leffler evitou dar prazos para o fim das negociações e anunciou que a sexta rodada acontecerá no final de novembro, em Bruxelas. “Nessa reunião vamos avançar no diálogo político, porque o trabalho preparatório está feito. Existe “um bom clima de negociação e o compromisso das duas partes para avançar”, afirmou.
Consultado pela IPS via correio eletrônico, John Wagner, advogado norte-americano especializado no tema dos direitos humanos, concordou com fontes europeias que, dias anteriores à quinta rodada, descartavam a possibilidade de que o diálogo Cuba-Estados Unidos formalizará um acordo antes de 2016. Na opinião deste especialista, nas negociações com Cuba sobre direitos humanos, seja com Estados Unidos ou União Europeia, o progresso será lento até que a nação caribenha melhore seu tratamento e se comprometa a seguir as normas internacionais em matéria de liberdades fundamentais.
“Isto vai demorar um pouco, mas penso que será acelerado quando Cuba perceber que as perspectivas de negócios melhoram com outros países se o fizerem e quando surgirem novos líderes nesse país, como terá que ocorrer nos próximos anos”, pontuou Wagner se referindo ao fato de que o presidente Raúl Castro deixará o poder em 2018, quando terminará seu segundo mandato.
Cuba é o único país da América Latina que carece de um acordo marco de cooperação com a União Europeia, embora nos últimos sete anos tenha assinado convênios bilaterais com pelo menos 15 dos 28 países que hoje integram o bloco europeu. A primeira rodada de conversações com a UE, para um acordo marco de diálogo e cooperação, aconteceu em Havana, nos dias 29 e 30 de abril deste ano. Envolverde/IPS