Havana, Cuba, 7/4/2015 – Barack Obama havia nascido há apenas quatro dias quando Ernesto Che Guevara fustigou publicamente a política hostil dos Estados Unidos em relação a Cuba, durante uma reunião de cúpula interamericana, reiterou a disposição de Fidel Castro em dialogar para resolver as diferenças em pé de igualdade, e conversou em segredo com um enviado de Washington.
Mais de meio século depois, o agora presidente norte-americano assumiu o desafio de aproximar-se do vizinho país caribenho, superar enfrentamentos, rancores e tensões mútuas e iniciar o ainda incerto processo de normalização de relações bilaterais. Nos dias 10 e 11 deste mês, se encontrará frente a frente, na Cidade do Panamá, com o presidente cubano, Raúl Castro, na VII Cúpula das Américas.
Guevara falou na reunião do Conselho Interamericano Econômico e Social da Organização de Estados Americanos (OEA), no dia 8 de agosto de 1961, como delegado do governo cubano de Fidel Castro, a quem acompanhou na guerrilha que em 1º de janeiro de 1959 derrubou o ditador Fulgêncio Batista.
Esse encontro, realizado no balneário uruguaio de Punta del Este, foi o último com participação de Cuba no cenário interamericano, já que seria suspensa da OEA em janeiro de 1962, em uma medida que essa organização levantou oficialmente em junho de 2009.
Na Conferência de Punta del Este, os Estados Unidos formalizaram a Aliança para o Progresso, uma proposta que o presidente John Kennedy (1961-1963) havia lançado meses antes e que nasceu para se contrapor à influência da revolução cubana na região, após a fracassada tentativa de seu governo de invadir a ilha, em abril daquele mesmo ano.
À margem dessa reunião, o argentino Guevara manteve, em 17 de agosto, um encontro confidencial em Montevidéu com Richard Goodwin, assessor especial para assuntos latino-americanos de Kennedy, considerado por meios cubanos como o primeiro contato direto de alto nível entre autoridades dos dois países desde a ruptura das relações bilaterais, em janeiro de 1961.
Cinco dias depois, a Casa Branca assegurou em um comunicado que essa conversa foi apenas um encontro casual durante um coquetel, no qual Goodwin limitou-se a ouvir. Desde então, a história bilateral registra várias tentativas frustradas de aproximação, até que Fidel Castro, afastado do poder desde 2006, seu irmão e sucessor, Raúl Castro, e Obama surpreenderam, no dia 17 de dezembro, com o anúncio de sua decisão de restabelecer as relações diplomáticas.
Por isso, boa parte da atenção em relação à VII Cúpula das Américas se concentra nos dois governantes. Obama participa pela terceira vez desde 2009 deste fórum do qual Cuba esteve excluída até agora e ao qual chega como resultado de uma estratégia diplomática que levou ao apoio unânime da região à sua reinserção e a forjar o degelo com os Estados Unidos.
O analista político e ensaísta cubano Carlos Alzugaray considera que também se deve ter em conta a crescente autonomia da região. “Pode-se dizer que os Estados Unidos perderam a iniciativa e o espaço de manobra” ao sul do rio Bravo ou do rio Grande, pontuou à IPS.
Após a I Cúpula das Américas, em 1994, em Miami, nos Estados Unidos, esses encontros passaram a mostrar uma América Latina cada vez menos inclinada às ofertas dos Estados Unidos, com um ponto de quebra na projetada Área de Livre Comércio das Américas (Alca), que protagonizou a primeira década de encontros e ficou enterrada em outro deles.
Foi na IV Cúpula, na cidade argentina de Mar del Plata, em 2005, que o país anfitrião e outros sul-americanos rechaçaram a tentativa dos Estados Unidos e do Canadá de impor a Alca na agenda. Na época, começaram a governar no sul do continente líderes de centro-esquerda e esquerda, como o venezuelano Hugo Chávez (1999-2013), que fez uma exortação no sentido de converter a reunião em “túmulo da Alca”.
Como contraproposta, Chávez, junto com Fidel Castro, impulsionou a criação, em dezembro de 2004, da hoje chamada Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba), integrada por Venezuela, Cuba, Nicarágua, Bolívia, Equador, Dominica, Antiga e Barbuda, Santa Lúcia, Granada e São Cristóvão e Neves.
Três anos depois, nasceu a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) com a ideia de favorecer um desenvolvimento mais harmônico, equitativo e integral da região, formada por Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela.
Com exceção de Estados Unidos e Canadá, todos os países da área integram, desde 2011, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Esse fórum consagrou a plena reinserção de Cuba ao cenário político regional, sem as presenças canadense e norte-americana.
A este novo contexto internacional que recebe Cuba, Alzugaray soma as transformações internas que o governo de Raúl Castro realiza desde 2008 para modernizar seu modelo socialista de desenvolvimento e as “mudanças globais com a crescente presença da China, em primeiríssimo lugar, e da Rússia, na região”.
Mas a Cúpula do Panamá, destinada a atender formalmente a demanda regional do fim da exclusão de Cuba do encontro dos 35 Estados independentes da América e a dar um passo significativo na normalização entre Havana e Washington, terá que deslocar sua atenção para a crise entre Estados Unidos e Venezuela.
Obama emitiu, no dia 9 de março, um decreto que declara o governo da Venezuela, presidido por Nicolás Maduro, uma ameaça para a segurança dos Estados Unidos, e impõe sanções a alguns de seus funcionários, em uma medida rechaçada pela maioria dos países latino-americanos.
“Nenhum país tem direito de julgar a conduta do outro e muito menos de impor-lhe sanções ou castigos por sua própria conta”, alertou o secretário-geral da Unasul, o ex-presidente colombiano Ernesto Samper. Em sua opinião, o unilateralismo impedirá Washington de manter boas relações com a América Latina.
“Nessas condições, será muito difícil para os Estados Unidos poderem articular uma estratégia para a região que leve em conta os interesses latino-americanos e caribenhos e a natural adaptação às mudanças”, reforçou Alzugaray. A seu ver, Obama cometeu “um grave erro” na ante-sala de um encontro que seria o do reencontro hemisférico. “A região apoiará majoritariamente Cuba e Venezuela”, previu.
Prosperidade com igualdade
O tema central da VII Cúpula será Prosperidade Com Igualdade: O Desafio de Cooperação nas Américas, um objetivo para o qual a região necessita mais do que documentos e declarações formais. Segundo o Panorama Social, da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), pela primeira vez nesta década observa-se um aumento no número de pobres, o que significa que três milhões de latino-americanos recaíram na pobreza entre 2013 e 2014 e outros 1,5 milhão engrossarão essas fileiras ao final de 2015. Envolverde/IPS