Por Constanza Vieira, da IPS –
Bogotá, Colômbia, 25/9/2015 – Na cobertura da guerra colombiana – de origem social, mas cruzada pelo narcotráfico e por ele financiada – se aprende que uma “rota de droga” é uma cadeia de funcionários corruptos, civis ou uniformizados, que permitem que narcóticos passem por pelos postos de controle ou territórios sob sua responsabilidade. O mesmo se aplica para o contrabando.
Segundo dados venezuelanos, 35% da gasolina produzida na Venezuela chega ilegalmente à Colômbia. As margens de lucro são fabulosas para os grandes contrabandistas. O economista colombiano Santiago Montenegro escreveu, há poucos dias, que a Colômbia é a que menos deveria reagir diante dessa situação, pois não se protesta diante de um presente.
Embora não fosse tema de debate público, em 2005 ficou claro que a ultrabarata gasolina da Venezuela do então presidente esquerdista Hugo Chávez (1999-2013) estava contribuindo para financiar o paramilitarismo de ultradireita na Colômbia. O mandatário se absteve de agir.
Por que? Seguramente por governabilidade. Chávez precisou – afirmam conhecedores da situação interna de seu governo – trocar a lealdade dos altos comandos venezuelanos pela permissão de contrabandearem combustíveis e outros bens. Durante os tensos anos de governo colombiano de extrema direita de Álvaro Uribe (2002-2010), as disputas entre os dois presidentes eram frequentes. Chegou-se ao rompimento de relações e houve ventos de guerra.
Rafael Samudio Molina, um general da reserva, se dirigiu, no dia 20 de julho de 2010, à tropa pela Emissora do Exército, para afirmar que nunca as forças armadas colombianas aceitariam uma guerra na fronteira, enquanto mantêm outra com um inimigo interno (a guerrilha), que, além do mais, é aliado ideológico do governo de Caracas. “Continuem concentrados na guerra contra nosso inimigo interno, que são as Farc” (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), pediu o general.
Mas mesmo este tipo de enfrentamento não importava a esse terceiro país, constituído pelos habitantes da fronteira comum, com vínculos siameses de família e sobrevivência. O que temiam na verdade era que a fronteira fosse fechada. Na fronteiriça cidade colombiana de Cúcuta campeiam o desemprego e a pobreza. Os refugiados da guerra e muitos dos mais pobres da Colômbia se juntaram nessa capital do departamento colombiano de Norte de Santander, logo que o chavismo subiu ao poder.
Segundo a jurisdição especial de Justiça e Paz para paramilitares desmobilizados, desde 1996 se desenvolve a ofensiva paramilitar que deixou, só em terras do Norte de Santander, mais de 11 mil assassinatos, e mais de cinco mil apenas em Cúcuta. Numerosos cadáveres desapareceram em fornos crematórios para não afetar as estatísticas de segurança da polícia. A guerrilha retrocedeu.
Ao mesmo tempo, os sem-terra colombianos, incluídos os expulsos de suas propriedades, ficavam com água na boca ao verem as terras sem cultivar no país vizinho, que desde a década de 1970 importa mais víveres do que produz. Nesse “sonho venezuelano”, havia estudo e saúde grátis e, com sorte, moradia e trabalho: aquilo que não tinham na Colômbia, incluída uma vida em paz.
Desde 2004, as campanhas de registro na Venezuela começaram a regularizar os estrangeiros que eram encontrados. O fato correu feito rastilho de pólvora na Colômbia: os regularizados passam de um milhão. Em 2012, as filas de colombianos paupérrimos na calçada do consulado colombiano, na cidade fronteiriça venezuelana de San Antonio del Táchira, começavam cedo: às 10 horas da noite do dia anterior, e davam a volta no quarteirão. Diariamente, desde oito da manhã, o consulado lhes concedia um registro, com data, de sua presença na Venezuela.
Com o documento, entre 500 e 600 colombianos diariamente entravam na Venezuela para melhorar sua sorte. Segundo Caracas, 16% de sua população é colombiana. O governo de Bogotá ignora quantos colombianos fugiram ou migraram para o exterior nas últimas décadas. Em todo caso, uma coisa era compartilhar quando o petróleo estava a mais de US$ 100 o barril e outra coisa é agora, quando está em torno dos US$ 40.
Argumentando que a Venezuela não aguenta mais, Maduro, sucessor de Chávez após sua morte, se atreveu, no dia 21 de agosto, a fechar indefinidamente a fronteira com a Colômbia, de 2.219 quilômetros de extensão contínua. Primeiro fechou as passagens por Cúcuta, depois Paraguachón, a passagem fronteiriça da península de La Guajira, território wayúu (povo indígena binacional) e, mais tarde, as passagens em frente às cidades de Arauca e Arauquita, no departamento colombiano de Arauca.
Mas Maduro agiu mal. Cerca de 1.400 deportados colombianos foram vítimas de desmandos por parte de militares venezuelanos, que atropelaram seus direitos, depois que o presidente os estigmatizou como “paramilitares”. A crise provocou o regresso à Colômbia de mais de 20 mil pessoas que, agora, precisam do governo colombiano de “soluções de longo prazo”, como pedido pela Organização das Nações Unidas (ONU), conhecedora do abandono estatal no Norte de Santander e La Guajira.
Arauca, departamento petroleiro colombiano, não fica atrás. As pessoas pedem “que fique independente” da Venezuela, pois as estradas colombianas estão em mau estado. Seus vínculos econômicos, familiares e de estudos são com Cúcuta, através de uma magnífica autopista venezuelana que os levava em cinco horas. A alternativa “para ir à Colômbia’, como dizem em Arauca, é que o governo finalmente invista em estradas.
As estradas colombianas atravessam forçosamente zonas que até agora estiveram em guerra. Os gastos bélicos originaram um atraso de 30 anos em infraestrutura viária, segundo a Sociedade Colombiana de Engenheiros. Como em Cúcuta ou La Guajira, a Colômbia tampouco fornecia gasolina a Arauca. Seus moradores pedem para baratear a passagem aérea e aumentar a frequência dos voos.
Os abusos contra os deportados produziram uma forte reação do governo da Colômbia que incluiu – novamente – chamar seu embaixador para consultas. O caso foi levado pelo presidente colombiano, Juan Manuel Santos, no dia 21, a uma cúpula em Quito com seu colega venezuelano, patrocinada pela Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e pela Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), com primeiro passo para a reconciliação.
Os presentes no palácio presidencial equatoriano aplaudiram o primeiro ponto, que para os habitantes de fronteira não significa nada: os dois países decidiram pelo retorno imediato dos respectivos embaixadores. No dia 23, começaram em Caracas as reuniões em nível ministerial para negociar a “normalização progressiva” da fronteira: soa muito distante e sem forma para os que vivem ali o dia a dia.
Agora vem um período de definições. Colômbia e Venezuela têm que combater a corrupção fronteiriça. Esta financia, em parte, os grupos criminosos paramilitares colombianos, que persistem e ameaçam os pactos de paz de Santos com a guerrilha, que devem culminar em seis meses.
Maduro precisa garantir os fornecimentos em seu território e a única veia rompida não é a fronteira colombiana. Ainda maior é o megacontrabando por Brasil, Guiana e Mar do Caribe. Deveriam acontecer destituições e detenções de figuras poderosas no Estado venezuelano, incluídos oficiais da Marinha e da Aeronáutica venezuelanas.
Enquanto isso, em Cúcuta foram vistos grandes veículos com mercadorias venezuelanas sendo descarregados. Em La Fría, cidade venezuelana a nordeste de São Cristóbal, capital do Estado fronteiriço venezuelano de Táchira, voltaram as filas para comprar gasolina. O contrabando se recompõe e os nomes dos maiores beneficiados não se conhece. Por outro lado, os repatriados e deportados colombianos receberão três meses de ajuda estatal. Envolverde/IPS