Em um contexto mundial de perda de dinamismo e instabilidade do sistema econômico, crescente desigualdade, risco para a paz e a segurança, e uma grave crise ambiental, fica evidente que o estilo dominante de desenvolvimento na América Latina e no Caribe é insustentável.
Por Alicia Bárcena e Carlos de Miguel*
Santiago, Chile, 5/7/2016 – À degradação do ambiente e dos ecossistemas e à depredação dos recursos naturais, associados às dinâmicas insustentáveis de produção e consumo e à concentração urbana, se somam os desafios globais como a mudança climática, cujos impactos afetam sobremaneira nossa região.
A ampla gama de desafios que a regiãoenfrenta nos levou, dentro da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), a destacar a importância de construir pactos para a igualdade de um futuro sustentável. Assinalamos que esses pactos não serão possíveis sem democracias mais participativas e transparentes nas quais os cidadãos estejam profundamente envolvidos nas decisões sobre o tipo de sociedade que se deseja construir.
A Agenda 2030, com seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), aprovados em setembro de 2015 pelas Nações Unidas, é universal e indivisível, e expressa o consenso internacional em torno de um novo estilo de desenvolvimento. A Agenda é um plano de ação a favor das pessoas, do planeta e da prosperidade. Também tem por objetivo fortalecer a paz universal dentro de um conceito mais amplo de liberdade.
Este plano será implantado por todas as partes e os países interessados mediante uma aliança de cooperação que aglutinará os governos, o setor privado, a sociedade civil, o sistema das Nações Unidas e outras instâncias. Exigirá, portanto, ações e coalizões em níveis nacional, regional e mundial.
Em nível nacional, os países deverão avançar no estabelecimento de uma arquitetura institucional que permita efetivamente implantar um enfoque integrado para o desenvolvimento de nossas nações. Os países de nossa região começaram a se dotar dessas arquiteturas.
Exemplos disso são os recém-criados Conselho Nacional para a Implantação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, no Chile, a Comissão Interinstitucional de Alto Nível Para o Alistamento e a Efetiva Implantação da Agenda de Desenvolvimento Pós-2015 e Seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, na Colômbia, e o sistema de coordenação nacional estabelecido no Brasil.
A arquitetura regional de acompanhamento e exame dos avanços da implantação da Agenda 2030 na América Latina e no Caribe, porém, corresponde ao, criado recentemente, Fórum dos Países da América Latina e do Caribe sobre o Desenvolvimento Sustentável, que funcionará sob os auspícios da Cepal.
Esse organismo permitirá gerar pontes entre o global e o regional, reforçar a coerência e a coordenação em nível regional, promover a colaboração e dar orientação em matéria de políticas, fomentar a criação de capacidades nacionais, abrigar exames nacionais voluntários, identificar brechas, desafios e metas compartilhadas em nível regional, e impulsionar a aprendizagem entre pares, entre outros.
Essa arquitetura regional de acompanhamento de exame dos avanços da Agenda 2030 na América Latina e no Caribe se fortalece com o acordo regional para a total aplicação do Princípio 10, que, sob a liderança de Chile e Costa Rica, é negociado atualmente por 21 países de nossa região e espera-se que esteja concluído no final deste ano.
Tanto a Agenda 2030 quanto o acordo regional sobre o Princípio 10 enfatizam o círculo virtuoso entre direitos de acesso, proteção ambiental e direitos humanos, destacando que a participação informada e a transparência contribuem para melhorar as políticas ambientais e, por fim, a proteção ambiental, o que, por sua vez, permite o cumprimento com direitos substanciais, como o direito de toda pessoa a um ambiente sadio, à vida e à saúde.
O acordo regional pretende estabelecer obrigações para que os Estados da América Latina e do Caribe melhorem suas leis, políticas, instituições e práticas para garantir que os direitos das pessoas a informação, participação e justiça em assuntos ambientais, consagrados no Princípio 10 da Declaração do Rio, sejam respeitados e implantados totalmente.
O momento para aprofundar a aplicação total do Princípio 10 não poderia ser mais oportuno. Os direitos de acesso consagrados neste princípio estão no coração da Agenda 2030 e permeiam e se manifestam em todos os ODS, os quais vinculam expressamente o bem-estar humano com a qualidade ambiental e a paz.
Cinco objetivos abordam temas ambientais (o 6, sobre gestão da água; 12, sobre modalidade de consumo e produção sustentáveis; 13, sobre mudança climática; 14, sobre oceanos e mares; 15, sobre uso sustentável dos ecossistemas terrestres), e o bem-estar com base no ambiente está presente em todos os demais objetivos.
Além disso, o objetivo 16, que promove sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, exige que se garanta a igualdade no acesso a justiça, instituições eficazes, responsáveis e transparentes, e a adoção de decisões inclusivas, participativas e representativas. Também pede a garantia do acesso público à informação e promoção de leis e políticas não discriminatórias para o desenvolvimento sustentável.
Assim, não é por acaso que, do mesmo modo que o bem-estar com base no ambiente está presente em todos os ODS, a igualdade de direitos e oportunidades, o acesso oportuno à informação, a promoção da educação para o desenvolvimento sustentável, a participação plena e efetiva, o fortalecimento da participação de comunidades diretamente afetadas, o planejamento e a gestão participativos são aspectos destacados na nova agenda ao longo de seus 17 objetivos e 169 metas.
Nesse contexto, os padrões que forem adotados no acordo regional sobre o Princípio 10, bem como os mecanismos que forem estabelecidos para garantir seu cumprimento, serão elementos centrais do esquema de prestação de contas da Agenda 2030 e as instâncias de fortalecimento de capacidades e cooperação Sul-Sul apoiarão a participação de todos os atores da sociedade na implantação do plano de ação estabelecido.
O processo, que conta com a Cepal como secretaria técnica, é um exemplo de como os países da nossa região podem, sob um enfoque de concertação, autonomia, progresso, cooperação e fortalecimento de capacidades, enfrentar desafios globais e reforçar a governança ambiental regional, contribuindo parao progresso social e econômico, bem como para a sustentabilidade ambiental.
Nossa região está dando uma lição ao mundo, escrevendo um novo capítulo em matéria de fortalecimento da democracia ambiental. Envolverde/IPS
*Alicia Bárcenaé secretária executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Carlos de Miguel é chefe da Unidade de Política para o Desenvolvimento Sustentável da Cepal.Este artigo foi publicado originalmente no número 88 de Notas da Cepal, de junho.