Por Estrella Gutiérrez, da IPS –
Caracas, Venezuela, 13/7/2016 – A América Latina tem em suas adolescentes uma força crucial para gerar mudanças que levem ao seu desenvolvimento sustentável, se investir na promoção de seus direitos e corrigir a desigualdade de suas oportunidades, afirmou a diretora regional da ONU Mulheres, a brasileira Luiza Carvalho. “Uma adolescente empoderada conhece e pode fazer valer seus direitos, possui ferramentas para ter êxito e é motor de mudanças positivas para sua comunidade”, acrescentou, em entrevista à IPS desde a sede regional da organização, na Cidade do Panamá.
Segundo Carvalho, será a essas adolescentes, e também aos rapazes, que caberá um papel protagonista em suas sociedades quando se completar a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que tem entre seus objetivos promover a igualdade de gênero. Investir nas jovens de hoje terá “um grande impacto transformador no futuro”, ressaltou.
O mundo conta com a maior proporção de crianças e jovens entre 10 e 24 anos de sua história, 1,8 bilhão da população total de 7,3 bilhões, e dos quais 20%, aproximadamente, vivem na América Latina e no Caribe, recordou Carvalho.Dos 634 milhões de habitantes que a região tem, segundo dados fornecidos à IPS pelo escritório regional do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), 57 milhões são meninas e adolescentes entre 10 e 19 anos, que vivem majoritariamente em cidades.
Justamente, o tema do Dia Mundial da População, celebrado no dia 11 deste mês, este ano se refere ao investimento nas adolescentes, sob a premissa de que transformar seu presente para garantir-lhes o direito de viver em igualdade, não só eliminará barreiras ao seu potencial individual, como também será decisivo para um desenvolvimento sustentável em seus países.
A organização internacional WomenDeliver põe números aos benefícios desse investimento. Entre eles, a cada 10% mais de mulheres adolescentes que vão à escola, o produto interno bruto do país cresce, em média, 3%, ou que para cada ano mais de educação primária que tiver ela ganhará quando adulta entre 10% e 20% mais de salário.
Algo fundamental, porque Carvalho destacou que “a falta de empoderamento econômico, junto com a discriminação generalizada de gênero e o reforço de estereótipos tradicionais afetam a capacidade das mulheres da América Latina e do Caribe de participar de forma igualitária em todos os aspectos da vida pública e privada”. Assim, “investir em educação e proteção contra a violência são ferramentas importantes para potencializar as capacidades de adolescentes e mulheres jovens, e promover a igualdade de gênero”, acrescentou.
A representante da ONU Mulheres destacou que “são um grupo especialmente vulnerável que enfrenta particulares obstáculos sociais, econômicos e políticos”, e cujo empoderamento pode encontrar na região “dificuldades como gravidez não desejada, casamento ou união forçados, violência de gênero e acesso limitado à educação e aos serviços de saúde reprodutiva”.
Como exemplo dessas barreiras, Carvalho contou que um informe realizado pela Organização Pan-Americana de Saúde, entre mulheres de 15 a 49 anos em 12 países da região, “revela, em proporção significativa, que o primeiro encontro sexual de algumas mulheres teria sido não desejado”. E recordou que “o casamento ou união precoces de meninas é uma grande preocupação na região, que afeta substancialmente o exercício dos direitos das adolescentes e seu pleno desenvolvimento”.
Para a diretora da ONU Mulheres, “é uma forma de violência, que nega sua infância, interrompe sua educação, limita seu desenvolvimento social, reduz suas oportunidades, as expõe ao risco de uma prematura ou não desejada gravidez e a eventuais complicações, além de aumentar seu risco de contrair doenças sexualmente transmissíveis, incluindo o HIV” (vírus causador da aids) e de“serem vítimas de violência e abuso”.
Carvalho considera muito positivo que todos os países da região tenham estabelecido idades mínimas para o casamento em suas legislações, mas, em contrapartida, as leis fixam idades mínimas diferenciadas para meninos e meninas e estabelece casos em que elas podem se casar antes, em razão de gravidez ou de filhos.
Na América Latina, o fenômeno da gravidez em adolescentes longe de diminuir aumentou nos últimos anos, amparado em uma tolerância cultural à iniciação sexual precoce, com o resultado de a região ser a segunda do mundo em fecundidade adolescente, só perdendo para a África subsaariana, com média de 76 filhos vivos para cada mil mulheres.
Além disso, 30% das adolescentes latino-americanas não têm suas necessidades de anticoncepcionaisatendidas, segundo a UNFPA, em uma região onde a saúde sexual e reprodutiva enfrenta barreiras especiais por causa do patriarcado cultural e do peso de setores conservadores da dominante Igreja Católica.Diante desse déficit, a região tem coisas boas a mostrar em matéria de educação. Mais de 90% dos países contam com políticas para promover a igualdade de acesso das jovens à educação, mais de 90% delas terminaram o curso primário, embora apenas 78% frequentem o curso secundário, segundo o UNFPA.
A maior barreira no acesso à educação é enfrentada pelas adolescentes rurais e indígenas, com dificuldades de acesso físico às escolas, o que no caso das indígenas e afrodescendentes, se soma ao de currículos inadequados ou à carência de oferta em sua língua materna.Carvalho destacou, como elemento positivo,que as leis sobre educação, em especial as reformadas recentemente, “tenham começado a reconhecer a importância de estabelecer disposições legais que promovam e difundam os direitos humanos, a convivência pacifica e a educação sexual”.
Entretanto, Carvalho lamentou que “os eixos vinculados diretamente à prevenção da violência contra mulheres e meninas ainda sejam incipientes”.A seu ver, o currículo tem um papel indiscutível. A inclusão de conteúdos e materiais “vinculados aos direitos humanos e aos direitos das mulheres e meninas, a resolução não violenta de conflitos, a corresponsabilidade e os fundamentos sobre a saúde sexual e reprodutiva” potencializarão sociedades menos violentas dentro e fora das salas de aula”, ressaltou.
Carvalho citou um estudo da ONU Mulheres e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), de 2015, realizado em 13 países da região, segundo o qual há um atraso do sistema educacional na prevenção da violência contra meninas e adolescentes. “Esse é um aspecto imperativo para ser melhorado, pois é nos primeiros anos de infância quese pode modelar papéis igualitários entre meninos e meninas, e assim prevenir a violência, a discriminação e a desigualdade em todas suas formas”, ressaltou.
A diretora da ONU Mulheres recordou que as mudanças devem partir de algo tão simples quanto esquecido em certas ocasiões: “as meninas, adolescentes e mulheres são titulares de direitos”. Se tiverem “igualdade no acesso a educação, atenção médica, educação sexual e reprodutiva, um trabalho decente e representação nos processos de adoção de decisões políticas e econômicas, impulsionarão economias sustentáveis e as sociedades e a humanidade em seu conjunto se beneficiarão”, enfatizou Carvalho. Envolverde/IPS
*Este artigo integra a série preparada pela IPS por ocasião do Dia Mundial da População, celebrado em 11 de julho.