Internacional

Desenvolvimento portuário gera progresso e vítimas no Brasil

Parte do porto Ponta da Madeira, no nordeste do Brasil, de onde saem os navios carregados com o ferro de Carajás, incluídos os meganavios Valemax. Foto: Mario Osava/IPS
Parte do porto Ponta da Madeira, no nordeste do Brasil, de onde saem os navios carregados com o ferro de Carajás, incluídos os meganavios Valemax. Foto: Mario Osava/IPS

 

São Luís, Brasil, 21/3/2014 – “Somos vítimas do progresso”, lamenta Osmar Santos Coelho, conhecido como Santico. Sua comunidade pesqueira desapareceu, desalojada para a construção de um porto na baía de São Marcos, na parte ocidental da capital do Estado do Maranhão, São Luís, no Nordeste do país. O terminal marítimo de Ponta da Madeira, em operação desde 1986, fortificou a influência de sua proprietária, a mineradora Vale, na cidade de São Luís.

Por esse terminal são exportados atualmente mais de 110 milhões de toneladas anuais de minério de ferro, consolidando um corredor logístico decisivo para o desenvolvimento econômico local. Ali chegam os trens da companhia. A função primordial do porto é transportar a produção de Carajás, gigantesca província mineral da Amazônia oriental que converteu a Vale em líder mundial em ferro. Dali também sai boa parte da soja colhida no centro-norte do Brasil. Ao lado, uma unidade da Vale transforma em pelotas parte do minério.

Essas atividades geram milhares de empregos, especialmente em sua área de influência direta, Itaqui-Bacanga, um conjunto de 58 bairros no sudoeste da capital maranhense. Os jovens sonham com a transnacional Vale pela boa remuneração e por sua política de recursos humanos, herdada de sua longa vida como empresa pública (1942-1997), que assegura estabilidade aos seus trabalhadores. Um empregado “só é demitido se fizer muitas bobagens”, disse um executivo.

Além disso, a empresa multiplicou a oferta de empregos temporários na ampliação do porto e duplicação da ferrovia, para dobrar as exportações minerais a partir de 2018. Por esses e outros projetos locais, a economia do conjunto de bairros vizinhos está em auge, disse George Pereira, secretário da Associação Comunitária Itaqui-Bacanga (Acib). Entre outras iniciativas, estão sendo instaladas aqui três fábricas – de cimento, celulose e fertilizantes –, junto com uma central termoelétrica movida a carvão.

A 55 quilômetros ao sul, a Petrobras construirá, no município de Bacabeira, a Refinaria Premium I, que, quando for inaugurada em 2018, será a maior do Brasil. A obra será licitada em abril e em seu apogeu empregará 25 mil trabalhadores, segundo a companhia.

O auge de empregos ativa o consumo, o comércio e os serviços, “mas não é o desenvolvimento que queremos, com mais dinheiro no bolso, mas sem água para beber, por causa dos rios contaminados”, ressaltou Pereira. Faltam saneamento, água potável, transporte, professores e médicos, enquanto sobram violência, drogas e prostituição nos bairros, cuja população aumentou rapidamente, acrescentou, lembrando que já são cerca de 200 mil habitantes, e que serão mais com dois novos bairros em construção.

Diante dessa realidade, a Vale “faz boas ações, mas isoladas, sem programas transformadores de desenvolvimento territorial”, criticou Pereira. As prioridades são educação e saneamento, afirmou.

Ironicamente, a associação que critica e pressiona a Vale é sua criação. Surgiu por um investimento social da empresa, exigida pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como condição para financiar as unidades de pelotas. A Acib, dirigida por representantes dos cinco setores que compõem Itaqui-Bacanga, foi criada há dez anos para mobilizar a população em favor de um projeto de limpeza urbana. Seu funcionamento e sua sede, um prédio de dois andares, são financiados com contribuições da Vale, explicou Pereira.

Entre as numerosas ações sociais da companhia, algumas se destacam por seus efeitos, como a ampliação do Centro de Educação Profissional de Itaqui-Bacanga, uma escola do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Este ano o centro dá educação técnica a dez mil alunos, o dobro de 2013, e cinco vezes mais do que em 2010, graças a 14 novas salas de aula e cinco laboratórios.

Uma associação semelhante entre Vale e Senai sustenta outros três centros ao longo do corredor entre Carajás e São Luís, disse à IPS a gerente de recursos humanos da mineradora, Janaína Pinheiro. Em 2013, o Senai capacitou 65 mil alunos no Maranhão, contra dez mil há uma década, disse à IPS seu diretor estadual, Marco Moura.

Em São Luís, a industrialização se concentra em torno dos portos da baía de São Marcos. Vizinho de Ponta da Madeira, opera, desde a década de 1970, Itaqui, um porto estatal para todo tipo de carga, que este ano acrescentará seu Terminal de Grãos para exportação de soja e milho produzidos nas novas fronteiras agrícolas do centro e do norte.

Alguns novos portos brasileiros nasceram com vocação de polos industriais. Assim ocorre com Suape e Pecém, respectivamente em Pernambuco e Ceará, planejados como complexos portuário-industriais e que impulsionam a economia local desde a última década. Em ambos há refinarias da Petrobras, além de uma unidade petroquímica e oito estaleiros, isto em Suape, e uma siderúrgica e centrais elétricas, em Pecém. Além disso, muitas empresas estão se instalando nas imensas zonas industriais atrás dos portos.

Osmar Santos Coelho, o Santico, diante da cabana onde guarda suas redes e outros equipamentos de pesca, em uma estreita praia que escapou da invasão do terminal portuário da mineradora Vale, em São Luis, Estado do Maranhão, na região Nordeste do Brasil. Foto: Mario Osava/IPS
Osmar Santos Coelho, o Santico, diante da cabana onde guarda suas redes e outros equipamentos de pesca, em uma estreita praia que escapou da invasão do terminal portuário da mineradora Vale, em São Luis, Estado do Maranhão, na região Nordeste do Brasil. Foto: Mario Osava/IPS

 

Em São Luís, os portos surgiram alheios a essa onda de industrialização, por ficarem na região brasileira mais atrasada em relação a outros polos do Nordeste. A grande profundidade de suas águas, apta para navios de grande calado, sua localização voltada para o Atlântico norte e a conexão com a ferrovia Carajás foram vantagens para instalar o terminal.

Mas, por trás há vítimas, recordou Santico à IPS. Por exemplo, “entre 80 e cem” pescadores artesanais de Boqueirão, que foram expulsos de sua praia e reassentados em diferentes bairros. Alguns anos depois, muitos deles voltaram a pescar em São Marcos, apesar da proibição, e usam como base uma ponta de praia não ocupada pelo porto, explicou.

“Não tínhamos outro ofício e passávamos fome”, afirmou Santico. Terminaram por construir nesse lugar oito precárias cabanas de paus e folha de palmeira, umas poucas para residência e outras apenas para as tralhas de pesca. Santico, de 73 anos, tem sua casa em um bairro próximo e uma cabana na praia, para suas esporádicas pescas noturnas.

“Os peixes quase acabaram, restaram uns poucos camarões”, depois da construção de novos molhes, contou Santico. Por isso negociaram com a Vale, três anos atrás, conseguiram uma canasta de alimentos para 52 pescadores, de entre US$ 308 e US$ 725 dólares. “Com isso sobrevivemos”, reconheceu.

Milhares de outras famílias também foram desalojadas para a construção de atracadouros e instalações portuárias. Itaqui, na verdade, era o nome de um bairro desaparecido. E agora mais bairros estão ameaçados pela zona industrial, em construção à margem da estrada. Vila Maranhão teme sua extinção, cercada pela ferrovia e pelo novo polo, e a poucos quilômetros de uma central elétrica a carvão, uma grande indústria de alumínio e depósitos minerais.

“Ainda não há nada oficial, mas é questão de tempo nos tirarem daqui”, afirmou Lamartine de Moura, diretor da Acib, de 71 anos, 23 deles em Vila Maranhão. “Se eles não nos tirarem de nossas casas, a contaminação o fará”, disse à IPS. Um estudo universitário identificou metais pesados no riacho local, e o pó mineral do ar suja as casas e dissemina enfermidades respiratórias, explicou.

Navios muito grandes para a China

Os 23 metros de profundidade de Ponta da Madeira permitem fundear os Valemax, os maiores navios mineraleiros do mundo, com capacidade para 400 mil toneladas, em operação desde 2011. A China, principal cliente do ferro da Vale, seria o principal destino dessas megaembarcações, mas as proibiu em seus portos por excesso de tamanho. Isso apesar de um estaleiro chinês estar construindo 12 desses navios para o líder mundial em extração de ferro. A Coreia fábrica outros sete.

A meta da Vale é ter 35 Valemax, 16 alugados. Sua grande escala barateia custos e ajuda a competir com a Austrália, outra potência em mineração e mais perto do grande mercado asiático. Além disso, esses navios gigantes reduzem em 35% a emissão de gases-estufa para cada tonelada de minério transportado, destaca a segunda transnacional da mineração do mundo.

Para enfrentar a proibição chinesa, a Vale usa estações de transferência nas Filipinas e logo contará com um centro de distribuição na Malásia, de transbordo para navios menores. Dois portos brasileiros e seis estrangeiros recebem os Valemax atualmente. Envolverde/IPS