Internacional

Deslocamentos forçados aumentam sem trégua

Milhares de refugiados se lançam diariamente a uma perigosa travessia para conseguir uma vida melhor na Europa. O ano de 2015 deve registrar número recorde de pessoas nessa situação. Foto: I. Pritchett/Acnur
Milhares de refugiados se lançam diariamente a uma perigosa travessia para conseguir uma vida melhor na Europa. O ano de 2015 deve registrar número recorde de pessoas nessa situação. Foto: I. Pritchett/Acnur

Por Katherine Mackenzie, da IPS – 

Roma, Itália, 4/1/2016 – Quase um milhão de pessoas cruzaram o Mar Mediterrâneo como refugiados ou migrantes em 2015. Os conflitos na Síria e em outras partes do mundo aprofundaram o sofrimento humano; provavelmente, o recém-passadoano tenha registrado um precedente em matéria de deslocamentos forçados, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).

O documento que cobre o período de janeiro a junho, e resume a situação gerada no mundo por guerras e perseguições, apresenta números vermelhos nas três principais categorias de migrantes: refugiados, solicitantes de asilo e deslocados internos (pessoas que tiveram que abandonar suas casas e buscar refúgio dentro de seu próprio país).

Os refugiados, que em 2014 chegaram a 19,5 milhões de pessoas, passaram, em meados do ano passado, dos 20 milhões pela primeira vez desde 1992, chegando a 20,2 milhões, segundo o Acnur. O documento afirma que os pedidos de asilo aumentaram 78% acima dos registrados em igual período de 2014, somando 993 mil. E os deslocamentos internos aumentaram em dois milhões de pessoas, chegando a 34 milhões.

Os impressionantes números da primeira metade do ano passado fazem prever que 2015 vai ultrapassar pela primeira vez a fronteira de 60 milhões de pessoas deslocadas – uma pessoa em cada 122 que habitam o planeta e se viu obrigada a abandonar sua casa.“O deslocamento forçado afeta profundamente nosso tempo. Atinge a vida de milhões de seres humanos, tanto dos que são obrigados a fugir como dos que os recebem e protegem”, destaca no informe do Acnur o alto comissário, António Guterres.

A Organização Internacional para as Migrações (OIM) destacou, no mês passado, que os migrantes ou refugiados que chegaramem 2015 à Europa, por terra ou por mar, superaram a marca do milhão, quatro vezes mais do que em 2014. A maioria chegou por mar, e aproximadamente 800 mil por Turquia e Grécia. Além disso, metade procedente da Síria.

As 11 pessoas que se afogaram na terceira semana de dezembro de 2015 se somam às 3.695 que morreram ou desapareceram no mar, de acordo com os registros da OIM. Outras sete foram resgatadas nessa mesma semana pela guarda costeira turca, após o naufrágio da embarcação que as conduzia, aparentemente seguindo de Kusadasi, na Turquia, para a ilha grega de Samos.

À parte a crueza dos números do Acnur, há outros indicadores que mostram como piora a situação em certas áreas estratégicas. Por exemplo, os números sobre retorno voluntário, as pessoas que se sentem seguras para regressarem às suas casas diminuiu e estão em seu nível mais baixo em três décadas. A agência usa esse indicador como barômetro do estado global do conflito.

Em dezembro de 2014, 107 mil pessoas queriam regressar às suas casas, mais do que as 84 mil registradas no mesmo período do ano passado. Cerca de 839 mil pessoas fugiram de seus países em seis meses, média de quase 4.600 por dia, segundo o Acnur. A guerra síria e suas consequências na região continuam causando o maior número de deslocados.

A pressão sobre os países receptores também aumenta. A infraestrutura exigida apresenta o enorme perigo de que aumente o ressentimento em relação aos refugiados e se politize sua situação. Não é uma consequência nova e poderia se converter em uma tendência preocupante. Entretanto, a primeira metade de 2015 também se caracterizou por uma importante generosidade. A Turquia foi o principal país de acolhida, com 1,84 milhão de refugiados em seu território até 30 de junho.

O papa Francisco pediu paz e reconciliação nas zonas de conflito em todo o mundo, em sua tradicional mensagem de Natal, ocasião em que também rezou pelo êxito das últimas resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU) para alcançar a paz na Síria e na Líbia. O papa também condenou os ataques terroristas no Egito, Líbano, Mali, França e Tunísia.

O Líbano, durante décadas destino de refugiados, continua abrigando um enorme número de pessoas obrigadas a abandonar seus países na região, em relação à sua pequena população. O Acnur estima que haja cerca de 209 refugiados para cada mil habitantes.

Por sua vez, a Etiópia recebeu um duro golpe em seu bolso, sendo o país que mais paga em relação à sua economia, com 469 refugiados para cada dólar do produto interno bruto. No fim das contas, os que carregam a responsabilidade de proteger e abrigar os refugiados são os países que têm fronteira com os que sofrem conflitos e muitos estão em desenvolvimento.

Mas o número de pessoas que chegaram à Europa através do Mar Mediterrâneo pouco se reflete no informe, principalmente porque a chegada de refugiados disparou na segunda metade de 2015 e não foram registrados nesse informe do Acnur.Nos primeiros seis meses de 2015, a Alemanha recebeu cerca de 159 mil novos solicitantes de asilo, quase o total das recebidas em todo o ano de 2014. Em seguida está a Federação Russa, com cem mil pedidos por parte de pessoas que fugiram do conflito na Ucrânia. Envolverde/IPS