Nações Unidas, 19/3/2015 – À jornalista Nadia Sharmeen foi pedido, no dia 6 de abril de 2013, que cobrisse uma marcha organizada pela Hefazat-e-Isla, uma associação de organizações islâmicas de Bangladesh, que tem entre suas demandas a revogação da Política Nacional para o Desenvolvimento das Mulheres, mas as coisas não lhe saíram bem.
Quando Sharmeen chegou ao lugar, pediu ao repórter cinematográfico que filmasse a multidão e começou a realizar entrevistas. Mas, “de repente, um homem me perguntou por que estava ali como mulher”, contou à IPS. “Respondi que não estava como mulher, mas como jornalista. Ele não aceitou e começou a gritar comigo”, acrescentou.
As agressões verbais do homem rapidamente chamaram a atenção das pessoas e antes que pudesse entender o que acontecia foi atacada por 50 a 60 homens. “Me bateram, me jogaram no chão quatro ou cinco vezes. Tentaram rasgar meu vestido. Queriam me matar, esse era o objetivo”, afirmou
Seus colegas conseguiram enfrentar a multidão furiosa e levá-la a um hospital. Mas o dano não terminara. Precisou ficar cinco meses de cama e sofrer várias cirurgias. Apesar de abandonada por seu empregador, que se negou a cobrir o custo do tratamento e acabou forçando-a a se demitir, Sharmeen conseguiu superar o calvário graças às suas forças e ao infatigável apoio de sua família.
Ela está entre as dez mulheres reconhecidas pelo Departamento de Estado norte-americano por seu valor excepcional na busca da paz e da igualdade. Atualmente faz uma viagem por este país como ganhadora do Prêmio Internacional às Mulheres com Coragem 2015 (Iwog).
Segundo Sharmeen, ela teve sorte, e seguramente tem razão. Em Bangladesh, milhares de mulheres sofrem a violência que se manifesta de diversas formas. Em 2011, 330 delas foram assassinadas por incidentes relacionados com o dote. Além disso, 66% das mulheres desse país se casam antes de completarem 18 anos. A taxa de emprego é de 57% para as mulheres, contra 88% para os homens.
A discriminação começa, segundo alguns dados, com o nascimento. A mortalidade infantil feminina é de 20 mortes para cada mil nascidos vivos, bem acima dos 16 homens que têm a mesma sorte.
Este ano, cinco das dez premiadas pelo Iwoc são da Ásia, onde as mulheres representam metade dos quatro milhões de habitantes e estão sujeitas a fortes leis e a arraigados comportamentos patriarcais.
Sayaka Osakabe, por exemplo, há alguns anos se dedica à luta contra uma forma de discriminação muito propagada no Japão, a “matahara”, ou assédio maternal, a prática de submeter as mulheres a uma forte pressão para que “escolham” entre ter filhos ou uma carreira profissional. Uma em cada quatro mulheres sofre assédio maternal, afirmou, citando dados da Confederação de Sindicatos, enquanto 60% das trabalhadoras geralmente se demitem depois de terem seu primeiro filho.
Ela mesma foi vítima de matahara nas duas vezes em que ficou grávida, porque se negaram a lhe conceder licença maternidade. Decidida a lutar contra essa forma de discriminação, Osakabe fundou a organização Matahara Net, que em menos de um ano chegou a mais de cem mulheres vítimas de assédio maternal. Sua luta também levou o governo a tomar medidas, e inclusive a justiça determinou que as degradações ou demissões por gravidez são, em princípio, ilegais.
Foi uma dura vitória porque enfrentou “tremendas reações” em muito setores, inclusive femininos. “As donas de casa e as mulheres dedicadas às suas carreiras, dois grupos obrigados a escolher entre o trabalho e os filhos, são os que mais fizeram frente”, contou.
Em um país onde as mulheres representam uma em cada três pessoas pobres e são 63% dos que têm empregos, que pagam menos de 38% do salário de um trabalhador de tempo integral, a matahara ameaça aumentar a brecha de gênero.
Em 2060, estima-se que a população do Japão diminuirá dois terços em relação aos seus atuais 127 milhões de habitantes. As autoridades se preocupam com o futuro da população economicamente ativa e, no entanto, a sociedade continua demonizando as mulheres que querem formar uma família e ter um salário, lamentou Osakabe.
A ativista birmanesa May Sabe Phyu trabalha muito para conseguir justiça e dignidade para as minorias étnicas e religiosas de seu país, especialmente para as pessoas deslocadas em seu Estado natal de Kachin, onde o conflito civil obrigou cerca de 120 mil a abandonarem seus lares desde 2011.
Em um país cada vez mais intolerante com as minorias, Phyu trabalha em um contexto cruel. Há dois meses, soldados birmaneses violaram e mataram duas mulheres kachin que trabalhavam com professoras voluntárias em uma aldeia do vizinho Estado de Shan. Ela própria recebe ameaças e sofre constante assédio e acusações legais, mas segue em frente.
Como fundadora da Rede para a Paz em Kachin e da Rede de Mulheres Kachin para a Paz, Phyu defende incansavelmente os direitos de mulheres, meninas e meninos deslocados, os que mais sofrem a violência nos acampamentos provisórios. Além disso, está à frente da Igualdade de Gênero Já, uma coalizão de 90 organizações que defendem os direitos das mulheres.
“Quando soube que tinha sido escolhida para o prêmio, disse a mim mesma: realmente mereço?”, contou Phyu à IPS, porque há tantas mulheres que demonstram um grande valor em momentos difíceis. Ela se referia à sua amiga kachin, a primeira que lhe abriu os olhos para a difícil situação das pessoas deslocadas e para a discriminação de gênero. “É meu símbolo de valor e, quando me sinto prostrada, olho para ela, escuto sua voz e seu fundamento renovam minhas forças”, contou.
Entre as outras premiadas está Niloofar Rahmani, a primeira mulher a se converter em piloto da Força Aérea na história do Afeganistão.
Na lista também está a paquistanesa Tabassum Adnan, moradora do vale de Swat, outrora sob controle do grupo extremista Talibã. Ela sobreviveu a 20 anos de abusos físicos e mentais antes de encabeçar a primeira jirga (conselho) de mulheres dedicado a assuntos como ataques com ácido, assassinatos por honra e a “swara”, a prática de trocar mulheres para resolver disputas ou compensar um crime.
Afeganistão e Paquistão são lugares extremamente perigosos para as mulheres. A Comissão Independente de Direitos Humanos afegã registrou mais de três mil casos de violência contra a mulher em seis meses no ano de 2012, e a polícia paquistanesa contabilizou 160 ataques com ácido em 2014, embora organizações da sociedade civil afirmem que o número real é muito maior.
Nesses países, lutar contra a discriminação costuma ser um assunto de vida ou morte, mas isso não desanimou essas mulheres de optarem pelo caminho da liberdade. As demais ganhadoras são ativistas e jornalistas de Bolívia, Guiné, Kosovo, República Centro-Africana e Síria. Envolverde/IPS