Internacional

Difícil integração de deficientes palestinos

Jogadores de tênis de mesa no Centro Esportivo Majd, que atende pessoas com deficiências em Ramalá, no território palestino da Cisjordânia. Foto: Silvia Boarini/IPS
Jogadores de tênis de mesa no Centro Esportivo Majd, que atende pessoas com deficiências em Ramalá, no território palestino da Cisjordânia. Foto: Silvia Boarini/IPS

Por Silvia Boarini, da IPS – 

Ramalá, Cisjordânia, 16/5/2016 – Apesar de ter ratificado a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas Deficientes e de ter aprovado leis progressistas nessa área, as autoridades palestinas têm dificuldades para passar à ação e ajudar entre 7% e 11% da população nessa situação.No contexto da ocupação israelense em Gaza e na Cisjordânia, que dificulta o desenvolvimento da Autoridade Nacional Palestina, a preservação dos direitos das pessoas deficientes cai parao final da lista de prioridades e no extremo oposto à segurança e à defesa.

Nos últimos 30 anos, um crescente número de organizações e outras instituições incluíram em sua missão melhorar os direitos de pessoas deficientes e a supervisão de toda violação contra elas.Muitas das lesões ou outros problemas são o resultado de duas intifadas (levante popular palestino contra a ocupação israelense), dos permanentes enfrentamentos com as forças de ocupação e de três guerras em Gaza.

A possiblidade de conseguir que ministérios e outros órgãos estatais assumam sua responsabilidade pela falta de assistência é objetivamente mínima. Isso deixa nas mãos de pequenas organizações não governamentais e de ativistas o trabalho de criar consciência sobre as necessidades das pessoas deficientes entre a população e os dirigentes, bem como lutar dia a dia por sua integração.

Suzanne, de 25 anos e residente em uma aldeia perto de Ramalá, tem espinha fendida ao meio e anda em cadeira de rodas, da qual observa um grupo de homens e mulheres com diferentes deficiências jogando tênis de mesa. “Não quero que as pessoas tenham pena de mim”, disse Suzanne à IPS, enquanto esperava sua vez para jogar. “Não quero caridade, quero oportunidades”, ressaltou.

A jovem está no Centro Esportivo Majd, parte de um complexo de reabilitação Abu-Raya, em Ramalá, um dos poucos locais bem equipados a cargo de voluntários deficientes que oferece atividades esportivas adaptadas às diferentes necessidades de pessoas deficientes. Fundado em 1996, pouco depois da primeira intifada, o Centro permitiu que a Palestina tivesse sua primeira equipe de basquete em cadeira de rodas e agora espera poder apresentar sua equipe de tênis de mesa em um torneio internacional.

Para mulheres jovens como Suzanne, representa uma esperança e é uma grande oportunidade para poder – ainda que seja – sair de sua casa.“Em nossa sociedade, as pessoas pensam que se você não anda não é normal”, afirmou à IPS Esham Idkaidek, presidente do Majd. “Por meio do esporte, demonstramos o potencial inerente que todos temos. Queremos mudar a forma como as pessoas nos veem”, acrescentou, ele mesmo um cadeirante.

Suzanne soube da existência do Majd há dois anos,por uma das integrantes da junta esportiva e encarregada de buscar fundos, Amani Samara, que também utiliza cadeira de rodas. Antes de conhecer Samara, Suzanne mal saía de casa. “É um pouco melhor agora, mas às vezes sinto que estou em prisão domiciliar. Minha mãe me fechava no meu quarto para evitar que eu saísse. Inclusive tentou queimar minha cadeira de rodas”, contou.

Quando consegue sair, Suzanne tem de enfrentar outros obstáculos, desde crianças que atiram pedras, passando por escadarias que impedem sua circulação, até o olhar dos curiosos. Mas procura fazer com que isso não a afete. A jovem foi obrigada a abandonar os estudos depois do primário, quando a hostilidade de seus professores foi extrema. Só por isso, explicou, está farta de perder coisas.

Samara a ajuda em sua luta diária. “Às vezes chamo sua família e procuro fazer com que compreendam seu desejo de estar ativa, de fazer coisas. Há pouquíssima ajuda aqui, mas é preciso entender suas necessidades”, afirmou.Samara espera poder criar mais oportunidades no Centro para pessoas como Suzanne. “Queremos melhorar os equipamentos para a equipe de tênis de mesa e também organizar painéis de bijuteria e bordado”, explicou.

Mas não é fácil conseguir os fundos necessários. “O mais difícil é conseguir que as pessoas venham até aqui”, lamentouSamara. “Em toda a Palestina não existe um ônibus para transportar cadeirantes. Às vezes podemos pagar um táxi, mas é caro e nada fácil.É um grande obstáculos para nós”, pontuou.

Fomentar a integração e a independência também é a meta de outro centro de Ramalá, a Sociedade de Beneficência Jasmine, criada em 2003 por um grupo de pais e cuidadores. Atualmente atende cerca de 84 crianças e jovens entre um e 25 anos com diferentes deficiências mentais. Paralisia cerebral, síndrome de Down ou autismo são apenas algumas das situações que o centro atende.

“A ajuda do Ministério da Saúde ou do Ministério de Assuntos Sociais disponível para as famílias é muito limitada”, disse à IPS a coordenadora do centro, Fatima Eid. Como no centro esportivo de Abu-Raya, a Jasmine funciona graças a uma mescla de doações da Palestina e do exterior, bem como de seus membros.

“Nosso objetivo é que se convertam em adultos independentes”, afirmou à IPS Nur Issa, uma jovem terapeuta ocupacional. Em seu escritório está Tala, de 22 anos e com síndrome de Down. Em perfeito inglês, já que viveu quase toda sua vida nos Estados Unidos, explica porque gosta de estar na Jasmine. “Gosto dos professores e de ajudá-los, especialmente quando trocam os bebês”, sorriu, timidamente.

Graças a sessões de terapia da linguagem, terapia ocupacional, atividades para melhorar as habilidades motoras finas e atividades cotidianas, muitos estudantes conseguirão, como Tala, certo grau de independência. Mas outros necessitarão de apoio permanente.Isso requer uma melhor rede de serviços públicos para as famílias. “Trabalhamos muito para que a questão da deficiência faça parte da agenda do governo e para conscientizar. A situação melhora lentamente”, apontou Eid.

A Jasmine faz parte de numerosos comitês e grupos que reúnem várias organizações não governamentais e sindicatos que trabalham com – e que representam – pessoas com deficiência. Porém, diante da falta de um órgão legislativo e de instituições que assumam responsabilidades, é muito difícil conseguir a mudança.Sem desanimar por tudo que lhe resta pela frente, Issa está pronta para voltar ao trabalho. “Gosto de poder ajudar estas crianças a melhorarem. Há alguns dias um deles conseguiu contar até dez. Faz tempo que trabalhamos com ele e queríamos fazer uma festa. É uma sensação maravilhosa”, contou.

As organizações esperam que o governo e as autoridades possam começar logo a implantar as leis e cumprir as convenções adotadas para ajudar a sociedade civil a integrar as pessoas com deficiência à sociedade palestina. Envolverde/IPS