Por Fernando Cardim de Carvalho*
Rio de Janeiro, Brasil, 19/5/2016 – Como muitos esperavam, o Senado iniciou, no dia 12 de maio, o trâmite judicial contra a presidente Dilma Rousseff, que será submetida a um julgamento político.
De acordo com a lei brasileira, Dilma ficará suspensa durante um máximo de seis meses, enquanto são apresentados os argumentos no Senado, transformado em um tribunal de justiça liderado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).
Ao final do processo, a presidente poderá ser absolvida e voltar ao poder ou condenada e perder seu mandato, além de ficar inabilitada para a atividade política durante oito anos.
Embora o processo apenas tenha começado, pouquíssimos esperam que Dilma volte à Presidência. A quantidade de votos que levou à sua suspensão foi esmagadora e torna quase certo que o resultado será a condenação, a menos que fatos drásticos e inesperados mudem seu curso.
Portanto, em geral considera-se que a transferência de poder ao vice-presidente, Michel Temer é definitiva, e que este continuará no cargo até o fim legal do mandato, em 2018.
O que se pode esperar da administração de Temer? Não muito, para dizer a verdade. O mais lógico segue sendo que a crise política continuará e, em todo caso, se aprofundará nos próximos meses e anos até as eleições de 2018.
A profunda crise econômica que o país sofreu nos últimos dois anos provavelmente continuará, embora possivelmente mitigada por uma recuperação cíclica “natural”, que, de todo modo, se prevê que será débil e frágil, devido, entre outras razões, à provável incapacidade do novo governo de alcançar certo grau de estabilidade política.
Temer é o líder nominal do maior partido político do país, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro(PMDB). É um líder nominal, porque há tempo o partido se transformou em uma federação de interesses regionais que não respondem a uma direção central.
O PMDB é um partido tradicionalmente hábil para os pactos e nunca dá seu pleno apoio a um governo que não contemple a totalidade dos principais grupos de interesses regionais que o compõem.
Até há pouco tempo, Temer era o presidente do PMBD, mas exercia pouquíssimo poder efetivo sobre o partido em seu conjunto. A primeira ordem do dia para um governo liderado por ele será adquirir – e adquirir é o termo exato – o apoio de vários grupos do PMDB suficientemente grandes para que o apoiem no Congresso.
A dificuldade de uma configuração desse tipo fica ilustrada pela incapacidade de os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, além da própria Dilma, fazerem um pacto similar.
Cada presidente procura comprar o apoio do partido envolvendo sua direção nacional, mas descobre que o partido só pode ser comprado no varejo, grupo por grupo. Os demais partidos da coalizão de Temer pertenciam à coalizão de Dilma até a véspera da votação no Senado.
Trata-se de partidos pequenos criados para negociar em pequena escala e que estão em um movimento institucional perpétuo. Desprovidos de uma perspectiva política ou de um programa coerente, apoiam qualquer governo que se mostre capaz de outorgar cargos e recursos públicos.
A adesão perdura em função da probabilidade de a administração permanecer no poder. Quando as probabilidades de sobrevivência se deterioram, as deserções em massa aceleram o desaparecimento do governo. Ao final, a única diferença entre a coalizão tirada do poder e a que assumirá seu lugar é a substituição do Partido dos Trabalhadores (PT) e seus satélites, pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).
O PSDB, embora não estivesse corroído pelas divisões internas entre os possíveis candidatos para as eleições presidenciais de 2018, é tão incapaz de estabilizar uma coalizão do governo como foi o PT. A “nova” configuração política é, portanto, tão instável como a que acaba de ser substituída.
A nova equipe de Temer começa sua administração prometendo reformas políticas liberais duras. De todo modo, ninguém promete reformas políticas que não considere possíveis na situação atual.
O discurso é claramente conservador, mas a única diferença em relação ao discurso posterior à reeleição de Dilma é a consideração de novas privatizações entre as formas de melhorar a situação financeira do governo federal.
O novo ministro da Economia, Henrique Meirelles – e que Lula queria que Dilma propusesse para seu segundo mandato – anuncia a necessidade de controlar os déficits fiscais, mas sabe que não há nada que possa fazer a diferença no curto e médio prazos que ele possa utilizar.
Fala-se de idade mínima para a aposentadoria, mas este é um instrumento de longo prazo que não poderia ser utilizado no caso das pessoas prestes a se aposentarem. Fala-se da necessidade de renda, mas maiores impostos ou a criação de novos são inaceitáveis.
O ministro menciona o corte dos subsídios para as empresas, que aumentaram drasticamente durante o primeiro mandato de Dilma, mas pode-se ser cético sobre sua viabilidade política em uma coalizão conservadora como a dirigida por Temer.
Provavelmente, o governo seja ajudado pelo fato de haver muitos indícios de que a economia está chegando ao fundo. As economias capitalistas, como bem se sabe, são cíclicas, mesmo quando os governos não adotam políticas econômicas equivocadas.
A queda da produção em 2015, ao que parece, perdeu velocidade recentemente. Quando se chega ao fundo só há dois resultados possíveis: a economia pode permanecer ali e os governos celebrarão a “estabilidade” recentemente adquirida, ou pode começar a melhorar, e os governos comemorarão a sensatez de suas políticas que promoveram a “recuperação”.
Não pode haver nenhuma dúvida de que essa estabilidade, ou a recuperação, será celebrada pelos grupos políticos no governo e por seus amigos, mas nada substancial terá mudado e as possibilidades de retomadado crescimento continuarão sendo escassas.
Na direção contrária pode-se esperar um agravamento dos conflitos políticos dirigidos por grupos organizados como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e os sindicatos, sobretudo no setor público, que colocarão à prova os nervos e a determinação do novo governo.
Se o governo não conseguir lidar com eles, pode comprometer sua permanência no cargo e se abriria um novo período de crise. Se o governo recorrer à repressão com o risco de violência, só fará reforçar a acusação de que é produto de um golpe de Estado direitista entre os eleitores e a comunidade internacional, que parece responder timidamente às tentativas do novo governo de legitimar a mudança de guarda.
Em resumo, Dilma foi tirada da Presidência sem nem mesmo ter começado a governar depois de sua reeleição. Apesar das tentativas de seus seguidores de apresentá-la como vítima de uma grande conspiração da direita, os fatos sugerem que ela foi, em grande parte, mas não exclusivamente, a responsável por sua queda.
O novo governo terá que lidar com problemas de natureza muito similar aos que afetaram o primeiro ano e meio do segundo mandato de Dilma. As possibilidades de êxito de Temer são extremamente escassas. As probabilidades de a crise política continuar e, talvez, aprofundar, são esmagadoras, inclusive se a crise econômica se atenuar quando a recessão chegar ao fundo. Envolverde/IPS
*Fernando J. Cardim de Carvalho é economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.