Internacional

Disputas tribais em Papua-Nova Guiné

Guerreiros que se enfrentaram durante mais de dois meses, este ano, na aldeia de Kenemote, dizem que querem paz na província de Terras Altas Orientais, em Papua-Nova Guiné. Foto: Catherine Wilson/IPS

Por  Catherine Wilson, da IPS – 

Goroka, Papua-Nova Guiné , 19/8/2015 – Alicerces carbonizados são tudo o que resta das moradias da aldeia de Kenemote, na montanhosa província de Terras Altas Orientais, em Papua-Nova Guiné, após um enfrentamento entre clãs, que deixou nove mortos, entre elas um menino pequeno. Há quatro meses e meio, as disputas entre quatro clãs da tribo kintex, utilizando armas de guerra, além de arco e flechas, sacodem a região.

No começo de abril, um deles acusou outro de usar veneno ou bruxaria para semear a morte na comunidade. As mulheres e as crianças estão traumatizadas. O clã vitorioso se assentou nas ruínas da aldeia, enquanto os outros três, que constituem três quartos dos 1.500 residentes de Kenemote, fugiram e estão dispersos em outros assentamentos vizinhos.

Há dois anos, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha destina enormes recursos para ajudar as vítimas de enfrentamentos entre clãs em pelo menos quatro dos oito distritos da província, oferecendo abrigo temporário, cuidados médicos, água e alimentos.

Em uma província com cerca de 579 mil habitantes, a polícia diz que precisa lidar com aproximadamente 30 conflitos distintos. O número de vítimas e o sofrimento por causa dos enfrentamentos tribais aumentou nos últimos 20 a 30 anos, devido ao acesso a armas de guerra. O tráfico faz com que os moradores locais tenham rifles como M-16 ou AK-47 e granadas.

Mulheres, meninas e meninos vivem com medo, insegurança e falta de alimentos desde que começou um enfrentamento entre clãs, em abril deste ano, na aldeia de Kenemote, na província de Terras Altas Orientais, em Papua-Nova Guiné. Foto: Catherine Wilson/IPS

A população alega precisar das armas para sua segurança, a de seus negócios e suas comunidades, pela ausência do Estado, especialmente das forças de segurança, nas zonas rurais, onde vivem mais de 80% dos 7,3 milhões de habitantes deste país do sul do Oceano Pacífico. Mas as armas também se tornaram símbolo de status e poder para os homens, adultos e jovens.

As consequências são cada vez mais trágicas, segundo Robin Kukuni, da Cruz Vermelha de Terras Altas Orientais, porque a maioria dos aldeões “não tem nenhuma capacitação no manejo de armas de fogo, por isso disparam indiscriminadamente e muitas mulheres e crianças morrem”.

Os combates entre clãs sempre existiram em Papua-Nova Guiné, cujos habitantes pertencem a mil grupos étnicos e linguísticos distintos. O Estado de Papua-Nova Guiné  foi criado há 40 anos e a maioria da cidadania ainda é regida por normas tradicionais para resolver disputas, especialmente nas comunidades rurais.

Porém, novos ingredientes, como os benefícios e as compensações vinculadas a projetos de extração de recursos, fizerem com que os enfrentamentos deixassem de respeitar regras como a proibição de violar mulheres e crianças. Agora empregam táticas de guerrilha que geram atrocidades e fomentam abusos.

O Centro de Monitoramento de Deslocados Internos estima que existam 22.500 pessoas nessa situação em Papua-Nova Guiné, devido a conflitos tribais e desastres naturais. Mas o Comitê Internacional da Cruz Vermelha estima que o número real pode ser cinco vezes maior, cerca de 110 mil pessoas, as quais podem permanecer como deslocadas por até dez anos.

Meninas e meninos da aldeia de Kenemote, na província de Terras Altas Orientais, em Papua-Nova Guiné, não podem ir à escola por causa do enfrentamento entre clãs, que eclodiu em 2015. Foto: Catherine Wilson/IPS

A organização Voice for Change (Voz para a Mudança) conseguiu, em 2012, um acordo de paz entre dois clãs da tribo kondika, que se enfrentavam desde 2009 na província de Jiwaka. A diretora da entidade, Lilly Be’Soer, explicou que o processo de mediação, reconciliação, reassentamento e integração é muito longo, e que vários aspectos contribuíram para o êxito de suas negociações de paz, após falharem quatro tentativas.

Houve um êxito significativo quando a organização reuniu e assessorou mulheres das comunidades deslocadas para que fossem capazes de falar em público a um grupo de homens, chefes de aldeias e agentes da polícia sobre as dificuldades que deviam enfrentar, como as crescentes pobreza e insegurança.

Mas o reassentamento de aproximadamente 500 pessoas é um desafio permanente. “Quando as entrevistamos, o principal era que queriam regressar à terra de seus maridos, porque ali têm certo status e certa segurança. As mulheres temiam que, se continuassem morando em outras terras, as suas não estivessem disponíveis para seus filhos”, explicou Be’Soer.

Após um longo processo de consultas, chegou-se a um acordo entre as pessoas deslocadas e as ocupantes com várias condições. Mas estas “não foram cumpridas e também não funcionou a supervisão de seu cumprimento”, acrescentou a diretora da Voice for Change. Os mais afetados são as crianças que não podem comer bem nem ir à escola. Além disso, aumenta o risco de violência sexual contra as mulheres em um país que ocupa o 135º lugar entre 187 em matéria de desigualdade de gênero.

Em um mês haverá outra tentativa de trasladar as famílias, mas, mesmo se isso for feito, há outras obrigações culturais a serem cumpridas antes de dar por encerrado o processo. “Na última etapa, será preciso dar uma compensação pelas pessoas mortas. Uma vez encerrada, dentro de quatro ou cinco anos, então os clãs terão que conseguir porcos suficientes para matar e oferecer às pessoas que os alojaram quando estavam deslocados. Levará tempo, outros quatro, cinco, ou até dez anos”, destacou Be’Soer à IPS.

A organização Voice for Chance, encabeçada por Lilly Be’Soer, trabalha incansavelmente, há seis anos, para conseguir a paz e reassentar as pessoas deslocadas pelos enfrentamentos entre clãs na província de Jiwaka, em Papua-Nova Guiné. Foto: Catherine Wilson/IPS
A organização Voice for Chance, encabeçada por Lilly Be’Soer, trabalha incansavelmente, há seis anos, para conseguir a paz e reassentar as pessoas deslocadas pelos enfrentamentos entre clãs na província de Jiwaka, em Papua-Nova Guiné. Foto: Catherine Wilson/IPS

Em Terras Altas Orientais, a expectativa de vida é de aproximadamente 55 anos e a mortalidade infantil de 73 para cada mil nascidos vivos, abaixo da média da capital, Port Moresby, onde as pessoas vivem em média 59 anos e são registradas 27 mortes de menores de cinco anos para cada mil nascidos vivos.

Quanto ao futuro, é necessário evitar a escalada de violência, ressaltou Kukuni, da Cruz Vermelha. “Os tribunais da aldeia e os líderes comunitários poderiam fazer muito mais para deter uma disputa nas primeiras etapas, antes que piore”, afirmou. A Voice for Change também destaca a importância de promover uma mudança geracional, por meio da educação dos jovens para que compreendam as consequências, no longo prazo, da violência em suas vidas e dotando-os de capacidades para intervir e implantar formas alternativas na hora de resolver disputas. Envolverde/IPS