Por Thalif Deen, da IPS –
Nações Unidas, 16/9/2015 – A Convenção sobre Munições de Fragmentação (CMR) proibiu o uso destas armas mortais porque liberam pequenas bombas em áreas extensas, o que gera riscos para além da zona de guerra, deixando explosivos sem explodir, que matam civis muito depois do fim dos conflitos. Até agosto, 117 países haviam aderido à CMR, com 95 Estados parte, que assinaram e ratificaram o tratado, e 22 signatários que ainda não deram sua ratificação.
Na Primeira Conferência de Exame da CMR, que começou na semana passada em Dubrovnik, na Croácia, três Estados parte (Austrália, Canadá e Grã-Bretanha) expressaram reservas diante de um projeto de declaração sobre o uso das munições de fragmentação. Os três argumentaram que não podiam aceitar ou aprovar um texto condenando todos os tipos de uso dessas munições, porque interferiria em sua capacidade de realizar operações militares conjuntas com os Estados de fora da CMR.
A Grã-Bretanha, que condenou o uso de bombas de fragmentação na Síria, no Sudão e na Ucrânia este ano, se negou a censurar o uso dessas armas pela coalizão liderada pela Arábia Saudita no Iêmen. Não é de estranhar que a Arábia Saudita seja um multimilionário mercado para as armas fabricadas na Grã-Bretanha, que vendeu modernos aviões de combate, mísseis e bombas guiadas de precisão a esse rico país petroleiro.
Segundo Steve Goose, das organizações Human Rights Watch e Coalizão Contra as Munições de Fragmentação, para que a CMR tenha êxito, os Estados parte devem condenar o uso absoluto dessas armas, sem importar o responsável ou o lugar. “Os Estados partes não podem ser seletivos em sua condenação, segundo a relação que tenham com o infrator, ou pelo tipo de munição de fragmentação usada”, destacou. Se um Estado parte faz silêncio sobre o uso confirmado dessas armas, pode-se argumentar que, nos fatos, está aceitando seu uso e, portanto, descumpre suas obrigações decorrentes da CMR, enfatizou.
Thomas Nash, diretor da organização britânica Article 36, apontou à IPS que seu país tentou impedir que a comunidade internacional condenasse estas armas proibidas em uma reunião dos Estados parte da CMR. E recordou que a Grã-Bretanha se nega a condenar o uso das bombas de fragmentação no Iêmen pelas forças lideradas pela Arábia Saudita.
“A proteção dos civis deve ser apolítica. Ao escolher quando quer condenar o uso das bombas de fragmentação, a Grã-Bretanha está fazendo política com a proteção da população civil”, denunciou Nash. “As tentativas britânicas de diluir a condenação internacional dessas armas exibem um cruel desprezo pelo sofrimento humano que elas causam”, acrescentou.
Segundo a Article 36, antes da assinatura da CMR, em 2008, a Grã-Bretanha empregou bombas de fragmentação na guerra das Malvinas (1982), em Kosovo (1998-1999) e no Iraque (1991-2003). A Grã-Bretanha também vendeu dessas bombas para a Arábia Saudita antes de 2008, mas não está claro se entre elas se encontrava o tipo de munição de fragmentação utilizada no Iêmen.
Nash pontuou à IPS que Londres não quer condenar o uso das bombas de fragmentação porque poderia desestimular alguns países de aderirem ao tratado no futuro, “mas isso não tem sentido”. A Grã-Bretanha tem a obrigação legal de desestimular o uso dessas armas por parte de qualquer país, e condenar seu emprego é a melhor maneira de fazê-lo, acrescentou. Londres é alvo de um forte escrutínio por causa de suas vendas de armas aos sauditas e há grande preocupação com relação ao cumprimento por esse país dos direitos humanos e do direito internacional humanitário.
Mais além de a negativa de Londres de condenar o uso das bombas de fragmentação pela coalizão liderada pela Arábia Saudita no Iêmen estar diretamente relacionada às transferências de armas britânicas para os sauditas, é evidente que a política britânica nesse campo é muito duvidosa, apontou Nash. “A melhor maneira para a Grã-Bretanha deixar isso claro é condenar o uso dessas bombas por parte das forças da Arábia Saudita no Iêmen”, acrescentou.
Nash também afirmou que, historicamente, a Grã-Bretanha é muito influenciada pelos Estados Unidos na questão das munições de fragmentação, e, como a Arábia Saudita, Washington não gostaria que Londres condenasse o seu uso por parte de qualquer país. Novamente, Washington está do lado errado da história quando se trata das bombas de fragmentação, e Londres, que assinou e ratificou a CMR, tem que escolher o lado que deseja estar, ressaltou Nash.
Nicole Auger, analista para Oriente Médio da empresa de pesquisa de mercado de defesa Forecast International, afirmou à IPS que a Arábia Saudita continua sendo um mercado importante para a Grã-Bretanha. “Creio que no ano passado a Arábia Saudita foi o maior mercado de importação de armas britânicas, com cerca de US$ 2,4 bilhões”, destacou. Envolverde/IPS