Internacional

É hora de erradicar a malária na América

A malária tem consequências lamentáveis para as mulheres grávidas com HIV e seus bebês. Dormir sob um mosquiteiro e tomar o comprimido contra a malária ajuda a mantê-las a salvo. Foto: Mercedes Sayagues/IPS
A malária tem consequências lamentáveis para as mulheres grávidas com HIV e seus bebês. Dormir sob um mosquiteiro e tomar o comprimido contra a malária ajuda a mantê-las a salvo. Foto: Mercedes Sayagues/IPS

Por Hervé Verhoosel*

Nações Unidas, 5/11/2015 – Em geral, associa-se a malária a África e Ásia, e não é das primeiras doenças que veem à mente quando se fala da Américas. Já se passaram 60 anos desde que os Estados Unidos foram declarados livres da malária. Além disso, muitos países da América Latina e do Caribe fizeram grandes progressos na luta contra a doença nos últimos anos, seja convertendo-a em um problema do passado ou em um assunto irrelevante.

Porém, amanhã, dia 6, celebraremos o nono Dia da Malária nas Américas com 120 milhões de pessoas em risco de contrair a doença no continente. Como muitos dos países envolvidos estão próximos de atingir a meta de erradicá-la, devemos aproveitar essa oportunidade para refletir sobre as lições aprendidas e renovar o compromisso de consegui-lo de uma vez por todas.

Não há melhor momento do que agora, quando restam poucos dias para vencer o prazo de cumprimento dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), aos quais se seguirá a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável.

Desde 1998, quando foi fundada a Aliança para Fazer Retroceder a Malária (RBM), cem países foram declarados livres da enfermidade, seis milhões de mortes foram evitadas e alcançou-se a meta de “deter e começar a reduzir, em 2015, a incidência da malária”, no sexto dos ODM e, em alguns casos, até foi superada.

Os êxitos foram possíveis graças aos investimentos globais, entre os quais se incluem doadores regionais, como a Iniciativa Contra a Malária, do presidente dos Estados Unidos e do governo do Canadá, bem como mecanismos multilaterais, como o Fundo Mundial de Luta Contra a Aids, a Tuberculose e a Malária.

A América Latina não é a exceção nesses avanços sem precedentes. A liderança técnica da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e o compromisso político contribuíram para redobrar as intervenções que reduziram as mortes por malária em quase 78% entre 2000 e 2013.

Em 2016, a Argentina poderá chegar a ser o segundo país do Hemisfério Ocidental a receber o certificado de livre da malária, e é seguida por Costa Rica, El Salvador, Equador e Paraguai, o que aproxima a região, como nunca antes, da erradicação da enfermidade.

Hervé Verhoosel. Foto: Cortesia do autor
Hervé Verhoosel. Foto: Cortesia do autor

No contexto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que incluem a meta de erradicar a malária até 2030, devemos aproveitar os êxitos obtidos para salvar vidas e destravar o potencial das comunidades da região.

Para responder ao chamado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Aliança RBM criaram a Estratégia Técnica para a Malária 2016-2030” (GTS) e o plano Ação e Investimento Para Vencer a Malária 2016-2013 (AIM) por um Mundo Livre de Malária, que juntas oferecem um contexto complementar para desenhar estratégias locais e mobilizar ações e recursos para conseguir a erradicação da doença nos próximos 15 anos.

Esse marco foi divulgado em julho, dentro da terceira Conferência Anual sobre Financiamento para o Desenvolvimento, realizada na capital da Etiópia, pelo secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, e por vários chefes de Estado. Além disso, será apresentada na reunião de ministros da Saúde do Mercosul, que acontecerá na segunda semana de novembro, no Paraguai.

Mas somente a ambição e a visão estratégica não nos levarão à meta. Também devemos assegurar os fundos necessários para alcançar o compromisso de erradicar a malária, assumido pelos governantes que aprovaram os ODS e que os especialistas estimam que superam os US$ 100 bilhões.

Os fundos internacionais e locais alcançaram seu máximo em 2013, com US$ 2,7 bilhões, mas atualmente escasseiam os recursos. Só na América Latina, uma região que encabeçará os esforços para a erradicação, os fundos diminuíram de US$ 214 milhões para US$ 140 milhões, entre 2011 e 2013.

Para manter os esforços são necessárias contribuições internacionais e locais nos países afetados. Não será barato, mas nosso investimento inicial é insignificante em comparação com as consequências de não consegui-lo.

Havendo indícios do ressurgimento da malária em países como Venezuela, Guiana e Haiti, em grande parte devido à migração e a sistemas de vigilância deficientes, a falta de ação agora colocará em risco nossos êxitos e ameaçará os esforços de desenvolvimento na região. Além de ser uma questão moral, investir na luta contra a malária é um investimento seguro.

Se forem cumpridos os objetivos da AIM, serão evitados quase três mil casos no mundo e se salvarão mais de dez milhões de vidas. Não são apenas número, são pessoas que vão à escola e formam uma força de trabalho saudável capaz de devolver cerca de US$ 4 trilhões entre 2016 e 2030.

Na medida em que avançamos com os olhos voltados para a meta, os governos da região devem continuar, e inclusive aumentar, seu compromisso para o controle da malária, incluindo colaborações multissetoriais e transfronteiriças com a Iniciativa para a Eliminação da Malária na Mesoamérica, Campeões Contra a Malária nas Américas e a Iniciativa Amazônica Contra a Malária.

O setor privado também tem um papel a cumprir, mediante o investimento contínuo em seus empregados e em suas comunidades de operações. A ampliação de esforços não só ajudará a salvar vidas e reduzir a carga econômica para as  sociedades e os governos, como também incentivarão o turismo e o comércio regionais.

Ao comemorarmos o último Dia da Malária das Américas antes de passar à era posterior a 2015, recordemos que não ficaremos livres da enfermidade enquanto não estivermos todos livres dela; alcançar esse objetivo é fundamental para cumprir os demais ODS.

Contamos com as ferramentas e os conhecimentos e agora com a Estratégia Técnica Para a Malária 2016-2030 e o plano Ação e Investimento Para Vencer a malária 2016-2013 (AIM) poderemos aproveitar as lições aprendidas, continuar trabalhando e nos unirmos, além de fronteiras e setores, para conseguir erradicar a malária de forma sustentável. Envolverde/IPS

* Hervé Verhoosel é representante em Nova York e diretor de Relações Externas da Aliança para Fazer Retroceder a Malária.