Por Patricia Grogg, da IPS –
Havana, Cuba, 20/7/2016 – O fantasma do período especial, como foi chamada a aguda depressão dos anos 1990, percorre atualmente os lares de Cuba, embora governo e especialistas coincidam em que a nova crise é diferente e existem recursos para enfrentá-la. O presidente Raúl Castro reconheceu, este mês, a crise e alertou o país para tempos duros pela frente, enquanto tomava medidas a favor da economia de energia e da contenção de gastos de divisas, além de substituir o ministro de Economia e Planejamento, Marino Murillo, por Ricardo Cabrisas, um veterano e eficaz negociador das áreas de comércio exterior e relações financeiras.
No começo de julho, Castro e Murillo, ainda ministro, insistiram em que o programa de ajustes criado para enfrentar a falta de liquidez financeira e o desabastecimento de petróleo afetará “o menos possível” os 11,2 milhões de habitantes do país. Mas já são numerosas as queixas por cortesinesperados no fornecimento de energia.A empresa estatal Unión Eléctrica insistiu, este mês, em que os cortes para o setor residencial se devem a imprevistas quebras e à poda de árvores, comuns no início da temporada de ciclones, entre junho e novembro.
De fato, tempestades elétricas, ocorridas desde o começo do período de furacões, já causaram falhas no fornecimento de energia em vários bairros de Havana. As medidas aplicadas pelo governo para enfrentar a crise incluem diminuir o fornecimento de eletricidade em organismos e empresas do Estado e redução no gasto em divisas. Além disso, é dada prioridade ao uso da reduzida disponibilidade de divisas e de oferta energética aos setores que garantem renda externa, como o turismo, e que substituem importações.
“No momento não haverá novo período especial, mas é muito provável que a economia entre em recessão, isto é, que diminua o produto interno bruto (PIB), e obviamente isso terá um impacto negativo no consumo e no nível de vida dos cubanos”, apontou à IPS, da Colômbia, o economista cubano Pável Vidal.
Durante a grave recessão que se seguiu à extinção da União Soviética e ao desaparecimento do bloco socialista, no começo dos anos 1990, Cuba perdeu o fornecimento de petróleo procedente de Moscou e seus principais mercados. Os apagões passaram a ser chamados popularmente de “alumbrones” por causa de sua frequência. Entre 1989 e 1993, a fase mais crítica do período especial, o país registrou queda de 34,8% de seu PIB.
A contração no fornecimento de combustível pela Venezuela, principal sócio comercial de Cuba neste século, se repete entre os analistas como a origem dos problemas que desaceleraram a economia no primeiro semestre de 2016, quando cresceu apenas 1%, a metade do previsto.Segundo um convênio vigente desde 2000, Caracas abastece Havana com 90 mil barris diários de petróleo, em troca de professores, médicos e outros serviços. O corte repentino desse intercâmbio geraria a Cuba gasto de US$ 1,3 bilhão anuais, segundo especialistas internacionais.
“A analogia é evidente, embora Caracas represente hoje menos do que Moscou significou há mais de duas décadas para o comércio, o desenvolvimento e as finanças de Cuba”, afirmou em um artigo sobre o assunto Ariel Terrero, jornalista especializado em temas econômicos.Não há dados oficiais sobre a redução da chegada de petróleo venezuelano ao país.
Apesar de sua baixa qualidade, a produção cubana de petróleo pesado, que precisa ser deixado leve com petróleo importado, e de gás atende 40% do consumo energético do país, incluindo a geração de eletricidade. Existem planos para elevar a matriz energética proveniente de fontes renováveis em 24% até 2030.
Vidal alertou que “se sabia” que a crise da Venezuela teria efeito negativo sobre a economia cubana, mas ainda assim se mantevea alta dependência comercial e financeira em relação a esse país, enquanto a renegociação com credores e a abertura de novos espaços de integração internacional não se traduziu em maiores fluxos comerciais e de investimentos.
Antes de chegar a um novo período especial, “a primeira fase pela qual transitaremos é uma forte contração da disponibilidade de divisas, que colocará em risco a acertada política desses anos, de renegociar e colocar em dia as finanças internacionais”, observou Vidal, professor da Universidade Javeriana de Cali, na Colômbia.Portanto, o primeiro desafio será evitar um “corralito financeiro” como o dos anos 2008 e 2009, acrescentou, se referindo a medidas bancárias restritivas a empresários estrangeiros, adotadas pelo governo cubano na época para equilibrar sua balança de pagamentos.
Vidal reiterou que atualmente as opções para amortizar o impacto incluem dar sinal verde aos projetos de investimento estrangeiro que estão em fase de aprovação e eliminar o monopólio estatal sobre o comércio externo, o que implica abrir um “mercado competitivo de insumos e bens de capital físico”.O especialista também propõe expandir o espaço para pequenas e médias empresas privadas e às cooperativas, com possibilidade de participação dos profissionais. “Isto é, a resposta para a crise tem de ser uma combinação de ajuste (que é o que o governo já tem planejado), mas também de liberalização dos mercados”, afirmou.
A mudança no Ministério de Economia e Planejamento colocouà frente dessa importantíssima pasta, desde o dia 14 deste mês,Cabrisas, de 79 anos, com reconhecida experiência na frente externa, sendo uma de suas últimas gestões a renegociação da dívida cubana com o Clube de Paris, que reúne os credores oficiais, alcançada em dezembro de 2015. Desta vez, terá que usar sua experiência para tratar de preservar a credibilidade de Cuba diante de seus devedores e tornar manejável o endividamento externo.
Murillo, de 55 anos dirigia o Ministério desde setembro de 2014e foi mantido como chefe da Comissão Permanente para a Implantação e o Desenvolvimento, responsável pelo processo de atualização do modelo econômico do país.Em seu discurso na Assembleia Nacional do Poder Popular (parlamento unicameral), no dia 8 deste mês, Castro reconheceu que há alguns atrasos nos pagamentos correntes aos fornecedores, mas assegurou que seu governo mantém “a vontade de recuperar os vencimentos pendentes”.
A difícil conjuntura econômica coincide com o primeiro aniversário do restabelecimento oficial de relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos, que ocorre hoje. Desde então, os dois países mantêm um fluido diálogo, embora a total normalização dos vínculos bilaterais continue entorpecida pela manutenção do embargo econômico norte-americano à ilha.
O presidente norte-americano, Barack Obama, que visitou Cuba em março, anunciou na época a eliminação da proibição à ilha de usar o dólar em suas transações internacionais. Mas “o certo é que ainda não se conseguiu realizar pagamentos nem depósitos em dinheiro nessa moeda”, queixou-se Raúl Castro.Em meio às dificuldades, o governo cubano se prepara para celebrar, no dia 26, mais um aniversário do ataque ao quartel Moncada, comandado em 1953 pelo líder histórico Fidel Castro, que está próximo de completar 90 anos. A data agora é comemorada como Dia da Rebeldia Nacional. Envolverde/IPS