Internacional

Educação ainda é difícil para indígenas

 Estudantes indígenas diante da Unidade Educacional Miskhamayu, em uma isolada região dos Andes bolivianos. Muitos alunos chegam após percorrerem diariamente mais de 12 quilômetros por sua acidentada geografia desde suas comunidades, para repetir o trajeto ao final das aulas. Foto: MarisabelBellido/IPS

Estudantes indígenas diante da Unidade Educacional Miskhamayu, em uma isolada região dos Andes bolivianos. Muitos alunos chegam após percorrerem diariamente mais de 12 quilômetros por sua acidentada geografia desde suas comunidades, para repetir o trajeto ao final das aulas. Foto: Marisabel Bellido/IPS

Por Orlando Milesi, da IPS – 

Santiago, Chile, 4/8/2016 – A educação, o instrumento mais poderoso na luta contra a exclusão e a discriminação, ainda é de difícil acesso para os povos indígenas da América Latina que ainda são os mais desfavorecidos, apesar de terem ampla presença na região.

A crescente necessidade de proporcionar maior acesso a uma educação de qualidade para os povos originários da região, com relação às suas culturas e tradições, continua sendo uma declaração de boas intenções, ainda distante de se transformar em política pública real e de longo prazo, afirmou à IPS o prefeito do município chileno de Tirúa, Adolfo Millabur.

No Chile, por exemplo, “há uma espécie de vontade declarada, mas que não acontece na prática”, apontou Millabur, cujo município, 685 quilômetros ao sul de Santiago, fica na região de La Araucanía, onde se concentra quase 50% da população mapuche, o povo mais numeroso do país.

Millabur cresceu na localidade de El Malo, a 35 quilômetros de Tirúa. Ele e seus oito irmãos acordavam às cinco da manhã e caminhavam diariamente 30 quilômetros até a escola Antiquina. Depois da aula, todos faziam o percurso de volta. Millabur não lembra como aprendeu a ler e garante que não tinha ideia de como assinar um cheque quando, em 1996, com 28 anos, se converteu no primeiro prefeito mapuche do Chile.

O direito à educação é o tema este ano do Dia Internacional dos Povos Indígenas, celebrado no dia 9 deste mês. Isso porque o acesso a uma escolaridade apropriada aos seus métodos culturais de aprendizado e com pleno reconhecimento de sua diversidade, de seus valores e de suas necessidades específicas, incluindo aprender em sua língua materna, é considerado a chave para romper sua vulnerabilidade e exclusão.

Dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) indicam que na América Latina vivem cerca de 45 milhões  de indígenas, o equivalente a 8,3% da população regional, que supera os 605 milhões  de habitantes.

A Bolívia possui pouco mais de dez milhões de habitantes, dos quais 62,2% declaram ser parte de um povo originário, o que transforma este país no de maior porcentagem de indígenas sobre a população total. Em seguida vem a Guatemala, onde 41% de seus pouco mais de 16 milhões  de habitantes declaram ser indígenas (5,9 milhões), o Peru, com 24% da população total afirmando pertencer a um povo originário, e o México, com 15,1%.

Segundo o estudo Os Povos Indígenas da América Latina, publicado em 2014 pela Cepal, existem na região 826 povos indígenas, com um cenário altamente heterogêneo.Em um extremo fica o Brasil, com 900 milindígenas(0,5%do total de sua população)distribuídos em 305 povos originários distintos, seguido de Colômbia (102), Peru (85) e México (78). No outro extremo estão Costa Rica e Panamá com apenas nove povos indígenas cada um, El Salvador (3) e Uruguai (2).

Dois meninos do povo juruna na escola da aldeia indígena de Paquiçamba, nas margens do rio Xingu, na Amazônia brasileira. Foto: Mario Osava/IPS
Dois meninos do povo juruna na escola da aldeia indígena de Paquiçamba, nas margens do rio Xingu, na Amazônia brasileira. Foto: Mario Osava/IPS

Os povos quéchua, nahua, aymara, maia yucateco, ki’che’ e mapuche são os que contam com maior população na região, segundo esse estudo. Apesar de sua presença e influência histórica, os povos originários da América Latina representam um dos coletivos mais desfavorecidos na região, segundo a Cepal. Os indígenas não sofrem apenas a perda sistemática de seus territórios, com graves consequências para seu bem-estar, mas também constituem o grupo mais vulnerável em matéria de pobreza e desigualdade em todos osâmbitos.

Neste cenário, o direito à educação é fundamental para o pleno gozo dos direitos humanos e coletivos, e constitui um instrumento poderoso na luta para a erradicação da exclusão e da discriminação.

“Entre os grandes ausentes das políticas educacionais e também em termos curriculares estão os povos indígenas”, ressaltou à IPS Loreto Jara, pesquisadora de Política Educacional da organização não governamental Educação 2020. “Há uma ausência como sujeito histórico no próprio currículo, mas também como ator social em torno dos processos de participação na construção dos currículos”, acrescentou.

Segundo Jara, embora nos últimos anos tenham sido observados progressos no panorama educacional dos povos indígenas latino-americanos, comete-se o erro de homogeneizar os processos, “porque é mais fácil trabalhar em um cenário mais ou menos semelhante do que atender a diversidade”.

Para a pesquisadora, a educação de qualquer povo originário “tem lógicas diferentes de nosso sistema escolar”, por isso é necessário incorporar, por exemplo, educadores interculturais nas escolas. Jara recordou a experiência da Colômbia, onde há “etnias em quantidade e de natureza diversa, povos menores, dialetos específicos, ligados à recuperação do território e à reivindicação das culturas indígenas”.

Jara acrescentou que nesse país “a cultura indígena é mais visualizada no espaço rural e as escolas rurais estão revitalizando muito o tema das línguas indígenas”, buscando deter a migração dos jovens para as cidades. Isso também ocorre em algumas regiões do México.

Na região chilena de La Araucanía, porém, há 845 escolas com ensino do mapudungun, a língua mapuche, até o quarto ano do ensino básico. Delas, 300 contam com apoio direto do Ministério da Educação e as demais com apoio de um mantenedor particular, explicou María Díaz Coliñir, supervisora do programa de Educação Intercultural Bilíngue, do governo.

A legislação chilena diz que todas as escolas com mais de 20% de alunos de origem indígena devem ter programas de educação intercultural bilíngue, que ensinem em mapudungun, quéchua, aymara ou rapa nui, conforme cada região. Embora o programa não garanta que as crianças aprendam sua língua originária, potencializa um maior grau de identidade. “Avançou-se em uma maior autoidentificação da criança mapuche e no melhoramento de sua autoestima”, afirmou Díaz à IPS.

Jara concorda com os benefícios desta aproximação para todos os povos da região. “A reivindicação é a partir da linguagem, porque isso representa sua cosmovisão. Atrás das línguas indígenas se esconde toda a riqueza cultural de cada povo”, afirmou. E acrescentou que a necessidade de visibilizar os povos originários como atores sociais, por meiodo ensino e do aprendizado de sua própria história e seu vínculo com a história comum do país, é parte dos caminhos pendentes a serem transitados em matéria educacional.

“Hoje as pessoas querem participar de espaços de tomada de decisões de todo tipo, e é aí que os povos originários se configuram como atores sociais aos quais é preciso dar mais atenção”, enfatizou Jara.

* Este artigo é parte de uma série por ocasião do Dia Internacional dos Povos Indígenas, em 9 de agosto.