Internacional

Eleição parlamentar será com paridade de gênero na Venezuela

Uma mulher se prepara para votar em uma zona eleitoral de Caracas cuja composição era majoritariamente feminina, durante as últimas eleições presidenciais no país, em 14 de abril de 2013. Foto: Raúl Límaco/IPS
Uma mulher se prepara para votar em uma zona eleitoral de Caracas cuja composição era majoritariamente feminina, durante as últimas eleições presidenciais no país, em 14 de abril de 2013. Foto: Raúl Límaco/IPS

Por Humberto Márquez, da IPS

Caracas, Venezuela, 7/7/2015 – Mais mulheres poderão chegar à Assembleia Nacional legislativa da Venezuela, depois que o poder eleitoral ordenou que as candidaturas para o parlamento unicameral sejam paritárias, em uma conquista a favor da paridade de gênero envolta na polêmica da polarização política.

“Essa é uma norma extremamente demorada, produto do acúmulo de décadas de lutas e contribuição de centenas de mulheres. Avançamos na construção de uma democracia melhor”, afirmou a presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Tibisay Lucena, ao apresentar o regulamento sobre a paridade de gênero.

No dia 6 de dezembro, será eleita a assembleia unicameral (2016-2020), no contexto de 15 anos de aguda polarização política, atiçada, desde que começou a presidência de Nicolás Maduro, em 2013, por um mal-estar econômico no qual se destaca um coquetel de queda da renda petroleira, desvalorização, inflação e escassez de bens essenciais.

Esse confronto alcançou rapidamente a nova norma eleitoral, embora também mostre mulheres dos dois pólos políticos celebrando o fato de o país voltar ao “clube” de nações latino-americanas com cotas em busca da igualdade de gênero nos parlamentos.

“Os direitos das mulheres já são assunto de Estado na Venezuela, graças às nossas lutas e à compreensão do falecido presidente Hugo Chávez (1999-2013), ao impulsionar a Constituição de 1999”, disse à IPS a deputada do Parlamento Latino-Americano, Marelis Pérez Marcano, do governante Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).

Esse país estabeleceu pela primeira vez uma cota de pelo menos 30% de mulheres nas candidaturas ao seu parlamento em 1997, mas a norma foi retirada da lei eleitoral em 2000 e substituída desde então por exortações do CNE. Como resultado, a atual Assembleia de 165 cadeiras é formada por 137 homens e 28 mulheres (17%), em uma proporção que coloca a Venezuela em 18º lugar na América Latina e no Caribe, segundo dados da União Interparlamentar Mundial (UIM).

O país melhor colocado é a Bolívia, onde as mulheres constituem 53% de sua Câmara de Deputados. Pelo menos outros dez países latino-americanos têm cotas de gênero para o parlamento e foi um deles, a Argentina, o primeiro do mundo a incorporá-la. A Colômbia tem cotas de 30% para os altos cargos da administração pública.

O novo regulamento da Venezuela ordena que as organizações políticas apresentem candidaturas paritárias (50% e 50%) e alternadas para cada sexo, tanto de titulares como de suplentes, e também para aspirantes aos 87 circuitos nominais como os de listas fechadas nas 24 regiões eleitorais que tem o país. Quando não for possível uma paridade exata em uma região, serão admitidas candidaturas com um mínimo de 40% de mulheres.

Elsa Solórzano, da Mesa de Unidade Democrática (MUD), a coalizão arco-íris de 27 organizações de oposição, criticou o fato de a norma aparecer “de maneira repentina, fora de tempo e, além disso, violando disposições da Constituição”.

Isso porque o regulamento, oficializado em 29 de junho, foi apresentado um mês depois de a MUD escolher em eleições primárias, supervisionadas pelo próprio CNE, seus aspirantes à Assembleia, e agora seus grupos estão em discussões sobre como acomodar as listas. Além disso, o Artigo 298 da Constituição estabelece que a lei que regula os processos eleitorais “não poderá ser modificada de forma alguma no período compreendido entre o dia da eleição e seis meses imediatamente anteriores à mesma”.

Simpatizantes do governante Partido Socialista Unido da Venezuela, diante da sede da Assembleia Nacional legislativa, no centro histórico de Caracas. Foto: Cortesia de Raúl Límaco
Simpatizantes do governante Partido Socialista Unido da Venezuela, diante da sede da Assembleia Nacional legislativa, no centro histórico de Caracas. Foto: Cortesia de Raúl Límaco

“A armadilha foi um fato político, não a substância em jogo: a paridade. E é óbvio que foi montada pelo CNE, não pelas mulheres que reclamam oportunamente o direito à elegibilidade sem serem ouvidas”, destacou à IPS a ativista Evangelina García Prince, ministra da Mulher nos anos 1990 e integrante do não governamental Observatório Venezuelano dos Direitos Humanos das Mulheres.

Virginia Olivo, presidente do Observatório, afirmou que no país existe uma “baixa representação política, com um parlamento abaixo das médias regional e mundial”. Dados da UIM indicam que as mulheres representam 24,5% dos parlamentares na América Latina e 20% no mundo.

Na Venezuela, com 30 milhões de habitantes segundo o censo de 2011, há sete milhões de mães, das quais 39% são chefes da família, e, destas, 10% são mães adolescentes. Olivo recordou que, apesar de não haver dados precisos, a maioria dos nove milhões de pessoas em condição de pobreza na Venezuela está dentro dessas famílias encabeçadas por uma mulher. Além disso, apontou outro exemplo da desigualdade que sofrem as mulheres: recebem 82% do salário de um homem pelo mesmo trabalho.

Ao defender a nova cota de gênero, Lucena afirmou que desde fevereiro dialogou com mulheres líderes opositoras sobre o regulamento de paridade que era preparado. Porém, “essas conversações individuais não significam que a MUD tenha sido formalmente informada”, destacou Vicente Bello, um dos responsáveis eleitorais dessa coalizão.

Mas outra dirigente opositora, Isabel Carmona, presidente do partido Ação Democrática, que governou várias vezes o país durante o século 20, apoiou o regulamento porque “os direitos protegidos pela justiça não estão sujeitos a regateios políticos”. E acrescentou que “essa medida toca a matriz cultural do poder, porque a cultura na América Latina faz do machismo um símbolo do poder. Estamos começando a desmontá-lo, pois ninguém ali com um privilégio tem a generosidade de renunciar a ele”.

A historiadora e especialista política Margarita López Maya afirmou que “a inesperada decisão de exigir paridade de gênero nas candidaturas para a eleição parlamentar deste ano revela, novamente, a vontade do oficialismo de contribuir para um clima de incerteza e mal-estar, a fim de perturbar as importantes eleições do dia 6 de dezembro”. Sua crítica se fundamenta no fato de que, entre os cinco reitores do CNE, quatro são mulheres, e são pró-governo, e só um é homem e é considerado pró-oposição. O regulamento foi aprovado com os votos das quatro reitoras.

Dirigentes de todo o espectro político dizem que, se a oposição, até agora favorecida nas intenções de voto segundo os principais institutos de pesquisa, conseguir fazer maioria na Assembleia, se iniciaria um processo de transição que poderia tirar do poder o PSUV e o presidente Maduro, herdeiro político de Chávez. Mas, recordou Lucena, a pauta do poder eleitoral “é sobre a oferta que farão as organizações políticas. Definitivamente, deve ser o eleitorado a decidir com seu voto”.

Na Venezuela, durante grande parte dos governos de Chávez, os demais poderes estiveram encabeçados por mulheres: o Legislativo, Judiciário, Eleitoral e Moral, integrado pela Procuradoria Geral, Controladoria e Defensoria do Povo. As mulheres são maioria no poder judiciário e têm ocupado ministérios desde 1967. Em 2013, uma almirante ocupou a pasta da Defesa e em 1979 o país teve pela primeira vez sua ministra dedicada exclusivamente aos assuntos da mulher. Envolverde/IPS