Por Joaquín Roy*
Barcelona, Espanha, setembro/2015 – A Catalunha encara um novo capítulo de seu processo independentista, rotulado como decisivo por suas propostas e excepcional pelo próprio governo espanhol. Será no dia 27 deste mês, encerrando uma campanha que começará oficialmente no emblemático 11 de setembro, a Dualidade nacional.
Esse processo eleitoral chama a atenção por ser apressado, já que as últimas eleições foram em 2012 e as anteriores em 2010. Três eleições em cinco anos revelavam certa urgência e motivavam a preocupação e um alto grau de irritação de metade do eleitorado catalão, que não demonstrava o mesmo entusiasmo que o separatista presidente da Catalunha, Artur Mas.
Além disso, nos dois últimos anos foram realizadas eleições europeias (maio 2014) e municipais (maio 2015).
Nos dois casos, a coalizão Convergència i Unió (CiU, agora já sem Unió) perdeu duas cadeiras e foi desalojada da Municipalidade de Barcelona. Embora a CiU tenha sido a candidata mais votada, foi afastada por uma aliança de seus competidores, que deram a prefeitura a Ada Colau, novo líder de perfil populista e de esquerda, que faz recordar a estratégia da Podemos, a formação que revolucionou a política espanhola.
Esse exercício é considerado como substitutivo do especial processo eleitoral que o governo espanhol não permite, desde que em 2010 arremeteu contra o rascunho do novo Estatuto de Autonomia (que deveria atualizar o de 1979), aprovado tanto no Parlamento catalão quanto no Congresso espanhol, em 2006.
O agora governante Partido Popular (PP), que regressou em dezembro de 2011 de sua travessia do deserto, após ser derrubado pelo Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) em 2004, agiu contra a menção da Catalunha como nação no preâmbulo do novo Estatuto.
Em junho de 2010, o conservador Tribunal Constitucional determinou que esse preâmbulo carecia de valor jurídico, considerou inconstitucionais outros 14 artigos do Estatuto e referendou o restante do texto.
A resposta da sociedade foi maciça. Então foi detectada a oscilação de numerosos setores antes moderados em relação aos sentimentos claramente independentistas.
Foi a oportunidade que a CiU, em decomposição, aproveitou e ratificou a conversão acelerada do próprio entorno de Artur Mas para o independentismo. Essa evolução já ocorria nos momentos culminantes da consolidação de Mas, como sucessor de Jordi Pujol, que governou a Catalunha entre 1980 e 2003.
Se nas décadas anteriores o poder político da CiU se baseara em servir de dobradiça entre os dois partidos hegemônicos em nível nacional (PP e PSOE) e seu uso inteligente do autonomismo, o “invento” foi considerado esgotado para arrecadar um número maior de votos e conseguir dobrar a teimosia de Madri.
Havia chegado a hora da tese independentista. O objetivo prioritário era conservar o poder por qualquer método. A obstinada resistência legal do PP ajudou o presidente da Catalunha, que em dezembro de 2010 já havia se apoderado da Generalitat após alguns anos de governo “tripartite”.
Esteve formado pelos socialistas, independentistas (“de toda a vida”) da Esquerra Republicana e os ex-comunistas, reciclados como ecossocialistas, da Iniciativa-Verts, a variante catalã da Esquerda Unida. Dois socialistas, o ex-prefeito de Barcelona, Pasqual Maragall (2003-2006) e o nascido em Córdoba, José Montilla (2006-2010), presidiram a Generalitat.
Mas aconteceu que nas eleições de 2012 a Convegència perdeu cadeiras e teve que se aliar à Esquerra Republicana em uma frente independentista, coliderada pelo secretário-geral da Esquerra, Oriol Junqueras, que junto com Mas apresentara uma candidatura comum, em uma lista única recheada de cidadãos sem passado partidário, para dar o golpe final no que foi qualificado de “plebiscito”.
Seria o prelúdio da declaração de independência se fosse obtida uma maioria (que se reclama que seja o mínimo de 68 cadeiras) no Parlamento.
A rejeição do governo espanhol foi ameaçadora, incluída a advertência de suspensão da autonomia, mediante a aplicação do artigo 155 da Constituição. Daí o fato de, na mensagem de convocação, Mas não mencionar em absoluto a palavra tabu (plebiscito, inexistente no léxico eleitoral ortodoxo).
Em todo caso, o exercício do dia 27 deste mês também é um sucedâneo do referendo que o governo espanhol se negou a autorizar. Madri alega que a consulta sobre a separação catalã não é um direito exclusivo dos catalães, mas de todos os espanhóis, titulares em bloco da soberania nacional, segundo diz taxativamente a Constituição de 1978.
Entretanto, o governo catalão organizou um “referendo” extra-oficial, realizado em 9 de novembro de 2014, em um clima festivo, que teve a participação de um terço dos eleitores. Com dois milhões de votos conseguiu animar os independentistas e irritar o governo espanhol, que havia ameaçado prender os dirigentes catalães.
Do que se deduz que as eleições deste mês são curiosamente três exercícios em um: “referendo”, eleição para autonomia (ortodoxa) e “plebiscito”. Às vésperas da votação, acrescentou-se a preocupação do governo espanhol e a insistência na anticonstitucionalidade do fim do processo.
Significativamente, o PSOE se uniu a essa política de oposição, destacando um chamado do ex-primeiro-ministro Felipe González (1982-1996) aos catalães independentistas para que desistam de seus planos. Envolverde/IPS
* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami. [email protected]