Internacional

Energia solar para uma ilha esquecida

Mulheres se dirigem à cidade de Lagos para vender o pescado defumado em suas novas instalações, que funcionam com energia solar. Foto: Augustina Armstrong Ogbonna.
Mulheres se dirigem à cidade de Lagos para vender o pescado defumado em suas novas instalações, que funcionam com energia solar. Foto: Augustina Armstrong Ogbonna.

Por Augustina Armstrong-Ogbonna, da IPS – 

Lagos, Nigéria, 15/12/2015 – Pela primeira vez em 30 anos, na ilha de Sagbo Kodji, na cidade nigeriana de Lagos, Friday Onos tem luz elétrica graças a um projeto de energia solar que pode chegar a transformar a vida dos 80 mil ilhéus. “A falta de eletricidade nessa ilha apagava meus sonhos de criar alternativas de trabalho para os jovens”, contou Onos, de 35 anos.

A maioria dos moradores vive da pesca e, como não há eletricidade, defumam o pescado e tentam vendê-lo rapidamente, frequentemente a preço baixo. Mas, com energia solar suficiente, poderiam refrigerar a captura. A casa de Onos é uma das poucas com painéis solares. Apenas cinco das sete mil moradias de seu bairro foram beneficiadas.

A primeira vez em que se debateu o projeto solar, muitos moradores não acreditaram que funcionaria e desconfiavam devido a uma tentativa falida do governo de instalar luminárias solares nas ruas. Depois de alguns meses, as lâmpadas deixaram de funcionar.

No entanto, Onos se ofereceu como voluntária na nova iniciativa e já pensa em começar um negócio de refrigeração oferecendo armazenamento para o pescado. Agora, seus filhos desfrutam da novidade. “À noite, se reúnem ao redor de casa e dançam contentes e brincam até ficarem cansados. Nunca havia visto uma fonte de energia 24 horas seguidas”, afirmou.

A comunidade de Sagbo Kodji é uma das 34 ribeirinhas na área Amuwo-Odofin de Lagos, no sudoeste da Nigéria. A ilha, habitada há um século, está vinculada ao porto de Apapa, ao sul, mas ainda não tem eletricidade. Segundo o líder local, Solomon Suenu, a comunidade foi fundada por um pescador da antiga cidade de Badagry, que costumava descansar na ilha durante suas expedições de pesca. Depois de algum tempo trouxe sua família e foi seguido por outros comerciantes e demais pessoas de Lagos.

Os moradores locais defumam o pescado com estufas de lenha e depois o vendem no mercado. Muitos dos residentes ignoram que um grupo de pescadores sobe diariamente em seus barcos para vender sua mercadoria no centro de Lagos, nos mercados e nas esquinas.

Sagbo Kodji se caracteriza por uma densa névoa, causada pela queima de lenha para as estufas usadas pelas mulheres para preservar a pesca ou cozinhar para a família. Mas tudo mudou há vários meses, quando começou o projeto-piloto encabeçado pela Arnergy, uma empresa de energias renováveis fundada em 2013 por um jovem empresário de Lagos.Seu diretor geral, Femi Adeyemo, ficou impressionado ao saber que a comunidade vivia há um século sem eletricidade. E, após visitar a ilha e se reunir com seus líderes, decidiu mudar a situação.

O sistema implantado permite aos beneficiários pagar 100 narias (cerca de US$ 0,50), 200, 300 e até 500 narias diárias por 24 horas de eletricidade, graças à energia produzida pelos painéis solares e armazenada em baterias. Antes da instalação, a empresa faz um inventário dos aparelhos e dispositivos que serão usados pelos moradores da residência para garantir a entrega dos painéis corretos. “Às vezes, as pessoas querem ser espertas. Depois de listar os dispositivos que usarão e terminar a instalação, incluem novos aparelhos”, explicou Adeyemo.

A companhia conta com tecnologia para detectar a sobrecarga por meio de uma rede sem fio, o que permite cortar o fornecimento a partir do escritório se o cliente gastou suas unidades pré-pagas. A Arnergy assegurou os fundos dos investidores, incluído o Banco de Indústria da Nigéria, que entrou com US$ 600 mil para distribuir o sistema em três mil casas em três ruas.

Mas dar eletricidade a toda a ilha sairá muito caro, cerca de US$ 1,2 milhão para cada mil casas, pois é preciso importar os painéis solares, explicou Adeyemo. A empresa pediu ajuda a agências da Organização das Nações Unidas (ONU) e outros doadores internacionais. “Mas a maioria das promessas ainda precisa ser concretizada. Muitos investidores custam em acreditar que existe uma comunidade em Lagos (conhecida como megacidade) sem nunca ter estado conectada a uma rede elétrica”, ressaltou.

Porém, com mais apoio financeiro, a vida social e econômica dos moradores poderá se desenvolver mais rapidamente.Florescem negócios, os alunos agora podem estudar a qualquer hora e as mulheres já não inalam a fumaça que prejudica sua saúde. “Esse projeto de energia solar vai mudar o ar que respiram”, afirmou Adeyemo.

Segundo um informe da Organização Mundial da Saúde, a contaminação do ar em espaços fechados pelo uso de combustíveis sólidos mata cerca de 80 mil pessoas a cada ano na Nigéria. Mais de 60% dos 166 milhões de habitantes desse país rico em petróleo não estão conectados à rede nacional.

Um programa do governo federal para fornecer às comunidades rurais fogões que supostamente funcionavam com energias limpas está paralisado. Hamzat Lawal, da organização sem fins lucrativos Connected Development, disse que as mulheres de comunidades como Sagbo Kodji se beneficiariam com a iniciativa.

Mas não existem planos concretos para implantá-lo nem para distribuir os fogões. “Sabemos que há mulheres reais que necessitam dessa fonte de energia”, acrescentou.Porém, o plano inicial era que os fogões funcionassem a lenha caída de forma natural, que depois seria substituída pelo gás liquefeito de petróleo.

Muitos moradores de Sagbo Kodji esperam que suas casas recebam painéis solares na próxima etapa do projeto da Arnergy, mas dependem de a companhia conseguir apoio financeiro para ampliar suas atividades na ilha. “Gostaria de ver luz em todas as casas”, enfatizou Madam Felicia Akodji, uma líder comunitária de 68 anos. “Afinal, não fazemos parte da megacidade de Lagos?”, perguntou. Envolverde/IPS

* Este artigo foi produzido por meio do Voices2Paris, concurso do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) sobre mudança climática, criado por Megan Rowling, da Fundação Thomson Reuters.