Por Ngala Kilian Chimtom, da IPS –
Iaundé, Camarões, 16/7/2015 – Provocam indignação os relatos de mulheres africanas que buscam emprego no Kuwait e em outros países do Oriente Médio e acabam encontrando a escravidão. Susan (nome fictício) contou entre soluços à IPS como partiu de Camarões, em 2013, com a esperança de encontrar trabalho no Kuwait. “Vi cartazes em minha cidade com avisos sobre emprego, anunciando postos de trabalho para enfermeiras e empregadas domésticas no Kuwait. Sendo enfermeira e sem trabalho em Camarões decidi aproveitar a oportunidade”, explicou a jovem de 28 anos.
Com ajuda de um agente cujos dados de contato constavam do cartaz, Susan tomou um avião com destino ao Kuwait. Estava entusiasmada com a perspectiva de ganhar até US$ 420 por mês. Essa é a quantia que o agente lhe garantira, e era muito tentadora em comparação aos cerca de US$ 75 que ganharia em seu país, se tivesse um emprego. Mas a história mudou radicalmente quando Susan e outras 46 camaronesas chegaram ao Kuwait, no dia 8 de novembro de 2013. “Levaram todas nós para um pequeno cômodo. Havia muitas moças ali: ganesas, nigerianas e tunisianas”, recordou Susan. Então, “nos venderam com se fôssemos mercadoria”, acrescentou.
Susan foi levada por um egípcio. “Creio que em sua casa tive ideia do que é o inferno”, contou, chorando. Sua jornada de trabalho começava às cinco da manhã e terminava depois da meia-noite. Com frequência ia para a cama sem ter se alimentado. Por diversas vezes, o homem tentou violentá-la, e, quando ela ameaçou denunciar o caso à polícia, ele respondeu com ameaças. “Me disse que pagaria a polícia para poder me violentar e me matar, e que o caso ficaria por isso mesmo”, acrescentou. Isolada de toda comunicação com o mundo exterior, Susan disse que encontrou consolo em sua fé. “Rezei, pedi ajuda a Deus”, enfatizou.
E seu caso não é único. Brenda, outra camaronesa que teve a sorte de conseguir escapar, conta uma experiência semelhante no Kuwait. Ela tinha que lavar os animais de estimação de seu amo, que incluía gatos e serpentes. Contou que “dividia o mesmo banheiro com os gatos. Eu os chamava de meus irmãos, porque eram as únicas ‘pessoas’ com as quais conversava”.
Quando já não aguentavam mais, as duas comunicaram aos seus empregadores que não estavam dispostas a continuar trabalhando. Brenda disse que, quando ela insistiu nisso, foi expulsa da casa. “Nesse momento estava tão fraca, estava morrendo de verdade e não sabia para onde ir”, afirmou. Após vagar durante dois dias, ela se viu diante da embaixada da República Centro-Africana e dormiu mais dois dias diante do prédio até ser resgatada.
Por sua vez, Susan foi colocada no porta-malas de um carro e levada de volta ao agente que a trouxera do aeroporto. “Os fatos aconteceram tão rapidamente que me vi passando uma semana na prisão de imigração e mais três dias na prisão de deportação”, explicou. Finalmente, quando ambas foram colocadas em um voo com destino a Camarões, tiveram confiscados seus pertences, menos seus passaportes e a roupa que vestiam.
A magnitude do problema é preocupante. O Índice Mundial da Escravidão, publicado anualmente pela fundação australiana Walk Free, calcula que em 2013 havia 750 mil pessoas escravizadas no Oriente Médio e no norte da África. Segundo o documento, nos últimos sete anos, Arábia Saudita e Kuwait foram classificadas no nível três dos países onde ocorre tráfico de seres humanos e abusos trabalhistas. O nível três indica que os governos não cumprem plenamente as normas mínimas referentes ao tráfico de pessoas, nem tomam as medidas necessárias para remediá-lo.
Além da África, pessoas da Índia, Nepal, Uzbequistão e demais países “migram voluntariamente em busca de trabalho doméstico, convencidas pela promessa feita pelas agências de emprego de conseguirem trabalho rentável. Ao entrarem no país, se veem enganadas e escravizadas, dentro dos limites de um sistema de patrocínio legal”, acrescenta o informe.
Susan e Brenda voltaram aos seus países, mas sofreram pelo trauma que lhes causou a terrível experiência no Kuwait. O Centro de Trauma para as Vítimas do Tráfico de Pessoas, em Camarões, ofereceu ajuda a elas. “Tentamos fazer com que se sintam em casa”, disse Beatriz Titanji, vice-presidente da instituição.
“Estiveram expostas a maus tratos. Disseram a elas que eram animais, que tinham peste, e quando entravam em um carro ou um cômodo, aplicavam um aerossol para tirar o suposto cheiro. Não posso imaginar tratarem um filho meu dessa maneira”, disse Titanji à IPS. Ela pediu ao governo que investigue e processe os agentes, gere postos de trabalho e vigie os aeroportos para evitar que os cidadãos de Camarões busquem trabalho no Oriente Médio. Envolverde/IPS