Internacional

Eslováquia oferece esperança em uma região repleta de homofobia

Cartaz relacionado ao referendo sobre o matrimônio na Eslováquia no qual está escrito: “Decidiremos sobre o futuro das crianças. Vamos proteger seu direito a ter uma mãe e um pai”. Foto: Pavol Stracansky/IPS
Cartaz relacionado ao referendo sobre o matrimônio na Eslováquia no qual está escrito: “Decidiremos sobre o futuro das crianças. Vamos proteger seu direito a ter uma mãe e um pai”. Foto: Pavol Stracansky/IPS

 

Bratislava, Eslováquia, 26/3/2015 – Organizações de pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgênero (LGBT) na Europa central e oriental, que lutam contra a discriminação e a intolerância da sociedade, veem com otimismo o “fracasso” de um referendo na Eslováquia. Em fevereiro, o referendo, convocado nesse país da União Europeia para reforçar a proibição constitucional ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e à adoção homoparental, foi declarado inválido porque dele participou pouco mais de 20% do eleitorado.

Organizações internacionais criticaram a iniciativa porque fomentava a discriminação homofóbica e pretendia que um assunto de direitos humanos que afeta um grupo minoritário fosse resolvido pelo voto popular majoritário.

A campanha prévia à votação se caracterizou por sua dureza e incluiu declarações homofóbicas por parte do clero e um controvertido comercial sobre a adoção homoparental, que os canais eslovacos se negaram a transmitir e, por fim, só foi visto na internet. O filme mostrava um menino em um orfanato que espera por seus novos pais e, quando dois homens aparecem na porta ele pergunta “onde está a mamãe?”.

“O referendo demonstrou que as pessoas consideram que a família é importante, mas que não veem as famílias do mesmo sexo como uma ameaça. A perspectiva de longo prazo em relação aos debates sobre casais registrados na Eslováquia é positiva”, afirmou à IPS o ativista Martin Macko, presidente da Inakost, um grupo LGBT com sede em Bratislava.

O resultado também foi bem recebido em outras partes da Europa central e oriental, onde a população LGBT ainda sofre intolerância e discriminação. “É de se esperar que o referendo conduza a um debate construtivo sobre a igualdade na Eslováquia. Ao mesmo tempo, sabemos que há uma grande diversidade de opiniões na região, o que significa que ainda resta muito trabalho para alcançar a plena igualdade”, afirmou Evelyne Paradis, diretora da organização internacional Ilga-Europa.

Em comparação com a Europa ocidental, as atitudes de muitos países da Europa central e oriental diante da diversidade sexual são conservadoras e até hostis. A República Checa é o único país da região que permite as uniões registradas de casais do mesmo sexo. Em outros, como Croácia, Eslováquia, Hungria e Polônia, o casamento está definido constitucionalmente como aquele entre um homem e uma mulher. Em janeiro deste ano o parlamento da Macedônia votou a adoção de uma cláusula semelhante em sua Constituição.

A adoção homoparental está proibida em toda a região, enquanto outras leis importantes em relação à diversidade sexual também estão ausentes. Na Bulgária, por exemplo, os crimes homofóbicos são investigados e julgados como “vandalismo”. Isso, afirmam ativistas, gera temor entre as pessoas LGBT. Na Rússia, a legislação reprime ativamente as relações homossexuais e uma lei federal penaliza a promoção dos “estilos de vida não heterossexuais”, enquanto disposições legais na Lituânia proíbem a promoção da homossexualidade.

Em algumas sociedades predomina uma profunda discriminação. Pesquisa, realizada em 2013 na Ucrânia, revelou que dois terços dos entrevistados consideravam a homossexualidade uma perversão. Um estudo desse mesmo ano realizado na Lituânia mostrou que 61% das pessoas LGBT disseram ter sofrido discriminação por motivos de orientação sexual ou identidade de gênero.

As agressões verbais e os ataques físicos, bem como a intolerância passiva, são comuns entre os grupos mais conservadores da região. Mas, em alguns países, especialmente na Rússia, qualquer pessoa suspeita de não ser heterossexual é alvo de uma perseguição aberta, organizada e, em determinadas ocasiões, letal.

Natalia Tsymbalova, natural de São Petersburgo, é uma das 12 ativistas LGBT que foram obrigadas a abandonar a Rússia em 2014. A jovem, que fugiu em setembro após receber ameaças de morte, solicitou asilo na Espanha. As campanhas russas de propaganda estatal agora apontam para os “fascistas ucranianos” e o Ocidente, que, desde a anexação da Crimeia e o início do conflito na Ucrânia, são apresentados como os maiores inimigos públicos em lugar das pessoas LGBT.

“Mas a homofobia de Estado não desapareceu”, denunciou Tsybalova, à IPS de Madri. Segundo afirmou, “já não ocupa as principais manchetes dos noticiários, mas continua existindo e nunca acabou. O número de crimes de ódio não diminui e a investigação dos mesmos é tão ruim quanto antes”. As razões que explicam a intolerância social à diversidade sexual na região incluem desde as atitudes conservadoras, arraigadas pelo isolamento dos países durante os governos comunistas, até os objetivos políticos locais e a influência da Igreja Católica.

Na Eslováquia, país predominantemente católico, os partidários do referendo receberam o aval pessoal do papa Francisco à sua causa. Acredita-se que a conservadora Aliança pela Família, que propôs o referendo, foi financiada pela Igreja Católica da Eslováquia e que esta foi a principal força que impulsionou a consulta popular. Na Lituânia, outro país fortemente católico, funcionários da igreja apoiaram leis que limitam os direitos LGBT e qualificam publicamente a homossexualidade de perversão.

Outros ativistas também asseguram que políticos de países com dificuldades econômicas ou que pretendem consolidar seu próprio poder costumam utilizar as minorias, entre elas as pessoas LGBT, como objetivos políticos para conseguir o apoio dos eleitores.

“Lamentavelmente, muitos dirigentes políticos usam a comunidade LGBT como bode expiatório para ocultar ‘problemas reais’ dos países, como o desemprego juvenil e o acesso a educação e atenção médica. Promovem ‘valores familiares tradicionais’ como forma de resgatar a sociedade e assim constroem um clima de intolerância e ódio”, pontuou Paradis.

Os políticos russos aproveitam a homofobia para conseguir outros objetivos, segundo Tsymbalova. “A homofobia tem um papel importante na retórica antiocidental do presidente Vladimir Putin e seus companheiros. É um dos principais elementos dos valores conservadores que promovem, e o público ainda tem atitudes negativas em relação às comunidades LGBT”, destacou.

O panorama da diversidade sexual em alguns países continua sendo sombrio. “Em nossa comunidade não tem quase ninguém acreditando que a situação das pessoas LGBT na Rússia vai mudar seriamente e para melhor no curto prazo. Com o atual regime, que promove e explora a homofobia, essas mudanças não acontecerão e não existe quase nenhuma esperança de uma mudança de regime, por isso as expectativas são sombrias”, ressaltou Tsymbalova. Envolverde/IPS