Por Ashfaq Yusufzai, da IPS –
Peshawar, Paquistão, 15/7/2015 – Robina Shah sonhava em ser policial, como foi seu pai, assassinado em um atentado suicida cometido pelo extremista movimento Talibã em Peshawar, capital da província de Jyber Pajtunjwa, no norte do Paquistão. Mas não era fácil realizar um sonho como esse no coração tribal desse país, onde a vida cotidiana de muitos de seus habitantes está presa entre os extremistas e os militares desde 2001, quando os talibãs que fugiram da invasão dos Estados Unidos no vizinho Afeganistão e instalaram suas bases operacionais nessa província montanhosa.
A decisão de incorporar mulheres às forças armadas da província foi tomada após o atentado terrorista de dezembro contra uma escola pública do exército em Peshawar, que matou 145 pessoas, incluindo 132 alunos de oito a 18 anos. O Movimento Talibã do Paquistão (TTP) assumiu a matança como represália à operação Zarb e Azb, uma ofensiva militar lançada contra os extremistas no Waziristão do Norte, no verão boreal de 2014.
Durante mais de uma década, as forças armadas tentaram de tudo, de ataques aéreos a operações por terra, no afã de eliminar os extremistas. “Só nos últimos nove anos, perdemos mais de cinco mil policiais na luta contra o proscrito TTP”, relatou à IPS o chefe de polícia da província. “Aumentamos de 70 mil para 90 mil o número de efetivos, e a nossa é a primeira província do país a ter comandos femininos”, acrescentou.
Levar mulheres a uma profissão dominada por homens é um passo corajoso, sobretudo porque os fundamentalistas islâmicos da região afirmam que lugar da mulher é em casa. Porém, a medida passa a mensagem de que elas estão em pé de igualdade com os homens, e permite à polícia lidar com situações “delicadas” nas operações antiterroristas, como no caso de revistas de mulheres suspeitas ou nas buscas em casas de supostos terroristas com presença feminina.
Após uma sessão de treinamento intensivo em uma academia no distrito de Nowshera, que terminou no dia 16 de junho, 25 mulheres estão prontas para a luta. Cinco meses extenuantes, acordando às cinco da manhã para treinar até quase meia-noite, converteram esse esquadrão de elite em uma força a ser considerada, segundo os especialistas. Vestidas de maneira conservadora, inclusive em temperaturas altas, as mulheres aprenderam a lidar com lança-foguetes antitanque e antiaéreo.
Porém, mais do que pela formação, seu empenho surge de anos vivendo à sombra da violência nesse país que testemunhou cerca de 50 mil mortes relacionadas com o terrorismo na última década. As mulheres suportaram a pior parte do conflito, como os ataques sistemáticos do Talibã contra as mulheres trabalhadoras da saúde e a educação das meninas. Por outro lado, dos muitos milhares de civis deslocados pelos combates entre militares e extremistas, as mulheres refugiadas estão entre as mais prejudicadas pela falta de alimentos e instalações sanitárias.
“É uma questão de orgulho defender nosso povo contra a agressão. Nossa gente precisa de nós para ajudá-la a se manter a salvo da violência”, afirmou Zainab Bibi, de 22 anos e uma das recém-formadas na academia. “Podemos operar todo tipo de arma e combater os extremistas onde o governo decidir nos enviar. Não temos medo”, assegurou com voz decidida.
Apesar de pequeno em seu alcance, o plano-piloto inspirou autoridades dentro e fora da província a ampliá-lo. O analista político Jadim Hussein, de Peshawar, considera que o governo deveria preparar “comandos femininos para todo o país”. Ele argumentou à IPS que “é hora de o governo dar mais facilidades às mulheres e introduzir benefícios para atraí-las para a força policial”.
De fato, as oportunidades de educação e emprego para as mulheres na província, onde vivem 22 milhões de pessoas, são extremamente limitadas. Elas ocupam apenas 40 mil dos 740 mil postos de trabalho no setor da saúde, e há apenas 600 médicas contra seis mil médicos.
A última Pesquisa Econômica do Paquistão revelou que há uma proporção maior de mulheres do que de homens no setor informal da economia, que realizam a maior parte do trabalho doméstico não remunerado e costumam ocupar outros postos de trabalho com baixos salários, em setores como cozinha e limpeza. Mas ocupam menos de 2% dos postos profissionais e administrativos.
Fontes especialistas asseguram que esses números são o resultado combinado de estigma social, conservadorismo religioso e rígidas obrigações familiares que mantêm as mulheres presas à sua casa e fora do mercado de trabalho. Inclusive as que buscam trabalho se decepcionam. Entre 2010 e 2011, por exemplo, estima-se que 200 mil mulheres de Jyber Pajtunjwa estavam desempregadas, embora manifestassem o desejo de conseguir um emprego.
Nesse contexto, o ingresso de mulheres nos níveis superiores das forças armadas representa um monumental passo adiante para a igualdade de gênero, e inclusive poderia estender-se a outras esferas da vida.
“As formadas vão capacitar mulheres de outros distritos e esperamos contar com centenas de comandos femininos em uns poucos anos”, pontuou à IPS Noor Wazir, diretor do programa de treinamento militar. Elas não vão operar apenas na frente militar, e poderão cumprir seu serviço nas zonas eleitorais em época de eleição, nos hospitais para dar segurança adicional, ou em mercados públicos, que foram alvo de atentados terroristas e onde as mulheres não querem ir sem um acompanhante masculino, ressaltou. Envolverde/IPS