Internacional

Etiópia revela seus tesouros turísticos

Interior de uma igreja etíope do século 6, decorado com obras de arte que representam cenas religiosas. Foto: James Jeffrey/IPS
Interior de uma igreja etíope do século 6, decorado com obras de arte que representam cenas religiosas. Foto: James Jeffrey/IPS

Por James Jeffrey, da IPS – 

Adis Abeba, Etiópia, 6/1/2016 – Embora a Etiópia goze de uma identidade cultural, histórica e linguística muito diferente do restante da África, não é um destino importante para os visitantes do continente porque nunca promoveu seus tesouros turísticos.Mas, em 2013, com a formação da Organização de Turismo da Etiópia (ETO), o governo desse país do Chifre da África decidiu levar a sério o turismo como meio de geração de renda que ajude a erradicar a pobreza que afeta muitos de seus cem milhões de habitantes.

Em agosto de 2015, o Ministério de Cultura e Turismo anunciou que pretende triplicar o número de visitantes estrangeiros para mais de 2,5 milhõesem 2020. A meta é que até esse ano a Etiópia figure entre os cinco principais destinos turísticos da África.“Há muitas razões pelas quais o turismo esteve em segundo plano, mas a principal foi a falta de infraestrutura básica”, explicou à IPS SolomonTadesse, diretor da ETO. “Agora, o governo pode se dedicar plenamente ao tema com base no crescimento econômico dos últimos dez anos, que também gerou uma boa impressão no exterior”, acrescentou.

O turismo gera US$ 2,9 bilhões por ano, cerca de um milhão de postos de trabalho e equivale a 4,5% do produto interno bruto da Etiópia, em comparação com 9% em Ruanda e 11% em nível mundial, segundo dados do Banco Mundial. Em 2013, o turismo etíope ficou na 120ª posição no mundo e 17ª na África, segundo o Fórum Econômico Mundial. Entretanto, na década passada, o número de visitantes aumentou em pelo menos 10% ao ano. No ano fiscal 2014-2015, mais de 750 mil turistas chegaram à Etiópia, segundo dados oficiais.

“A facilidade e a rápida expansão do acesso por via aérea, a segurança pessoal, a hospitalidade local, o rápido crescimento econômico e, principalmente, fascinantes descobertas a serem feitas, anunciam um crescimento muito bom do turismo”, afirmou Mike Fabricius, da empresa de marketing The Journey, encarregada pelo governo etíope do desenvolvimento de uma marca turística nacional e uma estratégia de comercialização.

Segundo Tadesse, o setor turístico busca alianças com o exterior para investimento em centros de formação de hospitalidade, do desenvolvimento de novos nichos – como turismo de aventura, voos de parapente, passeios em balão, mountain bike, maratonas de terras altas e similares adequadas ao terreno diverso da Etiópia.Também propõe ir além do conhecido circuito histórico do norte do país, para incluir outras áreas que não figuram dos roteiros turísticos tradicionais e que, provavelmente, ocultam a maior fortaleza do turismo, suas diversas culturas, paisagens e vida silvestre por se conhecer.

Entre estes estão as montanhas Simien e Bale, as florestas do sul, as cavernas Sof Omar e o lugar no deserto de Danakil onde foi encontrado Lucy, o esqueleto completo mais antigo de um hominídeo já descoberto, o que dá peso à afirmação de que a Etiópia é o berço da humanidade. “Sabemos que estamos atrasados em relação aos nossos vizinhos e que temos que correr para alcançá-los”, destacouTadesse.

Mas, para ficar em dia com potências turísticas africanas como Quênia e Tanzânia,serão necessários“esforços enormes”, alertou Derek Schuurman, da agência de turismo britânica Rainbow Tours.Outros destacam a precaução e argumentam que a Etiópia não tem que pensar em se colocar em dia, mas deve adotar seu próprio modelo de desenvolvimento turístico, porque a questão dos números não resolve o assunto principal.

“Poderíamos nos converter no destino número um do continente e não só pelo número de turistas, mas pela qualidade da experiência e da singularidade da paisagem”, afirmou Greta Iori, uma especialista em conservação e turismo com cinco anos de experiência no México, na África do Sul e na Etiópia, onde cresceu. A maioria das vantagens turísticas do país – entre elas nove locais declarados Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação e a Cultura (Unesco) – é frágil e corre risco de destruição com a invasão de turistas, alertou.

Outra preocupação é que a rápida expansão turística também gere choques culturais entre a população local e os estrangeiros, o ressentimento pelo fato de o turismo só beneficiar a elite, a segregação das sociedades locais, o aumento dos preços e a criminalidade.“No geral, é o turismo de alto nível que funciona perfeitamente e o extremo mais barato é o que dá problemas. No momento a Etiópia não sabe que caminho tomar”, observou uma pessoa do setor turístico há mais de dez anos. O turismo de massa no país “poderia matar a galinha dos ovos de ouro”, enfatizou.

Quem compartilha dessa preocupação espera que o país tome a opção mais sustentável, de menor volume, que compense os números mais baixos mediante a venda de um produto de maior qualidade a um preço maior.Essa opção deve transcender o investimento em hotéis e oferecer centros de informação turística, sanitários públicos bem cuidados e locais oficiais para descanso, além de restaurantes, lojas de suvenires e clínicas médicas ao longo das principais rotas de viagem e nos locais turísticos. Isso é comum em outros países, mas até o momento brilha pela ausência na Etiópia.

“A construção de infraestrutura que atenda as expectativas dos estrangeiros é fundamental, já que existe um limite para a quantidade de pessoas dispostas a passar mal”, afirmou Greg Dorey, embaixador da Grã-Bretanha na Etiópia. “Mas resta saber se o país pode construir bem a infraestrutura de apoio, devido aos enormes obstáculos apresentados por empresários estrangeiros que investem nesse setor”, acrescentou.“E, sejamos sinceros, os empresários estrangeiros sabem melhor do que a maioria o que os turistas estrangeiros querem, já que seu sustento depende de saber compreender essa necessidade”, destacou o embaixador.

Além das projeções, o turismo continua sendo um negócio especialmente volátil na África. No Quênia, o número de turistas caiu depois dos atentados terroristas de 2014, o que esvaziou as praias e deixou milhares de quartos de hotéis vagos. E, quando o governo do Zimbábue anunciou, em janeiro de 2015, um imposto de 15% sobre o alojamento hoteleiro, o resultado foi um enorme número de viagens canceladas.

“Esse é um ponto crucial para a Etiópia aprender”, ressaltou Iori. “Se nos desenvolvermos lentamente e não em grande escala, é mais provável que o setor do turismo possa lidar com as ameaças inesperadas, gerando um crescimento sustentado de longo prazo, em lugar de um beneficio de curto prazo”, acrescentou. A especialista alertou que “o desenvolvimento rápido em curto prazo não é sustentável e tem a capacidade de colocar em risco o êxito e o futuro do turismo para nossa nação”.

“Esta é a terra dos originais, aqui há seres humanos originais. Você não recebe um sorriso artificial, mas um sorriso original”, destacouTadesse. “Se escolher esse país para seu destino de viagem, já não será o mesmo. Nos vemos na Etiópia”, saudou o diretor da ETO. Envolverde/IPS