Internacional

Exibição em Paris aposta na promoção de artistas africanos

Obra de Kuakudili na mostra Mestres da Escultura da Costa do Marfim, do museu Quai Branly de Paris, em abril 2015. Foto: A. D. McKenzie/IPS
Obra de Kuakudili na mostra Mestres da Escultura da Costa do Marfim, do museu Quai Branly de Paris, em abril 2015. Foto: A. D. McKenzie/IPS

Por D. McKenzie, da IPS – 

Paris, França, 28/5/2015 – Responda rápido: você consegue citar um famoso escultor africano do século 19 ou mesmo do começo do século 20? Os que podem fazê-lo integram uma seleta minoria. A maioria dos que visitam os museus franceses se acostumou a ver obras africanas sem conhecer o artista. Para mudar isso, uma exposição no museu Quai Branly, de Paris, se propôs identificar os escultores africanos. Ali costumam acontecer exposições indígenas da África, Ásia, Oceania e América, embora frequentemente criticadas por seu “perfil colonialista”.

A mostra chamada Mestres da Escultura da Costa do Marfim, que estará aberta até o dia 26 de julho, conta com quase 330 obras históricas e contemporâneas, e coincide com um momento em que o mercado da arte tradicional africana alcançou seu nível mais alto em décadas, com peças a preços recordes, enquanto se debate se os objetos devem “ser devolvidos” à África.

A mostra é um tributo ao notável talento de escultores considerados “mestres” em seus países. O eterno esplendor de alguns objetos ajudará a explicar a atual tendência a colecioná-los, mas também pode fomentar o debate sobre a quem devem pertencer as obras que refletem o patrimônio cultural de uma região.

“A arte realmente não tem pátria”, afirmou à IPS um dos curadores da mostra, o etnólogo Eberhard Fischer, diretor emérito do Museu Rietberg, da cidade suíça de Zurique. “O interesse do artista não deve ser o mesmo que o da nação. Os museus são responsáveis pelo artista e devem homenageá-lo como corresponde. A arte africana, europeia, indiana, devem ser vistas em todo o mundo. Estamos no século 21”, acrescentou.

Segundo Fischer, o que tem de “especial” na exposição é a tentativa de apresentar os criadores “por trás das obras-primas”, em lugar de apresentar objetos em um contexto geral como arte tribal criada por artistas anônimos. “Meu objetivo é colocar esses mestres em um pedestal e dizer que foram grandes homens. Nunca lhes foi dado o mesmo status que se dá aos artistas ocidentais e já era hora de se realçar suas capacidades individuais”, acrescentou.

Na apresentação da exposição, Fischer e o outro curador, Lorenz Homburger, dizem que “a escultura africana tem um lugar central na história da arte”, e afirmam que a identificação dos artistas tradicionais contribui para o conhecimento de seu papel. “Frequentemente considerada no Ocidente como uma produção artesanal que só se relaciona com rituais, a arte africana, como a ocidental, é obra de artistas individuais cujo trabalho mostra grande capacidade pessoal e artística”, ressaltam os curadores.

A Costa do Marfim foi uma das regiões mais importantes em matéria de produção artística na África, e a mostra “convida” os visitantes a descobrirem diferentes mestres de vários grupos étnicos, artistas muito apreciados por suas comunidades. Alguns escultores só são identificados por sua região, mas muitos outros têm nomes que se tornam conhecidos.

Artistas africanos revelados em uma mostra no museu Quai Branly, em Paris, em abril de 2015. A foto de Kuakudili, da Costa do Marfim, dá um rosto a quem esculpiu máscaras para bailarinos e para seu próprio povo, um estilo que inspirou cubistas ocidentais. Foto: A. D. McKenzie/IPS
Artistas africanos revelados em uma mostra no museu Quai Branly, em Paris, em abril de 2015. A foto de Kuakudili, da Costa do Marfim, dá um rosto a quem esculpiu máscaras para bailarinos e para seu próprio povo, um estilo que inspirou cubistas ocidentais. Foto: A. D. McKenzie/IPS

Os visitantes aprendem sobre Sra (o criador), que nasceu por volta de 1880 e morreu em 1955. Ele foi o escultor mais famoso do ocidente da Costa do Marfim, segundo os curadores, e criou “máscaras e objetos prestigiosos para muitos chefes dos povos dan e mano, da Libéria, e para integrantes importantes da comunidade dan e we em seu país”.

Sra foi reconhecido por suas figuras femininas, e os visitantes podem admirar os objetos bem como as surpreendentes representações de mães e filhos. Um contemporâneo seu, Uopié, procedente de outra região, mas também parte da cultura dan, no noroeste da Costa do Marfim, produziu máscaras sorridentes “de uma beleza fascinante” do tipo conhecido como déanglé.

Junto com os objetos, os curadores oferecem breves apresentações verbais dos artistas que puderam ser identificados. Tompieme foi um “homem alegre, pequeno, mas bem atlético” e um agricultor de sucesso, bem como cantor e músico. Si foi caçador e instrutor de jovens, que durante décadas se dedicou a “circuncidar meninos e dirigiu o acampamento de iniciação, onde lhes ensinou na arte de entalhar”.

Depois vem Tame, que nasceu por volta de 1900 e viveu até 1965, e foi “um belo jovem, lutador de sucesso e amante de muitas mulheres”, sobrinho de Uopié, que o ensinou a esculpir. Não há fotografias que mostrem aos visitantes os supostos belos traços de Tame, mas há de Kuakudili, o primeiro artista da Costa do Marfim a ter seu “próprio rosto” na mostra.

A foto está disponível graças a Hans Himmelheber, um antropólogo alemão, colecionador de arte e padrasto de Fischer que conheceu o artista em 1933. Nela pode-se ver Kuakudili como um homem sério e magro. Ele entalhou máscaras sagradas tanto para bailarinos das aldeias vizinhas como para seu próprio povo, e em sua obra os visitantes encontram as formas que inspiraram artistas ocidentais, como Pablo Picasso, Georges Braque e outros cubistas.

Máscaras como as da mostra e outros objetos de mestres africanos têm uma grande demanda no mercado internacional de arte, especialmente em Paris, Nova York e Bruxelas. Jean Fritts, diretora de Arte para África e Oceania da casa de leilões Sotheby’s, disse que o preço médio das obras africanas duplicou na década passada. “Houve um tremendo crescimento desde 1999. Em parte, isto se deve a um maior apreço pela arte africana”, afirmou.

O fenômeno tem a ver com a morte dos primeiros colecionadores e com a decisão de seus herdeiros de vender os objetos, segundo afirmam os comerciantes. Muitas obras procedem de ex-colonos da Bélgica, e, tanto museus como colecionadores particulares, aproveitam aquelas que acreditam terem sido adquiridas por meios “honestos”. Fritts afirmou que os colecionadores do Oriente Médio compram 25% das obras de arte do mercado, algumas delas destinadas ao Louvre de Abu Dhabi, bem como ao Museu Nacional do Catar, que reabrirá em 2016.

Na África, empresários como Sindika Dokolo, do Congo, também compram no mercado a fim de devolver ao continente a sua arte. Essa congolesa enviou um representante a um leilão da Sotheby’s, em Paris, que chegou a oferecer 3,5 milhões de euros (US$ 3,7 milhões) por uma máscara, no fim adquirida por outro comprador.

Como a procedência e a história da mostra são importantes para os colecionadores de arte, junto com a qualidade artística e a raridade, a mostra do Quai Bransly pode servir para agregar valor a objetos identificados como obra de um “mestre” particular, o que para Fischer não é um problema.

“Muitas dessas obras de arte são vendidas como antiguidades e é um erro. O mercado quer mantê-las em uma espécie de nuvem de anonimato, mas, por que a arte africana não pode alcançar o mesmo preço elevado que os colecionadores pagam pela arte ocidental? Não se prestou honrarias suficientes a esses artistas”, ressaltou Fischer. Para ele, a exposição é o primeiro passo para que esses artistas tenham um lugar em museus de prestígio como o Louvre de Paris. Talvez, algum dia, Sra seja tão conhecido quanto Picasso. Envolverde/IPS