Internacional

Êxito parcial contra o dote em Uganda

Uma cerimônia matrimonial em Uganda, conhecida como kuhingira, na qual o noivo oferece um dote à família da noiva. A Suprema Corte determinou este mês que, em caso de dissolução do vínculo, é inconstitucional a devolução desse dote. Foto: Wambi Michael/IPS
Uma cerimônia matrimonial em Uganda, conhecida como kuhingira, na qual o noivo oferece um dote à família da noiva. A Suprema Corte determinou este mês que, em caso de dissolução do vínculo, é inconstitucional a devolução desse dote. Foto: Wambi Michael/IPS

Por Wambi Michael, da IPS – 

Kampala, Uganda, 12/8/2015 – Após anos de luta contra o costume do dote em Uganda, finalmente a Suprema Corte de Justiça determinou, esta semana, que o marido não pode pedir sua devolução em caso de dissolução do vínculo matrimonial, apesar de não ter declarado o dote como inconstitucional. Em um país onde a maioria dos casamentos é regida por costumes tradicionais, as defensoras dos direitos das mulheres consideraram a sentença como um passo que aproxima o objetivo de conseguir maior igualdade nas relações de casais, apesar de terem fracassado em sua aspiração de que o alto tribunal declarasse a inconstitucionalidade do dote.

O “preço da noiva”, com se chama o dote, é o presente que o noivo oferece à família dela como prova de seu apreço. Tradicionalmente eram vacas ou cabras, além de dinheiro. Agora, em alguns povoados se costuma presentear outros artigos, como sofás e refrigeradores. A batalha legal em relação ao dote remonta a 2007, quando a organização defensora dos direitos das mulheres Mifumi, com sede em Kampala, apresentou um recurso no Tribunal Constitucional para que a declarasse inconstitucional.

A Mifumi, cujo trabalho se centra na proteção de mulheres e crianças que sofreram violência e outros tipos de abusos, afirma que, se forem empoderadas, as mulheres poderão se elevar acima de muitas tradições culturais, como o dote, que as mantém atrasadas, cortando sua contribuição para o desenvolvimento. O recurso da Mifumi sustenta que a reclamação ou o pagamento do dote pelo noivo aos pais da noiva cria condições para a desigualdade dentro do casamento, contra o que dispõe a Constituição, que garante a igualdade de direitos entre homens e mulheres no casamento e em sua dissolução.

Em 2010, porém, o Tribunal Constitucional determinou que o dote é constitucional, com apenas um voto contra, do magistrado já falecido Amos Twinomujuni, que argumentou que o que estava em jogo era a igualdade da mulher e que o dote era uma fonte de violência doméstica. Sem se intimidar, a Mifumi decidiu recorrer à Suprema Corte, que determinou, por seis votos contra um, que o reembolso do dote atentava contra a Constituição no tocante ao respeito à igualdade ao contrair matrimônio, durante o mesmo ou em caso de dissolução.

O magistrado Jotham Tumwesigye afirmou que era injusto para os pais da mulher pedir que façam reembolso do dote após anos de casamento, e que, de todo modo, é pouco provável que algo vinculado a ele tenha sido conservado para fazê-lo efetivo. Além disso, uma das consequências de os pais já não terem o dinheiro ou os bens do dote seria o risco de que a mulher casada tolerasse abusos por medo de causar problemas aos pais, que não estariam em condições de enfrentar, acrescentou.

O presidente do alto tribunal, Bert Katureebe, destacou que “o reembolso do preço da noiva implica que a mulher está emprestada e pode ser devolvida e o dinheiro recuperado. Isso compromete a dignidade da mulher”. Os seis magistrados da Suprema Corte decidiram por unanimidade que se referir aos presentes de casamento como dote reduz seu significado ao mero valor de mercado.

Após a sentença, Solomy Awiidi, assessora legal da Mifumi, contou à IPS que estava alegre pela decisão judicial limitando uma prática cultural que mantém as mulheres reféns de casamentos abusivos. A organização declarou que gostaria que o tribunal emitisse uma decisão abolindo o dote, mas o fato de a corte determinar contra o reembolso do mesmo é algo digno de se comemorar após 15 anos de luta.

“Há pais e irmãos de noivas com processos civis porque não puderam devolver o dote, enquanto milhares, quando não milhões, de mulheres em todo o país sofrem abusos por não poderem devolvê-lo. Essa sentença vai libertar muitas delas”, ressaltou Awiidi. O advogado de direitos humanos Ladislaus Rwakafuzi, que esteve à frente do recurso apresentado pela Mifumi, disse à IPS que “não conseguimos tudo o que queríamos, mas pelo menos sabemos que as pessoas começarão a ter cuidado para não pagar muito se sabem que não haverá devolução em caso de dissolução do casamento”.

Rita Achiro, diretora-executiva da Rede de Mulheres de Uganda, disse à IPS que a decisão mostra que as mulheres desse país podem recorrer à justiça contra as leis que as mantêm oprimidas. Ela também exortou o governo e o parlamento a promoverem uma lei que garanta o cumprimento da decisão judicial, porque se não houver penalidade a reclamação da devolução do dote continuará.

Há antecedentes de tribunais que anulam leis que discriminam as mulheres, recordou, mas o governo e o parlamento não aprovam as leis necessárias para que sejam cumpridas as sentenças judiciais. Achiro citou o exemplo da decisão do Tribunal Constitucional de março de 2004, quando foram revogados dez artigos da Lei de Divórcio porque iam contra o artigo constitucional que garante os mesmos direitos às mulheres e aos homens.

A Lei de Divórcio permitia que homens abandonassem suas esposas em casos de adultério, mas as mulheres não tinham o mesmo direito, porque precisavam provar a culpa do marido, não apenas de adultério, mas de outros crimes como bigamia, sodomia, violação e abandono. Um painel de cinco juízes constitucionais confirmou que as causas de divórcio devem ser aplicadas por igual a homens e mulheres no matrimônio.

Defensoras dos direitos femininos aplaudiram a sentença, que consideraram histórica e que apontava para a igualdade entre homens e mulheres, mas 11 anos depois ainda não foi aprovada nenhuma lei que a faça ser cumprida. Envolverde/IPS