Por Kanya D’Almeida, da IPS –
Nações Unidas, 23/7/2015 – Há apenas dez meses, a Organização das Nações Unidas (ONU) anunciou que a população de refugiados da Síria havia chegado aos três milhões. Agora essa quantidade já superou os quatro milhões. “Esta é a maior população de refugiados de um único conflito em uma geração”, afirmou Antonio Guterres, alto comissário do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), no dia 9 deste mês. “É uma população que merece o apoio do mundo, mas, no entanto, vive em condições terríveis e se afunda cada vez mais na pobreza extrema”, destacou.
A guerra civil síria, que teve inicio em março de 2011, não dá sinais de aplacar. O que começou com gigantescas manifestações contra o presidente Bashar al Assad, no cargo desde 2000, agora envolve numerosos grupos armados, incluídos combatentes da organização extremista Estado Islâmico. A guerra já causou mais de 250 mil mortes e deixou 840 mil feridos, dos quais muitos ficaram mutilados para toda a vida, segundo o independente Observatório Sírio para os Direitos Humanos.
As agências da ONU se esforçam para conseguir o dinheiro necessário para dar tratamento médico, abrigo e alimentação para milhões de pessoas que fugiram da violência, mas o êxodo não para. No dia 9 deste mês, o Acnur informou que a Turquia abrigava 1,8 milhão de sírios, mais do que qualquer outro país da região. Mais de 250 mil desses refugiados vivem em 23 acampamentos mantidos pelo governo turco. No resto da região, 1,7 milhão de refugiados se encontram no Líbano, 629 mil na Jordânia, 249 mil no Iraque e 132 mil no Egito.
Os centros de saúde e a infraestrutura desses países estão perto do colapso devido à quantidade de pessoas com fome, enfermos e feridos que atendem. A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) alertou que na Jordânia os hospitais estão saturados pela quantidade de pacientes, que inclui numerosos sírios feridos por bombas de barril. Nas duas primeiras semanas deste mês, 65 feridos de guerra foram atendidos por esta causa no hospital Al Ramtha, a cinco quilômetros da fronteira com a Síria, onde o MSF colabora com o Ministério da Saúde do país para dar atendimento de emergência aos refugiados.
A organização humanitária pede o fim do uso das bombas de barril, armas extremamente explosivas, de fabricação barata, produzidas no país com tambores de óleo, cilindros de gás ou tanques de água, cheios de explosivos e pedaços de metais para aumentar a fragmentação, e que são jogados de helicópteros a grande altura.
Devido ao amplo raio de impacto dessas bombas, as vítimas sofrem ferimentos que são impossíveis de tratar dentro das fronteiras da Síria, onde muitos centros de saúde foram destruídos nos últimos cinco anos. “Mais de 70% dos feridos que recebemos sofrem lesões por explosão, e seus múltiplos ferimentos nos contam suas histórias”, afirmou em um comunicado Renate Sinke, coordenadora de cirurgia de emergência do MSF em Al Ramtha.
“Uma proporção importante dos pacientes que recebemos sofreu ferimentos na cabeça e outras numerosas lesões que não podem ser tratadas no sul da Síria, já que as tomografias computadorizadas e outras opções de tratamento são limitadas”, explicou Muhammad Shoaib, coordenador do MSF na Jordânia. Um dos pacientes no hospital Al Ramtha, Murad, pai de um menino de 27 dias ferido na cabeça pela explosão de uma bomba de barril, contou a situação de sua família, que reflete a experiência de milhões de civis presos no fogo cruzado.
“Uma bomba de barril atingiu nossa casa em Tafas. Vi meu filho pequeno. Estava quieto e parecia ter a cabeça ferida. Levei ao hospital de campanha, tentaram ajudá-lo, mas não puderam, porque o equipamento adequado não está disponível na Síria. Tinha que ser tratado na Jordânia”, contou ao pessoal do MSF. “Demoramos uma hora e meia desde o momento da lesão até chegarmos à fronteira, e um pouco mais antes de chegar a Al Ramtha. Agora, só o que quero é que meu bebê melhore e voltar à Síria”, acrescentou.
Essas famílias constituem o grosso dos refugiados sírios, a maior quantidade registrada desde 1992, quando 4,6 milhões de afegãos fugiram de seu país, segundo o Acnur. De fato, o número de refugiados sírios pode ser maior, porque não inclui os 270 mil pedidos de asilo apresentados por sírios na Europa. Mais de 7,2 milhões de pessoas estão com refugiadas dentro da própria Síria.
O pior, segundo os funcionários, é a relação aparentemente inversa entre as necessidades de emergência e os fundos humanitários, já que aquelas não param de crescer, enquanto os segundos diminuem. O Acnur e outros órgãos haviam solicitado US$ 5,5 bilhões para as operações de socorro em 2015, mas até o momento só receberam a quarta parte dessa quantia.
O Programa Mundial de Alimentos deve alimentar seis milhões de sírios na Síria e região vizinha, mas tem um enorme déficit e avisou este mês que, se não receber fundos imediatamente, meio milhão de pessoas poderão morrer de fome. Também existe a possibilidade muito real de que mais de 1,7 milhão de pessoas tenham que passar os próximos meses de inverno boreal sem combustível nem abrigo.
Uma pesquisa conjunta do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e da organização humanitária Save the Children mostra que, na medida em que a ajuda diminui, 75% das famílias de refugiados entrevistadas colocam seus filhos e filhas para ganhar a vida.
Devido às elevadas taxas de pobreza, esses resultados não são uma surpresa. Calcula-se que 86% dos refugiados fora dos acampamentos na Jordânia, por exemplo, vivem abaixo da linha da pobreza, enquanto 55% dos refugiados no Líbano vivem em abrigos “de baixa qualidade”, segundo o Acnur.
Enquanto os líderes mundiais vacilarem entre aplicar soluções políticas ou militares à crise, os sírios enfrentam uma opção: a morte pelas bombas de barril em casa ou por inanição no estrangeiro. Envolverde/IPS