A escassez hídrica é um dos mais graves problemas da insegurança alimentar que o Oriente Médio e o norte da África devem enfrentar.
Por Baher Kama, da IPS –
Cairo, Egito, 20/4/2016 – Um dos países petroleiros do Golfo, constituído por um grupo de ilhas tem o duvidoso privilégio de ocupar o 14º lugar entre 33 Estados com probabilidade de sofrer estresse hídrico até 2040, e se chama Mamlakat Al Bahrain (o reino de dois mares), mais conhecido como Bahrein.A apenas 200 quilômetros do Irã, a maior das ilhas do Bahrein está unida à Arábia Saudita pela calçada Rey Fahd, de 25 quilômetros de extensão. Com superfície de 765 quilômetros quadrados, esse país tem 1,4 milhão de habitantes.
Considerada o “ouro branco”, a água se tornou uma grande preocupação para esse país, apesar de seu elevado Índice de Desenvolvimento Humano e de ter sido considerado pelo Banco Mundial uma economia de renda alta, com um produto interno bruto (PIB) por habitante de US$ 29,149. O Bahrein também é sede do comando Central das Forças Navais dos Estados Unidos, que consiste na Quinta Frota norte-americana e em outras forças.
Mas isso não basta para fazer a felicidade dos bareinitas. Todos os países da lista dos que podem sofrer escassez hídrica até 2040 estão no Oriente Médio, inclusive os que sofreriam um estresse extremamente elevado, segundo uma classificação elaborada pelo Instituto de Recursos Mundiais (WRI).
Depois do Bahrein aparecem Kuwait, Líbano, Palestina, Omã, Catar, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Os países que compartilham a posição do Bahrein são Argélia, Iraque, Jordânia, Líbia, Marrocos, Síria, Tunísia e Iêmen. Todos eles representam dois terços dos 22 países árabes, mas isso não significa que os demais tenham o recurso assegurado. De fato, a ameaça sobre Mauritânia e Egito, ambos do extremo Magreb, já é grande.
Toda a região, que já poderia ser considerada a mais insegura em matéria de disponibilidade de água, e que depende do recurso subterrâneo e do líquido que desssaliniza, tem grandes desafios pela frente, alerta o informe Classificação dos Países com Maior Estresse Hídrico do Mundo em 2040, do WRI. Os autores do estudo, Andrew Maddocks, Robert Samuel Young e Paul Reig prognosticam que nas próximas décadas provavelmente aumentará a demanda mundial por água, inclusive no Oriente Médio.
“Uma população em rápido crescimento aumentará o consumo doméstico, de fazendas e empresas. Mais pessoas se mudarão para as cidades, o que exercerá maior pressão sobre o fornecimento. Uma classe média emergente poderá reclamar uma produção de alimentos, provocando um uso muito mais intensivo de água e de geração elétrica”, alertam os autores. Mas não fica claro de onde se extrairá água.
“Prevê-se que a mudança climática deixe algumas regiões mais áridas e outras mais úmidas. Na medida em que se acentuam os extremos no tocante às precipitações em algumas regiões, as comunidades afetadas deverão enfrentar enormes riscos, seja por secas ou por inundações”, diz o estudo. É inevitável a mudança na demanda e no fornecimento de água, mas é difícil precisar quais características terá.
A inovadora análise do WRI ajuda a esclarecer o panorama.Mediante um conjunto de modelos climáticos e cenários socioeconômicos, o WRI qualificou e classificou o futuro estresse hídrico, uma medida da concorrência e do esgotamento da água na superfície de 176 países até 2020, 2030 e 2040. “O resultado foi que 33 países experimentarão um estresse hídrico extremamente alto em 2040”, explicaram os autores.
Além disso, acrescentaram que “Chile, Estônia, Namíbia e Botswana também poderão registrar aumento especialmente alto de estresse hídrico até 2040. Isso significa que empresas, fazendas e comunidades, em particular desses países, poderão ser mais vulneráveis à escassez do que o são agora”.
Estudos especializados coincidem em que o consumo de água na região árabe multiplicou por cinco nos últimos 50 anos, com consumo anual estimado em cerca de 230 bilhões de metros cúbicos, dos quais 43 bilhões são usados para beber e para a indústria e 187 bilhões para a agricultura.
A disponibilidade de água na região árabe se traduz em insegurança hídrica para os seres humanos e a agricultura. O consumo por pessoa é estimado em pelo menos mil metros cúbicos por ano, segundo uma estatística mundial, mas a média na região cai para quase 500 metros cúbicos, o que converte os países da região em pobres com relação à água.Isso coincide com o fato de essa região não ter aproveitado o total de seus recursos de aproximadamente 340 bilhões de metros cúbicos, haver usado apenas 50% e o restante ter se perdido ou desperdiçado.
No norte da África, o Ministério de Ambiente do Egito reconheceu que vastas extensões da área norte do delta do Nilo, a maior e mais importante região agrícola do país, já sofre duas grandes consequências perigosas: salinização e inundações. Isso de deve à elevação do nível do Mar Mediterrâneo e à depressão do terreno.
O impacto do aquecimento global e as crescentes ondas de calor preocupam, em particular, as autoridades egípcias, porque poderiam diminuir o caudal do Nilo em até 80%, segundo as últimas estimativas. Por sua vez, Síria, Jordânia e Iraque estãocondenados a um destino semelhante. Em alguns países do Oriente Médio, a escassez de água aumentará a situação de conflito entre os beduínos, que sobrevivem graças às pastagens.
O professor de pesquisa espacial e do sol, MoslemShatout, também vice-presidente da União Árabe para a Astronomia e as Ciências Espaciais, com sede no Cairo, apontou que os países do norte da África estão, de longe, entre os mais prejudicados, pela mudança climática.O monitoramento via satélite, especialmente o registro do satélite franco-norte-americano, detectou entre 1991 e 2005 aumento global do nível do mar de três milímetros por ano, “mas como o Mar Mediterrâneo está meio fechado, o aumento foi de oito milímetros anuais”, pontuou.
No Marrocos, as consequências do aquecimento global e da escassez de água já obrigarammuitos agricultores a cultivar apenas um terço da área em que antes plantavam. Uma situação semelhante se registra na Argélia, e é muito pior na Mauritânia.
Nos casos de Argélia e Marrocos estimava-se que chovia pelo menos 400 milímetros por ano, mas nos últimos cinco anos diminuiu para 200 milímetros, metade do necessário. Esses dois países possuem costas rochosas, que os protegem das inundações, mas as nações árabes a leste do Mediterrâneo, como Egito, Líbano, Síria e Palestina, estão em situação vulnerável. Envolverde/IPS
*Este é o último artigo sobre o impacto da mudança climática no Oriente Médio e no norteda África antes da assinatura do Acordo de Paris, no dia 22, em Nova York.