Por Ignatius Banda, da IPS –
Bulawayo, Zimbábue, 18/12/2015 – As sucessivas más colheitas reduziram os alimentos de Ndodana Makhalima e prejudicaram a qualidade da alimentação de sua família. Este agricultor de subsistência, assentado em Lupane, 110 quilômetros ao norte desta cidade do sudoeste do Zimbábue, aprendeu a conviver com a fome.
“Antes podia comer umxhanxa(mescla de milho e melão) e inkobe (mescla de milho, amendoim e caupí– espécie de feijão) o ano todo, mas agora não tem mais”, contou Makhalima, de 56 anos. “Meu armazém está vazio e a família não tem nada para comer. Creio que as crianças nunca conhecerão o tipo de alimento que nos faziam crescer e que costumávamos comer quando éramos jovens”, opinou, observando a dimensão da má qualidade da alimentação das zonas rurais desse país africano.
Os agricultores de subsistência deverão enfrentar diversos problemas com o aviso emitido pela Rede de Sistemas de Alerta de Fome (Fews Net) sobre a ocorrência de outra seca durante a temporada 2015-2016, que poderá agravar o estado nutricional no Zimbábue. O Programa Mundial de Alimentos (PMA) diz que milhões de pessoas necessitam de assistência alimentarno país.
Mas o que reduz as esperanças de milhões de agricultores como Makhalima é a falta de fundos que enfrenta o setor agrícola, que já foi um dos grandes contribuintes para o produto interno bruto do país. O Zimbábue precisa de milhões de dólares para financiar os programas de irrigação dispersos pelo país. O Ministério do Clima e o Departamento de Serviços Meteorológicos anunciaram em outubro o bombardeamento de nuvens, mas o projeto ainda precisa ser implantado.
O escritório de meteorologia também anunciou que compraria uma aeronave para realizar esse bombardeamento de nuvens, mas o departamento havia mencionado antes as limitações econômicas que afetaram suas operações, e não está claro de onde sairá o dinheiro para adquirir o avião. Porém, especialistas explicaram que só pode ser feito quando há certas nuvens favoráveis para que o processo ocorra.
Ao anunciar o orçamento nacional, em 26 de novembro, o ministro das Finanças, Patrick Chinamasa, pontuou que o setor agrícola exigirá US$ 1,7 bilhão e que será preciso reservar US$ 28 milhões para compra de insumos para 300 mil famílias rurais vulneráveis. Dentro desse programa, os pequenos agricultores receberão milho, sementes e fertilizantes. Mas os sindicatos dizem que será preciso mais dinheiro, pois a agricultura, tão dependente das chuvas, deverá enfrentar prolongados períodos de seca.
“A importância do setor agrícola está em sua contribuição para as exportações, na casa dos 30%, em que concentra entre 60% e 70% do emprego e aproximadamente 19% do PIB, sendo uma das maiores fontes de renda paramais de 70% da população”, apontou Chinamasa na apresentação do orçamento no parlamento.Segundo afirmou, a produção agrícola, que caiu 51% em relação à temporada 2013-2014, se recuperará em 1,8% no período 2015-2016, apesar dos alertas de que será uma temporada seca.
No dia seguinte à apresentação do orçamento, Chimanasa informou, em um café da manhã de trabalho, que o Zimbábue assinará um acordo de US$ 60 milhões com o Fundo Internacional parao Desenvolvimento Agrícola (Fida) para financiar a irrigação, apresentada pelo Ministério como a solução para impulsionar a produção agrícola.
Mas os produtores de subsistência, que dependem da ajuda técnica dos funcionários de extensão agrícola, esperam tempos mais difíceis, pois o ministro das Finanças anunciou que haverá cortes nessas atividades dentro dos esforços do governo para reduzir o gasto com salários. Os cortes coincidem com a busca pelos agricultores de conhecimentos e capacidades para enfrentar a vulnerabilidade climática, à qual se atribui as más colheitas.
O governamental Comitê de Avaliação de Vulnerabilidade do Zimbábue (ZimVAC), que fixa referências para a nutrição rural com apoio do PMA, informou que 1,5 milhão de pessoas, 16% da população rural, carecem de segurança alimentar. O número representa aumento de 163% em relação ao ano anterior, acrescentou o comitê.
As agências de desenvolvimento relacionam a alimentação com a capacidade de as pessoas levarem adiante vidas produtivas com acesso a boa nutrição, uma necessidade que se acentua em grupos vulneráveis,como pessoas com HIV (vírus causador da aids). O PMA já implantou a assistência a pacientes mal nutridos com HIV/aids e tuberculose em todo o país, por meio do Programa de Saúde e Nutrição, que beneficiará milhões de pessoas em zonas rurais, segundo o Ministério da Saúde.
Mas existe a preocupação de que os problemas da agricultura e as más colheitas, que já esvaziaram os armazéns das famílias rurais, dificultem o acesso ao tão necessitado apoio nutricional dos pacientes com HIV/aids, requisito vital para os que recebem terapia antirretroviral.
A Organização das Nações Unidas (ONU) “reconhece que, para conseguir um desenvolvimento agrícola inclusivo e a segurança alimentar e nutricional, devem ser implantados programas de proteção social dirigidos”, destacou o subcoordenador regional para a África austral e representante da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) no Zimbábue, Suazilândia e Botsuana, David Phiri.
No contexto dos esforços para melhorar a produção agrícola e a nutrição, a FAO e o PMA ajudam os pequenos agricultores a adotar a agricultura climaticamente inteligente, o que completa os esforços do governo para recuperar os programas de irrigação em todo o país. Esse tipo de intervenção pode fornecer a tão necessitada assistência para agricultores como Makhalima, que dependem da atividade agrícola para se alimentar e gerar renda. Envolverde/IPS