Por Malini Shankar, da IPS –
Bangalore, Índia, 15/1/2016 – Apesar de o índice de desenvolvimento humano no Estado indiano de Karnataka ser de 0,478, superior à média nacional de 0,472, persiste ali um déficit em matéria de água e saneamento com repercussões negativas para a saúde das meninas e dos meninos. Junto com o fenômeno climático El Niño de 2015, que dissipou as monções do sudoeste do país, o déficit em fornecimento hídrico fez com que as doenças transmitidas pela água se propagassem em Karnataka.
O vírus da dengue se reproduz na água doce parada, que é uma expressão direta da insuficiente infraestrutura hídrica e de saneamento. Um terço da população ainda defeca ao ar livre, o que torna impossível combater esse tipo de enfermidade. A dengue atingiu seu ponto mais alto na Índia em 2015, com 4.691 casos e nove mortes, segundo o Ministério Federal da Saúde.
“A maioria das internações no hospital Vani Vilas para Crianças e Mulheres, em Karnataka, foi por casos de dengue. Entre janeiro e setembro do ano passado,do total de 2.800 casos de dengue, 799 afetaram crianças,”, informou a doutora Premalatha, chefe do Departamento de Pediatria do hospital. “É uma doença que pode ser totalmente prevenida, que acaba com os recursos de forma desnecessária”, ressaltou.
Diarreia, disenteria, gastroenterite e cólera continuam afetando meninos e meninas que vivem nos bairros marginalizados, e aumentam a mortalidade infantil, o atraso no crescimento e a desnutrição. Todos esses fatores contribuem para a deserção escolar, o que perpetua a pobreza e a falta de resistência às doenças.
As creches recebem 74 centavos por mês em subvenção exclusivamente destinada à compra de produtos de saneamento e limpeza dos banheiros, explicou Lakshmi Bhat, que trabalha para o Departamento de Bem-Estar Infantil e da Mulher de Karnataka como diretora das creches públicas em Yellapur Taluq, distrito costeiro do Estado. “Todas as creches que funcionam em locais privados gozam de infraestrutura de água e saneamento. Algumas inclusive têm banheiros”, acrescentou.
Asha Hegde é professora na creche de Harohalli Taluq, 60 quilômetros ao sul da capital do Estado, Bangalore, que atende crianças entre dois e 14 anos. “O objetivo principal é proporcionar habilidades práticas para a vida, uma janela de oportunidade parao mundo, mediante a educação e o exercício, e oferecer suplementos nutritivos e infraestrutura de água limpa e saneamento, e aumentar a resiliência das crianças das zonas rurais”, afirmou.
“A maioria das crianças utiliza banheiros com água e saneamento na escola, mas em casa, alguns – pelo menos duas crianças em nossa escola – carecem de água e saneamento e defecam ao ar livre”, acrescentou Taluq.
“Nossas cozinheiras preparam refeições segundo o índice de nutrição e oferecem uma combinação de alimentos como sopas de arroz, milho, verduras, ovos, leite, bolachas de cereais, etc., em diferentes horas, para que as crianças possam aprender, brincar, se exercitar, comer e dormir bem, em um ambiente seguro enquanto seus pais trabalham”, explicou Hegde.Meninos e meninas de diversas origens econômicas e indicadores socioeconômicos, como alfabetização, frequentam essas creches pré-escolares em todo o país.
- Nagamani trabalhou durante uma década em creches de seis aldeias do distrito de Kolar, com apoio de organizações não governamentais como a Gramvikas. “Fomos capacitados para cozinhar alimentos nutritivos com grãos inteiros, verduras, leite, ovos, frutas, arroz, milho e sopas de proteínas”, afirmou.“Porém, a falta de água e saneamento provoca disenteria, diarreia, cólera e icterícia em crianças cuja capacidade de recuperação se viu reduzida com as reiteradas infecções”, apontou.
“Apesar de frequentarem as creches e sua participação nas atividades acadêmicas e extracurriculares, com alimentos nutritivos, descanso, roupa limpa, água e saneamento no ambiente da escola, todos esses elementos estão ausentes em suas casas, o que gera infecções transmitidas pela água nos grupos mais vulneráveis”,ressaltou Nagamani. E lamentou que “as crianças tenham que caminhar por terrenos sujos e com esgoto para defecarem ao ar livre, o que anula o impacto das intervenções nutricionais nas escolas”.
O Estado tem 21,85 milhões de meninos e meninas segundo o censo de 2011, mas um terço deles sofre atraso no crescimento. “Isso se deve em grande parte ao fato de doenças transmitidas pela água reduzirem em 5% o peso corporal das crianças em crescimento, e a recorrência provoca a desnutrição devido à menor retenção de alimentos, falta de capacidade de recuperação e maior propensão às infecções oportunistas”, afirmou Premalatha.
Segundo a médica, “é mais fácil prevenir a reprodução dos mosquitos, que se reproduz somente em água doce parada. Os esgotos e a infraestrutura de saneamento são insuficientes para toda a população”. Premalatha explicou que a falta de água potável e saneamento afetava 48,1% das famílias rurais de Karnataka em 2012, segundo estudo realizadopelo Instituto Wash com o governo indiano, o que repercute nos centros de medicina, já que o tratamento se concentra nos pacientes de dengue.
O déficit de água e saneamento em Karnataka se manifesta no fato de 49% das pessoas defecarem ao ar livre, o que explica a incidência de 65% de diarreia nas crianças menores de cinco anos em 2013 e 2014, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Apesar das refeições que as crianças recebem nas escolas, bem como da infraestrutura de água e saneamento que estas possuem, sua ausência em suas casas, junto com a escassez hídrica provocada pela mudança climática, reduz o índice de desenvolvimento humano mesmo nas regiões mais avançadas da Índia.O desafio que resta é a criação de uma infraestrutura de água e saneamento, bem como convencer a população em geral de sua eficácia e da necessidade de erradicar a defecação ao ar livre e os esgotos a céu aberto. Envolverde/IPS