Internacional

Feminismo cubano enfrenta novos desafios na internet

A maioria das cubanas não tem acesso à internet, como ocorre com este grupo em Havana Velha, que assiste à apresentação de um livro sobre temas de gênero. Chegar a elas é parte dos desafios pendentes para as ciberativistas que usam a blogosfera e as redes sociais como espaços de denúncia e discussão sobre os direitos das mulheres. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
A maioria das cubanas não tem acesso à internet, como ocorre com este grupo em Havana Velha, que assiste à apresentação de um livro sobre temas de gênero. Chegar a elas é parte dos desafios pendentes para as ciberativistas que usam a blogosfera e as redes sociais como espaços de denúncia e discussão sobre os direitos das mulheres. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

Por Ivet González, da IPS –

Havana, Cuba, 13/7/2015 – Com blogs, e-mails, Twitter ou comentários no Facebook e em outras redes sociais, as feministas de Cuba começaram a levar ao debate público suas críticas ao machismo imperante nesta ilha caribenha. À falta de espaços diversos para a participação social e política que integrem suas demandas às transformações em curso no país, os que defendem os direitos das mulheres encontraram nas novas tecnologias da informação e da comunicação (Tics) um canal sem censura para expor suas opiniões.

“As redes sociais e os blogs levam a luta pela igualdade ao cenário digital, mas também permitem estabelecer alianças para a visibilidade de certos conteúdos e criar redes de colaboração”, explicou à IPS a afro-cubana Sandra Abdallah Álvarez, precursora do ciberativismo nesse país de governo socialista.

O blog Negra Cubana Tinha que Ser, que Álvarez mantém desde 2006, compartilha sistematicamente artigos e informações contra o racismo, o sexismo, a homofobia e outras discriminações que têm como alvo as mulheres em Cuba. Os acessos ao blog atuam como caixa de ressonância de questionamentos diante de publicações e campanhas publicitárias sexistas, com o caso da cerveja Bucanero, uma marca local que se promove afirmando ser “uma cerveja de homem” e em seus cartazes utiliza imagens femininas sexualizadas.

A professora universitária Elaine Díaz assegura que a “blogosfera cubana” se distingue por “tornar visível temas escassamente abordados na imprensa nacional ou claramente manipulados nas agendas da mídia e da política internacionais”. Em um artigo publicado no final de 2014, essa pesquisadora das Tics em Cuba afirma que os blogs atuam como mecanismos de denúncia e pressão sobre assuntos de interesse público.

Entretanto, os tópicos relacionados com as desigualdades de gênero não são relevantes entre os que são habitualmente tratados pelos blogs cubanos no que se refere à realidade do país, segundo a pesquisa realizada por Díaz entre 2.033 deles.

Algo semelhante encontrou a feminista marxista Yasmin Portales quando analisou, em 2013, 277 blogs escritos em Cuba. Embora 31% dos acessos sejam feitos por mulheres, apenas três respondiam a uma agenda feminista. Desde então, essa proporção aumentou ligeiramente e ampliou seus suportes a boletins eletrônicos e perfis de redes sociais.

Um cartaz publicitário da marca cubana Bucanero, cujo slogan é “uma cerveja de homem”. A discussão sobre os componentes sexistas da campanha publicitária dessa bebida surgiu na blogosfera. Foto: Cortesia do blog Negra Cubana Tinha que Ser
Um cartaz publicitário da marca cubana Bucanero, cujo slogan é “uma cerveja de homem”. A discussão sobre os componentes sexistas da campanha publicitária dessa bebida surgiu na blogosfera. Foto: Cortesia do blog Negra Cubana Tinha que Ser

Entre os sites que conduzem o ciberfeminismo cubano, figura o do coletivo Afrocubanas, um projeto para divulgar a participação de mulheres negras na história e na cultura, que teve rápido reflexo no espaço digital. O blog Em 2310 e 8225, gerido por Portales, e o blog coletivo Assembleia Feminista, fundado no final de 2014 pelas jornalistas Lirians Gordillo e Helen Hernández e pela crítica literária Zaida Capote, também se destacam por seus conteúdos críticos ao patriarcado cubano.

Estas últimas se definem como feministas preocupadas pelos destinos de uma nação que se transforma e pela qual querem “fazer”, utilizando a palavra como ferramenta. “Queremos nos pronunciar sobre a sobrevivência das desigualdades de gênero em nosso país”, afirmam.

Gerenciados por ativistas, intelectuais e profissionais da comunicação, esses blogs ampliam a discussão coletiva sobre a violência de gênero, a dupla jornada, as múltiplas discriminações contra mulheres afrodescendentes e lésbicas, ou o sexismo da mídia, entre outros assuntos.

Cada espaço conta com páginas no Facebook e perfis no Twitter. Dessas formas driblam o receio em relação ao feminismo que persiste na ilha – onde esse pensamento se desenvolveu sobretudo na academia e nos setores culturais –, mas ainda não consegue se expandir em publicações jornalísticas oficiais nem conta com organizações que articulem uma agenda comum.

Para a jornalista Gordillo, os blogs e as redes sociais funcionam como um megafone que torna mais conhecida qualquer ação realizada nessa praça pública virtual, do que as acontecidas apenas no espaço real ou off line. Para essa pesquisadora sobre gênero e comunicação, “uma postagem consegue maior atenção pública do que muitos eventos, painéis ou encontros nos quais essa mesma reclamação é feita, mas em nível comunitário”.

Situações de discriminação ocorrem diariamente no país, onde as mulheres alcançaram altos padrões de participação no emprego e no estudo, mas ainda continuam encarregadas da vida doméstica e da família, acrescentou Gordillo. Entretanto, a falta de articulação entre o feminismo cibernético e a maioria das cubanas, sem conexão com a internet, reduz o efeito mobilizador.

Apenas 26% dos quase 11,2 milhões de pessoas que vivem em Cuba têm acesso sistemático à internet, segundo estatísticas oficiais que não são especificadas por gênero. Um informe do Escritório Nacional de Estatísticas e Informação (Onei) indica que havia 2,923 milhões de internautas em 2013. Mas já se dá como certo que esse número aumentou, porque no final de 2013 foram abertas no país 120 lan houses e, no dia 1º deste mês, 35 pontos de conexão Wi-Fi foram instalados.

“Muitas feministas que são ativas na rede o fazem por conexões lentas, com pouco tempo e nem sempre estão treinadas para aproveitar e otimizar todas as possibilidades que esse formato nos proporciona”, reconheceu Gordillo. Para elas resta o desafio de levar as realidades “de carne e osso” aos espaços virtuais, enfrentando o risco de criar uma “realidade paralela” que não consegue incidir em leis, programas, instituições públicas e organizações, pontuou.

A falta de resposta oficial às suas reclamações é outra preocupação repetida pelas ativistas feministas consultadas pela IPS para esta reportagem.

“O que é denunciado e cobrado pela internet, em certas ocasiões, cai em um terreno ambíguo ou de ignorância por parte das autoridades com capacidade para legislar ou dar sequência às nossas preocupações sobre a situação das mulheres”, apontou Hernández em um painel do Congresso Internacional da Associação de Estudos Latino-Americanos, realizado em San Juan de Porto Rico, em maio.

Dessa forma, a internet continua funcionando como espaço de articulação para iniciativas como a do grupo Feministas Cubanas, que funciona no Facebook com esse nome desde o começo de 2014, com mais de 65 integrantes, entre residentes na ilha e as que vivem ou estudam fora.

Embora a criação de uma rede seja uma cobrança reiterada em debates e reuniões de estudiosas e ativistas pela igualdade de gênero no país, não se conhece até agora outro coletivo que aglutine igual número de mulheres autodenominadas feministas no espaço real cubano. Envolverde/IPS