Por Kanya D’Almeida, da IPS –
Nações Unidas, 28/8/2015 – Imagine ter que se aventurar em uma zona de guerra em busca de água. porque as forças insurgentes e governamentais atacaram as tubulações, caminhar quilômetros sob o sol ardente do verão, e depois esperar horas diante de uma torneira pública para encher seus recipientes.
Esta cena, presenciada por um engenheiro do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), é cada vez mais comum na Síria. Neste caso, a pessoa enviada para buscar água era uma menina que sentou no chão e começou a chorar quando compreendeu que não poderia levar o precioso recurso para sua família.
Agravada por uma onda de calor, com temperaturas que alcançaram 40 graus Celsius na cidade de Alepo, a escassez de água na Síria está atingindo níveis críticos, alertou a Organização das Nações Unidas (ONU) no dia 26.
Em um comunicado de imprensa, o Unicef criticou as partes em guerra por seus ataques intencionais contra o fornecimento de água, e acrescentou que, somente este ano, foram registrados 18 cortes deliberados de água em Alepo. Estes ataques, proibidos pelo direito internacional, agravam a situação de milhões de civis desesperados por causa da guerra, e calcula-se que cinco milhões de pessoas sofreram intensas interrupções em seu abastecimento de água nos últimos meses.
“A água potável é uma necessidade básica e um direito fundamental, na Síria como em qualquer outro lugar”, afirmou Peter Salama, diretor regional do Unicef para o Oriente Médio e Norte da África. “Negar acesso a água à população civil é uma violação flagrante das leis da guerra e deve parar”, ressaltou. Em certas localidades as torneiras ficaram secas durante 17 dias consecutivos. Em outras a seca durou mais de um mês.
Muitas vezes a tarefa de ir em busca de água nos pontos de coleta ou torneiras públicas recai sobre meninos e meninas. Não é apenas uma tarefa estafante, mas é muito perigosa em um país em conflito. O Unicef denunciou que três crianças morreram em Alepo nas últimas semanas enquanto buscavam água.
Em cidades como Alepo e Damasco, bem como em Deraa, as famílias são obrigadas a consumir água de fontes subterrâneas não protegidas e não reguladas. Como provavelmente estão contaminadas, essas fontes colocam as crianças em risco de contrair enfermidades transmissíveis pela água, como a febre tifoide. Além disso, com o fornecimento escasso e uma demanda crescente dia a dia, os preços da água dispararam até 3.000% em lugares como Alepo, o que faz com que as famílias tenham ainda mais dificuldades para conseguir esse recurso imprescindível para a vida.
Os combates e os ataques aéreos arrasaram grande parte da infraestrutura hídrica do país, ao destruírem estações de bombeamento e romper tubulações sem que os funcionários municipais possam ter acesso a elas para fazer os reparos necessários. Se isso não bastasse, os frequentes cortes de energia impedem que os técnicos bombeiem a água para as áreas civis.
O Unicef distribuiu água em caminhões para mais de meio milhão de pessoas, 400 mil delas em Alepo. A agência também reabilitou 94 poços que atendem 470 mil pessoas e distribuiu 300 mil litros de combustíveis para reforçar os sistemas públicos de fornecimento de água nessa cidade e em Damasco, onde a escassez afetou 2,3 milhões e 2,5 milhões de pessoas, respectivamente. Em Deraa, 250 mil pessoas também sofrem as interrupções.
Um déficit de financiamento de US$ 40 bilhões impede que o Unicef reforce suas operações para melhorar a situação da água, da higiene e do saneamento na Síria. Apenas para remediar a crise em Alepo e Damasco, a agência assegura que precisa com urgência de US$ 20 milhões, um pedido de improvável atendimento, devido ao déficit que afeta as operações humanitárias de todo o sistema das Nações Unidas.
Em geral, a disponibilidade de água na Síria é aproximadamente metade do que era antes de março de 2011, quando um enorme movimento de protesto contra o presidente Bashar al Assad se converteu rapidamente em uma insurreição violenta, da qual atualmente participam quatro grupos armados, entre eles o extremista Estado Islâmico. Quatro anos e meio após seu início, a guerra não dá sinais de amainar.
A ONU comemora a Semana Mundial da Água entre os dias 23 e 28 deste mês, enquanto o mundo observa as partes em conflito na Síria, que deverão prestar contas por utilizarem a água para alcançar seus objetivos militares e políticos. Envolverde/IPS