Por Emilio Godoy, da IPS –
Cidade do México, México, 23/6/2015 – “A gente desconhece o que é a técnica do fracking (fratura hidráulica) e o tema preocupa pouco porque ainda não é visível”, disse Gabino Vicente, conselheiro de um dos municípios do sul do México, onde avança a exploração de hidrocarbonos não convencionais. Vicente é representante da comunidade de Santa Úrsula, dentro do município de San Juan Bautista Tuxtepec, 450 quilômetros ao sul da Cidade do México, no Estado de Oaxaca, onde “o fracking é apresentado como um tema oculto, falta muita informação”, afirmou à IPS.
Tuxtepec, com 155 mil habitantes, o município de Loma Bonita, também em Oaxaca, e outros sete municípios do vizinho Estado de Veracruz integram o projeto Papaloapan B, impulsionado pela estatal Petróleos Mexicanos (Pemex) desde 2011 para explorar depósitos de gás e também de petróleo.
O projeto, apoiado pela estatal mas autônoma Comissão Nacional de Hidrocarbonos (CNH), se estende por 12.805 quilômetros quadrados e busca aproveitar reservas estimadas entre 166 bilhões e 379 bilhões de barris (de 159 litros) de petróleo equivalente de gás de xisto. O programa contempla a perfuração exploratória de 120 poços e a realização de 24 estudos geológicos, com investimento total de US$ 680 milhões.
Mas em Tuxtepec o projeto não é conhecido. “Não sabemos dele. Normalmente as empresas não informam as comunidades, fazem os acordos às escuras ou com alguns donos de terrenos com fraudes, se aproveitando da falta de dinheiro na região”, denunciou Vicente, cuja comunidade rural tem cerca de mil habitantes. Esses trabalhos para determinar se há gás de xisto, também conhecido pelo termo inglês shale, exigem a técnica da hidrofratura, ou fracking.
O sistema consiste em perfurações para obter hidrocarbonos incrustados em rochas subterrâneas muito profundas, mediante a injeção maciça de água e uma mistura de produtos químicos para liberação do gás ou petróleo em grande escala. Os resíduos líquidos podem conter substâncias que exijam tratamento antes de serem descartados, segundo especialistas e organizações como o Greenpeace.
A norte-americana Administração de Informação e Energia (EIA) situa o México no sexto lugar mundial em reservas de gás de xisto tecnicamente recuperáveis, atrás de China, Argentina, Argélia, Estados Unidos e Canadá, em uma análise sobre 137 depósitos em 41 países. Em petróleo ocupa o sétimo lugar.
Em silêncio, a fratura hidráulica avança pelo subsolo mexicano, envolta na obscuridade e sem regulamentações, segundo dados da não governamental Cartocrítica, que indicam que foram perfurados pelo menos 924 poços em seis dos 32 Estados do país, dos quais 349 em Veracruz. Em 2010 o estudo Projeto Petróleo Terciário do Golfo. Primeira Revisão e Recomendações, do Ministério de Energia e da CNH, situou em 1.323 poços perfurados com a técnica do fracking apenas em Veracruz e no vizinho Estado de Puebla.
No território de Tamaulipas, onde foram perfurados cem poços, Ruth Roux, diretora do Centro de Pesquisas Sociais na pública Universidade Autônoma de Tamaulipas, se deparou com o desconhecimento e a incerteza entre agricultores que arrendaram terras para esse desenvolvimento. “A primeira dificuldade é que não há informação onde existem poços. Os agricultores estão descontentes, porque não estão informados sobre o que acontecerá com suas terras. Começam a ver que seu entorno se transforma. Além disso, não sabem o que é gás shale ou fracking”, pontuou Roux à IPS.
Dentro do estudo Diagnóstico e Análise do Impacto Social da Sondagem e Exploração do Gás/Petróleo Shale Relacionado Com a Cultura, a Legalidade, os Serviços Públicos e a Participação dos Atores Sociais nos Estados de Coahuila, Nuevo León e Tamaulipas, Roux e sua equipe entrevistaram cinco produtores de sorgo e dois conselheiros de quatro municípios de Taumalipas.
Suas conclusões preliminares remetem a um sentimento de abandono, falta de respeito, desconhecimento e incerteza, contou a pesquisadora. Nessas localidades foram perfurados 42 poços, em cuja proximidade há 443 moradias. A indústria considera como estratégico o desenvolvimento do gás de xisto para manter sua produção, que em abril ficou em 6,257 bilhões de pés cúbicos por dia.
Porém, suas reservas provadas de gás convencional, segundo dados da Pemex de janeiro de 2014, eram de pouco mais de 16 trilhões de pés cúbicos, enquanto são muito mais auspiciosas as reservas estimadas de gás de xisto, projetadas em 141 trilhões de pés cúbicos. Até 2026, segundo projeção da Pemex, o país produziria 11 bilhões de pés cúbicos de gás, 45% fornecidos por jazidas não convencionais. A empresa identificou cinco bacias ricas em gás de xisto em 11 Estados.
Para o segundo semestre do ano, a CNH prepara a licitação dos recursos não convencionais, dentro da execução da reforma energética, cujo marco legal ficou definido em agosto de 2014 e que abre ao setor privado, nacional e estrangeiro, a exploração, o refino, a distribuição e o comércio de hidrocarbonos, bem como a geração e venda de eletricidade. A transformação se compõe de nove novas leis e a reforma de outras 121, que concretizam a histórica reforma energética de dezembro de 2013.
A nova Lei de Hidrocarbonos estipula que os donos da terra e as empresas – Pemex ou outras operadoras – devem chegar a um acordo sobre a prospecção e exploração dos recursos, pois, do contrário, um juiz definirá os termos do acordo. Vicente garante que a lei dificulta qualquer negativa da comunidade. “Tememos que o fracking afete a água, pela quantidade que necessita e pela contaminação dos produtos químicos que são usados. Quando dermos conta do projeto, será um pouco tarde”, ressaltou.
Os moradores de Tuxtepec, onde proliferam os cultivos de cana-de-açúcar, borracha e milho, bem como a pecuária, a pesca e o comércio, já conhecem o que é lutar contra obras energéticas. Desde 2011 conseguiram a suspensão da construção da pequena hidrelétrica Cerro de Oro, de 14,5 megawatts de capacidade e de capital privado. A receita: a organização comunitária. “Estamos nos organizando de novo. O que aconteceu em outros Estados pode se repetir aqui”, destacou o conselheiro.
Papaloapan B integra o Projeto Integral Bacia de Veracruz, traçado sobre 51 municípios desse Estado, para aproveitar suas reservas de xisto. Nos vizinhos a Tuxtepec, a Pemex já perfurou alguns poços, mas não há dados disponíveis a respeito.
Os produtores de Tamaulipas “se queixam que suas terras enchem de água depois das obras e que já não produzem como antes”, afirmou Roux, para quem as explorações geram “violência” e são “fonte de conflito”. Ela e sua equipe estendem sua investigação aos Estados de Nuevo León e Coahuila, onde foram perfurados 182 e 47 poços, respectivamente.
Cada perfuração exige entre nove milhões e 29 milhões de litros de água. Além disso, os fluidos usados na operação contêm cerca de 750 substâncias químicas, entre elas várias prejudiciais à saúde humana e ao ambiente, segundo organizações ambientais e acadêmicas dos Estados Unidos. Envolverde/IPS