Por Manipadma Jena, da IPS –
Ancara, Turquia, 1/12/2015 – A cada minuto que passa o mundo perde 23 hectares pela degradação da terra, o que em um ano equivale ao desaparecimento de 12 milhões de hectares, pouco mais do que a superfície da Nicarágua. Em termos econômicos, esse desaparecimento de solos cultiváveis custa ao planeta US$ 400 bilhões por ano, o que inclui a perda de cereais no valor de US$ 1,2 bilhão. Mas existe a possibilidade de recuperar cerca de dois milhões de hectares, uma superfície maior do que a América do Sul.
A recuperação dessas terras permitiria não apenas produzir até 2,3 bilhões de toneladas de alimentos adicionais. A Convenção das Nações Unidas de Luta Contra a Desertificação (UNCCD) calcula que a restauração da capacidade de armazenamento de carbono na terra poderia reduzir o aquecimento global em 0,5 grau até o final do século.
Em um fato importante, os 195 países membros presentes na 12ª Conferência das Partes da Convenção, em outubro, acordaram fixar voluntariamente suas próprias metas para estabilizar a quantidade atual que têm de recursos da terra sãos e produtivos, com uma dupla estratégia de prevenção e recuperação, em um processo conhecido como neutralidade na degradação da terra (NDT). O Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) número 15 pretende alcançar essas metas de NDT até 2030.
Essa ambiciosa transição mundial para uma economia de solos produtivos se fará mediante o Fundo de Investimento de Impacto de Neutralidade na Degradação da Terra, ou Fundo NDT, uma plataforma de financiamento administrada de forma privada com apoio da UNCD. O Fundo começará a funcionar no final de 2016, movimentará US$ 2 bilhões a cada ano, principalmente do setor privado, e o financiamento se dará mediante empréstimos.
“Temos que avançar além dos milhares de projetos-piloto de restauração da terra (implantados com dinheiro público) até chegar à aplicação definitiva”, opinou Markus Repnik, diretor de Mecanismo Global da UNCCD, o órgão que administra o Fundo NDT.
“Os fundos do setor privado estão disponíveis. Pode-se ‘ilustrar’ os potenciais investidores no Fundo NDT. Os fundos de pensão que se afastam dos investimentos sujos, as empresas que inovam, inclusive as maiores, sob a enorme pressão das ONGs, se dão conta de que em breve se chocarão contra uma parede, a menos que renunciem às suas práticas insustentáveis”, afirmou Repnik.
“O Fundo NDT pode ser um grande motor de mudança para esse tipo de empresa. O dinheiro é um obstáculo. O dinheiro público é um desafio, temos que investir em fundos privados”, acrescentou o especialista.
O Livro Branco de 2015 do Fundo NDT diz que este ajudará a melhorar os modelos de negócio viáveis, baseados em terras recuperadas que gerem retornos financeiros, ao mesmo tempo em que contribuem com objetivos mais amplos, relacionados com alimentos, água e segurança energética. Propõe compensações entre todos os setores que utilizam os solos, incluída a agricultura sustentável, a gestão pecuária e floresta, as energias renováveis, o desenvolvimento de infraestrutura e o turismo ecológico.
Porém, muitas organizações da sociedade civil discordam dessa postura. “Todos os governos têm dinheiro. Tem mais a ver com uma questão de vontade política”, afirmou Noel Oettle, do Environmental Monitoring Group, um coletivo da África do Sul. “Embora se possa argumentar a favor da mobilização dos fundos privados, a dificuldade que surgirá é que muitos pequenos proprietários estão em terras onde se houver alguma renda adicional deverá ser destinada a eles, e não ser transferida como lucro para os investidores”, ressaltou.
“O Livro Branco do Mecanismo Mundial, de junho deste ano, propõe um modelo pelo qual os governos devem realizar concessões aos operadores empresariais para ter acesso às terras degradadas ou áridas, por 10 ou 20 anos, para que estas possam ser recuperadas para a agricultura rentável”, explicou Oettle. “Na região de Gambela, na Etiópia, e em outros lugares, casos documentados demonstram que moradores locais, que inclusive podem ter a posse da terra, fugiram da perseguição dos poderosos operadores e das forças armadas”, acrescentou.
“Sem deixar de reconhecer a importância do Fundo NDT, é preciso prudência, já que apesar de ter a intenção de combater a posse excessiva de terras, nesta fase, na verdade, constitui uma ameaça objetiva para todos os usuários da terra que não possuem títulos oficiais de propriedade”, destacou Akambi Es Deen, representante da sociedade civil em Benin.
Para que o Fundo NDT “prospere, é importante gerar capacidade e sensibilizar. Se se deseja o consentimento prévio, livre e informado das pessoas para que reabilitem suas terras, é preciso lhes dar as ferramentas para que saibam o que acontece e o que podem fazer para garantir a posse e os direitos de uso sobre a terra”, pontuou Karen van Boxtel, da organização holandesa Both Ends.
Boxtel acrescentou que a sociedade civil deve participar de maneira mais construtiva na aplicação desse fundo. “Os países devem implantar um contexto rígido de salvaguardas ao aceitar o financiamento privado”, concordou Repnik. Embora o Livro Branco do Mecanismo Global mencione um conjunto de normas e salvaguardas, Oettle compartilhou a preocupação das organizações independentes. “Toda garantia é tão boa quanto for o sistema que assegure sua aplicação e seu acompanhamento”, afirmou.
Segundo Boxtel, “em outros projetos vemos como as salvaguardas podem ser fundamentais para os direitos territoriais da população local”.
Para Oettle, “é muito arriscado”, acrescentando que “é evidente pela forma como o sistema da ONU gira para o grande romance com o setor privado. Cada vez mais também, em vários países em desenvolvimento, vemos que os governos favorecem os interesses empresariais e que os operadores privados cada vez mais saibam como manter o apoio dos governos”.
“Em consequência, para o Fundo NDT é preciso ter um sistema de controle forte e extenso. É necessário investir dinheiro nisso também”, recomendou Oettle. Envolverde/IPS