Internacional

Grupos de risco para HIV/aids estão sem preservativos na África

A distribuição de preservativos nas prisões e escolas secundárias avivou um acalorado debate, convertendo a luta contra o HIV/aids em um desafio para cumprir a meta de reduzir a propagação desse mal contida nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Foto: Jeffrey Moyo/IPS
A distribuição de preservativos nas prisões e escolas secundárias avivou um acalorado debate, convertendo a luta contra o HIV/aids em um desafio para cumprir a meta de reduzir a propagação desse mal contida nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Foto: Jeffrey Moyo/IPS

 

Harare, Zimbábue, 2/4/2015 – O adolescente de 16 anos Tatenda Chivata, residente no distrito rural de Mutoko, no Zimbábue, foi suspenso da escola secundária durante todo um trimestre depois que descobriam um preservativo em sua mochila. Regerai Chigodora, um detento de 34 anos de uma prisão de Harare, teve sua pena aumentada de 36 para 45 anos quando encontraram com ele, no início deste ano, um preservativo usado.

Com as restrições impostas à distribuição de preservativos em escolas e prisões da África, esse continente despreza uma oportunidade para frear a propagação do HIV (vírus causador da aids) para cumprir o sexto dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), afirmam especialistas em saúde. “Será difícil a África vencer a guerra contra o HIV/aids se deixar fora das medidas de prevenção certos grupos de pessoas, como estudantes e presos”, disse à IPS, da Tanzânia, Tamasha Nyererem, assessora independente sobre HIV/aids.

Ativistas pelos direitos humanos do Zimbábue acreditam que pode haver mais casos sem denúncias, de jovens como Chivata e de presos como Chigodora, devido à proibição de preservativos em prisões e escolas.

“É perturbador ver como trabalhamos duro na África contra a propagação do HIV/aids, mas não somos tão pragmáticos para ditar medidas preventivas em escolas e prisões, onde a maioria de nossos governos se nega com veemência a permitir a distribuição de preservativos”, lamentou à IPS em Harare o ativista homossexual Elvis Chuma. “A desculpa compartilhada é que isso promoveria a homossexualidade nas prisões e a imoralidade sexual nas escolas”, acrescentou.

“Queiram ou não as autoridades, a homossexualidade é comum na prisão e, mesmo contrabandeando preservativos para usá-los, se te pegam, com no meu caso, você está com graves problemas”, disse à IPS o preso Chigodora.

Os adolescentes africanos devem usar preservativos em segredo na escola e seu único crime é ser menor de idade, apontou Chivata. “Estou suspenso porque descobriram um preservativo que usei para ter relações sexuais com minha noiva, mas os mesmos professores nos ensinaram a usar proteção se caímos na tentação de fazer sexo. Agora me pergunto se errei em usá-lo. Talvez não tivessem encontrado nada se fizesse sexo sem proteção”, afirmou à IPS.

A sodomia é crime no Zimbábue, o que, segundo ativistas, dificulta a distribuição de preservativos nas prisões deste e de outros países do continente. “Países africanos como o Zimbábue estão arraigados em suas próprias leis, que impedem a distribuição de preservativo entre presos e estudantes secundários”, disse à IPS o ativista Tonderai Zivhu, presidente da Associação Aberta de Pessoas que Vivem com HIV/aids, com sede em Masvingo, a cidade mais antiga do país.

África do Sul e Namíbia seriam os únicos países, dos 54 que há no continente, a terem adotado medidas para prevenir a propagação da enfermidade em escolas e prisões.

Em 2007, entrou em vigor a Lei de Infância na África do Sul, que deu aos adolescentes maiores de 12 anos o direito de acesso a métodos anticoncepcionais. O Departamento de Serviços Correcionais também oferece preservativos nas prisões.

Na Namíbia, a política nacional sobre HIV/aids estabelece que todos os presos que aguardam julgamento ou condenados tenham acesso à mesma informação sobre prevenção da enfermidade, exames, métodos de prevenção, tratamento, atenção e apoio que o restante da população.

Mas outros países africanos não têm uma posição clara sobre o uso de preservativos em prisões e escolas.

No ano passado, o governo de Ruanda confirmou a prevalência da homossexualidade nas penitenciárias, mas não indicou se distribuirá preservativos nos centros de detenção. O ministro de Educação Primária e Secundária, Lazarus Dokora, declarou no parlamento este ano que os pais são livres para dar preservativos aos seus filhos, mas que o governo não permitiria a distribuição gratuita nas escolas.

“Devemos dizer que os adolescentes estão nas escolas para aprender e iniciar-se em certas capacitações para a vida, e no tocante aos preservativos vocês são os responsáveis por seus filhos e devem ter uma ligação íntima com eles para que quando preparem a mochila com os livros também possam acrescentar preservativos”, afirmou Dokiora.

Mas o enfoque de laissez-faire indignou alguns ativistas contrários à distribuição de preservativos em escolas e prisões. “Distribuir preservativos nesses locais tornará os governos africanos cúmplices do crime de sodomia e imoralidade sexual entre adolescentes, o que atenta contra nossos valores e nossas normas”, afirmou à IPS Bupe Mwansa, diretor da Associação para a Conservação da Cultura e das Tradições de Zâmbia.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 3,2 milhões de meninos e meninas eram portadores de HIV no final de 2013, a maioria na África subsaariana, dos quais 145 mil eram do Zimbábue. A Agência Nacional de Estatísticas do Zimbábue (ZimStat) registrou que o país tem 18 mil presos, 28% deles vivendo com HIV/aids.

Na África do Sul, 41,4% dos 166.267 detentos são soropositivos, segundo estatísticas do Ministério da Saúde, apesar de ser o único país africano a não penalizar a homossexualidade. Para médicos como Nomalanga Zwane, de Johannesburgo, para lutar contra o HIV/aids nas escolas e prisões são necessárias medidas drásticas.

“Se os adolescentes ficam perdidos acreditando que não podem manter relações sexuais por serem menores de idade, a batalha contra o HIV/aids já está perdida porque esses mesmos rapazes propagarão a doença fora da escola, enquanto os presos sem acesso a preservativos sairão da prisão e contagiarão” outras pessoas, enfatizou Zwane à IPS.

Ex-presos, como Jimson Gwatidzo, de 37 anos, transformado em férreo defensor da distribuição de preservativos nas prisões após contrair HIV, não considera crível que alguns governos africanos proíbam sua distribuição nos centros de detenção “devido às infecções generalizadas por violação”, afirmou. “É hora de os governos africanos se desfazerem das leis contra a sodomia para permitir a distribuição de preservativos nas prisões e poder lutar contra o HIV/aids sem barreiras legais”, ressaltou em entrevista à IPS. Envolverde/IPS