Internacional

Guerra contra terrorismo atinge imprensa

Jornalistas reunidos no clube da imprensa de Landikotal, na agência de Jyber, no Paquistão. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS
Jornalistas reunidos no clube da imprensa de Landikotal, na agência de Jyber, no Paquistão. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

Por Ashfaq Yusufzai, da IPS – 

Peshawar, Paquistão, 4/5/2016 – As Áreas Tribais sob Administração Federal (Fata) do Paquistão, na fronteira com o Afeganistão, são consideradas uma das áreas mais perigosas do mundo para o exercício do jornalismo, com 14 profissionais mortos desde 2005. Além disso, a maioria dos casos permanece impune, segundo denúncias de organizações locais e internacionais.

“A situação é extremamente ruim”, afirmou à IPS Ibrahim Shinwari, ex-presidente da União Tribal de Jornalistas. “A segurança de aproximadamente 350 jornalistas que trabalham nos sete distritos das Fata estão sob ameaça. Cerca de 40 deixaram a região e escrevem desde a vizinha província de Jiber Pajtunjwa”, acrescentou.

Quando as forças de uma coalizão encabeçada pelos Estados Unidos expulsaram o Talibã de Cabul, no final de 2001, após os atentados terroristas em Washington e Nova York, combatentes talibãs fugiram para as Fata, de onde lançavam ataques contra o exército paquistanês, bem como contra a população local e prédios governamentais, escolas e hospitais.

No começo de 2014, as forças de segurança paquistanesas lançaram a operação Zarb-e-Azbhas, que consistiu em ataques terrestres e aéreos generalizados contra vários grupos islâmicos insurgentes. Mas a campanha derivou em novas restrições para os meios de comunicação. Em agosto de 2015, o Ministério da Informação emitiu uma norma de conduta draconiana, que impede a transmissão de material com “calúnias” contra a justiça ou as forças armadas.

Os profissionais de imprensa continuam sofrendo assédio e até assassinatos com uma virtual impunidade. “Ninguém foi processado pela morte de jornalistas. Houve apenas uma investigação, pelo assassinato de Hayatullah Jan, que nunca veio a público. Os assassinatos dos jornalistas das Fata são um mistério”, indicou Shinwari à IPS.

Jan, jornalista independente para o jornal em língua urdu Ausaf, apareceu morto no Waziristão do Norte, em junho de 2006, seis meses depois de ter sido sequestrado por homens armados não identificados. Segundo o Comitê de Proteção de Jornalistas (CPJ), com sede em Nova York, Jan havia recebido inúmeras ameaças das forças de segurança paquistanesas, do Talibã e de chefes tribais, devido ao seu trabalho. Os assassinos seguem impunes.

No dia anterior ao seu sequestro, Jan havia publicado fotografias que contribuíram para expor o programa secreto com drones (veículos aéreos não tripulados) dos Estados Unidos no Paquistão. Em novembro de 2007, sua viúva morreu em um atentado com bomba que explodiu do lado de fora de sua casa.A situação de Jiber Pajtunjwa, uma das quatro províncias do Paquistão, é mais ou menos a mesma, com dois jornalistas assassinados em uma só semana este ano, os primeiros falecidos na região Ásia Pacífico, segundo a Federação Internacional de Jornalistas.

O último informe da organização norte-americana Freedom House situa o Paquistão em 142º lugar, entre 199 países e territórios, em relação ao estado da liberdade de imprensa, e a organização Repórteres Sem Fronteiras o coloca em 147º lugar, entre 180.

Shinwari recordou que, mesmo antes da chegada dos talibãs afegãos e da consequente ofensiva militar, os jornalistas das Fata nunca tiveram a mesma liberdade de expressão que seus colegas de outras partes do país. “Não há uma lei segundo a qual possamos conseguir informação e dependemos dos funcionários que costumam desprezar os repórteres”, ressaltou.

O jornalista Muhammad Anwar, da agência do Waziristão do Sul, vive no distrito de Bannu, emJiber Pajtunjwa, há cinco anos, devido à campanha militar contra o Talibã. “Temos vários problemas, tanto pelo Talibã como pelo exército. Muitos colegas foram assassinados em diferentes distritos das Fata, mas ainda não foram identificados os assassinos”, explicou à IPS.

Alguns repórteres mudaram para Peshawar, capital de Jiber Pajtunjwa, mas suas famílias são alvo de ataques em sua localidade natal. “A administração local e o Talibã assediam nossos familiares se não gostam de nossos artigos. Nessas circunstâncias, a liberdade de imprensa ainda está longe”, lamentou Anwar.O conhecido jornalista local Hamid Mir, que se recupera das lesões sofridas em um ataque armado em Karachi, no dia 19 de abril de 2014, escreveu em uma coluna publicada na última semana de abril deste ano que não podia divulgar toda a verdade.

Mir escreveu que “as declarações do primeiro-ministro paquistanês, Nawaz Sharif, em seu discurso à nação no dia 22 de abril, quando disse que os jornalistas do Paquistão gozam de mais liberdade do que em qualquer outro país, simplesmente não são corretas.”E acrescentou que “o primeiro-ministro se gabou da liberdade de imprensa como se não soubesse dos atores estatais e não estatais que intimidam os meios de comunicação para que sigam sua agenda”.

Segundo o CPJ, 57 jornalistas morreram no Paquistão desde 1992, 33 dos quais foram assassinados e, destes casos, 30 continuam sem solução. O comitê disse que as ameaças contra os profissionais de imprensa no Paquistão não procedem apenas de combatentes rebeldes, criminosos ou senhores da guerra, mas também dos partidos políticos, militares e das agências de inteligência.

Em novembro de 2014, o jornalista Zaman Mahsud, do Waziristão do Sul, foi morto por homens armados no distrito de Tank, em Jiber Pajtunjwa, em um caso atribuído a uma facção do Talibã.

O jornalista Irfanullah Shah, originário do Waziristão do Norte mas que escreve desde Bannu, pontuou à IPS que, além da falta de segurança, os jornalistas têm que enfrentar outras dificuldades para desempenhar seu trabalho.“Cerca de 90% dos repórteres não recebem remuneração dos meios para os quais trabalham, por isso não podem continuar sua carreira de jornalistas”, destacou.

Esses profissionais não remunerados ou mal pagos não têm recursos para viajar e investigar e dependem dos comunicados de imprensa divulgados pelo exército ou de entrevistas por telefone com dirigentes do Talibã, apontou Shah. “Os jornalistas ficam presos entre o exército e o Talibã. Têm de contentar os dois, o que é impossível”, ressaltou.

Os clubes de imprensa em outras partes do país contam com um subsídio do governo, mas os das Fata só recebem uma quantia nominal, que não basta para cobrir os gastos.“A liberdade de expressão e de imprensa, de manifestação ou de assembleia, é violada ou reprimida com o pretexto da segurança nacional ou do interesse nacional”, reconheceu a Comissão de Direitos Humanos do Paquistão no dia 3 de abril.

Inclusive críticas genuínas sobre os planos de desenvolvimento ou outros compromissos assumidos pelo governo são endemoniados e rotulados de atentado contra o “interesse nacional”, enfatizou a Comissão. Envolverde/IPS

*Este artigo é parte de uma série elaborada pela IPS por ocasião da celebração, em 3 de maio, do Dia Mundial da Liberdade de Expressão.