Por Kanya D’Almeida, da IPS –
Nações Unidas, 31/7/2015 – Agoniado por uma onda de calor, em um verão boreal com temperaturas excepcionalmente altas, a população da atribulada cidade de Alepo, no norte da Síria, tem de enfrentar outro inimigo: a sede. O conflito, que começou em março de 2011 como um levante popular contra o regime do presidente Bashar al Assad, não dá sinais de cessar os combates entre os múltiplos grupos armados, com destaque para o Estado Islâmico.
Presa em meio ao conflito, a população civil da Síria paga o preço mais alto, com milhões de pessoas obrigadas a fugir do país. Os que ficaram sofrem um pesadelo permanente, que piorou no começo de julho com a interrupção do fornecimento de água. Alguns serviços se recuperaram desde então, mas a situação ainda é muito precária, e as agências internacionais de saúde redobram esforços para evitar epidemias provocadas por água contaminada.
“O corte de água veio no pior momento, quando os sírios sofrem uma intensa onda de calor”, advertiu Hanaa Singer, representante na Síria do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em comunicado divulgado no dia 22 deste mês. “Alguns bairros estão há quase três semanas sem água e centenas de crianças estão sedentas, desidratadas e vulneráveis às enfermidades”, afirmou. Cerca de três mil crianças, 41% das que são atendidas nas clínicas de Alepo assistidas pelo Unicef desde começo de julho, apresentaram casos leves de diarreia.
“Nos preocupa a possibilidade de o fornecimento de água em Alepo voltar a ser suspenso a qualquer momento, agravando o que já é uma grave crise de água em todo o país”, ressaltou Singer. O Unicef criticou as partes em conflito por visarem os encanamentos de fornecimento de água, uma ação claramente proibida pelas leis de guerra. Os fortes combates em zonas civis, e o consequente deslocamento de um grande número de pessoas em todo o país, enfraqueceram a frágil rede de fornecimento de água e saneamento do país.
Houve 105.886 casos agudos de diarreia na primeira metade deste ano, bem como um rápido aumento dos casos de hepatite A. Em Deir-Ez-Sour, uma grande cidade do leste da Síria, o lançamento de esgoto no rio Eufrates gerou uma crise sanitária entre a população local que usa suas águas para cozinhar, lavar e beber. O Unicef registrou cerca de mil casos de febre tifoide na região.
O Unicef distribuiu 18 mil caixas de medicamentos para atender casos de diarreia e ajudar meninas e meninos enfermos. Também trabalha com seus sócios no terreno para entregar pastilhas para tornar a água potável para cerca de um milhão de pessoas. Com o aumento do preço dos combustíveis, que chegou a US$ 2,60 por litro em julho, na cidade de Idleb, as famílias empobrecidas pelo conflito foram obrigadas a cortar seu consumo de água. As estações de bombeamento também reduziram drasticamente a quantidade por pessoa, limitando o fornecimento a 20 litros por dia.
Os esforços do Unicef para distribuir dispositivos capazes de tornar a água potável sofreram um duro revés em abril, quando foi fechada a passagem fronteiriça com a Jordânia, uma rota que era usada habitualmente para levar meio milhão de litros mensais de produtos para tratar a água. Apesar das dificuldades, o Unicef triplicou o volume de fornecimento de emergência de 800 mil para 2,5 milhões de litros de água por dia, o que representa 15 litros por pessoa para cerca de 200 mil indivíduos.
Organizações humanitárias como Oxfam, Meia-Lua Vermelha da Síria e Comitê Internacional da Cruz Vermelha ajudam a Organização das Nações Unidas (ONU) a sustentar o povo sirio. Além de transportar milhões e milhões de litros de água por mês, o Unicef ajudou a cavar 50 poços, dos quais são extraídos cerca de 16 milhões de litros por dia.
Ainda há cerca de meio milhão de pessoas em Alepo que já não sabem o que fazer para encontrar água limpa para atender as necessidades diárias de suas famílias. Em todo o país, aproximadamente 15 milhões de pessoas dependem de uma limitada e vulnerável rede de fornecimento de água. Envolverde/IPS