Por Amy Fallon, da IPS –
Kampala, Uganda, 26/11/2015 – Ontem, o papa Francisco iniciou sua primeira viagem à África como líder da Igreja Católica. Embora seja palpável o entusiasmo popular nos três países que visitará (Quênia, Uganda e República Centro-Africana, nessa ordem), nem todos estão de bom humor para celebrar.
Sandra Ntebi, lésbica de 33 anos e defensora dos direitos humanos em Uganda, vive nos arredores de Kampala, onde Francisco se reunirá com a população. Mas existe um grupo na região que advertiu Ntebi, dizendo “que devem limpar as estradas de homossexuais”. Ela “gosta” do papa atual porque considera que é mais liberal do que seus antecessores. “Creio que está procurando fazer seu jogo corretamente. Quer agir com a mente aberta. Mas, se vem ou não vem, em nada me importa”, afirmou à IPS.
Os últimos anos foram turbulentos para a população de lésbicas, gays, transgêneros e bissexuais (LGBT) de Uganda. Embora em agosto de 2014 a justiça tenha revogado uma lei contra a homossexualidade, vários legisladores prometeram apresentar um projeto de lei semelhante.
A Lei de Uganda Contra a Homossexualidade incluía a prisão perpétua para certas condutas homossexuais quando o parlamento a aprovou, em 20 de dezembro de 2013, embora um rascunho inicial pretendesse inclusive a pena de morte. O presidente, Yoweri Museveni, promulgou a lei em 1º de agosto de 2014, mas o Tribunal Constitucional a invalidou por razões de procedimento.
Se estivesse em vigor, a lei ampliaria a penalização às relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo, que são ilegais em Uganda desde a época do domínio colonial britânico, como acontece em muitos países da África subsaariana. Antes da aprovação da lei, os atos homossexuais eram castigados com pena máxima de 14 anos de prisão.
Uganda continua sendo uma sociedade majoritariamente homofóbica. Um candidato às eleições presidenciais de 2016 se comprometeu a “reabilitar os homossexuais” se for eleito. Ntebi confirmou à IPS que nesse período pré-eleitoral decidiu tomar precauções adicionais e manter um perfil baixo.
No período anterior à visita do papa, muitos se perguntavam se Francisco abordará o problema dos direitos dos homossexuais em Uganda. De fato, numerosos ativistas pediram ao papa que se refira expressamente ao tema. Pepe Julian Onziema, um homem transgênero e ativista, disse à IPS que o papa tem a oportunidade de “ressaltar claramente a necessidade que há de compaixão, inclusão e um sentido de humanidade compartilhada”.
Porém, Ntebi pertence à minoria que não quer que Francisco fale a respeito, por medo de que suas palavras “desencadeiem” nos meios de comunicação, entre outros, uma campanha hostil contra as pessoas LGBT. De todo modo, “não creio que o fará”, afirmou a ativista, que no passado foi pentecostal e adventista do sétimo dia, e que agora “renunciou” a toda religião.
O presidente da Conferência Episcopal de Uganda, arcebispo da cidade de Gulu, John Baptist Odama, disse à IPS que não espera que o papa se refira ao tema especificamente. “Não creio, de verdade, que essa seja sua principal preocupação”, opinou.
Segundo Odama, “já havíamos falado disso e foi dito claramente que vamos ensinar a doutrina da Igreja que diz que o contexto do matrimônio é para um homem e uma mulher, e o resultado final é a procriação e a promoção da humanidade”. Mas o arcebispo disse que o papa “se preocupa pelas pessoas, pelas condições em que vivem”, e como, por meio das palavras de Deus, pode dar “esperança e ânimo” aos ugandenses.
O papa chegará a Uganda amanhã, e se prevê que será recebido no aeroporto de Entebe pelo presidente Museveni, por religiosos e milhares de simpatizantes. Em seguida se reunirá na casa de governo com o chefe de Estado, que convidou Francisco oficialmente a visitar o país em dezembro de 2014.
Sua visita coincide com a campanha eleitoral no país, que começou oficialmente há duas semanas. Como ocorreu em outras votações, candidatos e figuras da oposição são detidos esporadicamente. Museveni vai completar 30 anos no poder no próximo ano. A organização de direitos humanos Human Rights Watch (HRW) alertou recentemente para a “brutalidade policial”, e destacou que “os ugandenses devem poder participar dos atos políticos, ouvir todos os candidatos pessoalmente ou pelo rádio, e expressar seus pontos de vista sem reticências nem medo.
“A visita a Uganda acontece em um momento importante, com as eleições próximas e a campanha presidencial em curso”, ressaltou Maria Burnett, pesquisadora da HRW. Essa organização escreveu ao Vaticano para pedir ao papa que “plante uma série de questões de direitos humanos que acreditamos ser de interesse comum”. “É um momento crítico para o papa pedir ao presidente Museveni que respeite os direitos à liberdade de expressão e de reunião, inclusive com os quais o partido do governo não está de acordo”, destacou.
Mas, como com relação ao tema dos direitos dos homossexuais, o arcebispo Odama disse não esperar que Francisco “se dedique a temas políticos, como líder de uma igreja de nível universal”. E acrescentou: “não creio que esteja preparado para dizer que se apoie esse candidato, essa pessoa, esse partido ou aquele. Mas poderia mencionar facilmente pontos gerais, por exemplo, ‘Uganda, continue vivendo em paz e também pratiquem a reconciliação’”. Segundo o arcebispo, “essas são as mensagens que a Igreja prega em qualquer lugar e em qualquer ocasião”.
Enquanto o papa percorrer diferentes lugares de Kampala durante sua visita, Ntebi disse que “ficará tranquila em casa bebendo. Por que iria vê-lo? Por razões de segurança não quero participar”, ressaltou.
A viagem começou no Quênia, ontem, onde o papa tem encontro com o presidente Uhuru Kanyatta, autoridades civis e o corpo diplomático, e visitará a sede da Organização das Nações Unidas e um bairro pobre de Nairóbi, segundo comunicado divulgado em sua página na internet pela Rádio Vaticano.
O principal objetivo da visita de Francisco a Uganda é comemorar os 50 anos da canonização de 22 mártires ugandenses pelo papa Paulo VI em 1964, informaram o governo e a Igreja locais. Em Uganda haverá uma missa e uma “breve oração de meditação” em um santuário para celebrar os mártires – católicos e anglicanos – que foram queimados vivos em 1886 por se negarem a renunciar às suas crenças cristãs.
Também está previsto que o papa se encontre com jovens, doentes e deficientes, além de bispos e outros membros do clero. Francisco deixará o país no dia 29, com destino à República Centro-Africana, onde visitará um campo de refugiados e concluirá sua viagem à África, no dia 30. Envolverde/IPS